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Trabalho infantil e violência persistem em Sorocaba

Mais de 900 crianças foram atendidas em 2024; conselheiros enfrentam desafios para romper o ciclo de violações

04 de Agosto de 2025 às 22:36
Cruzeiro do Sul [email protected]
Conselho Tutelar atua na proteção de crianças e adolescentes
Conselho Tutelar atua na proteção de crianças e adolescentes (Crédito: JOÃO FRIZO)

Em Sorocaba, a rotina dos conselheiros tutelares revela um retrato preocupante da infância e adolescência. Casos de maus-tratos, abandono, abuso sexual e trabalho infantil continuam presentes no dia a dia dos órgãos de proteção da cidade. A atuação do Conselho Tutelar, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e da rede socioassistencial busca mitigar os impactos dessas violações, mas o enfrentamento esbarra em desafios estruturais, culturais e legais.

Mais de 900 vítimas em um ano

Segundo dados da Secretaria da Cidadania (Secid), apenas em 2024, 942 crianças e adolescentes foram atendidos pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi). Entre eles, 416 foram vítimas de violência intrafamiliar, 206 sofreram abuso sexual, 355 foram negligenciados ou abandonados, e 165 estavam em situação de trabalho infantil. Já em 2025, somente no primeiro semestre, 535 atendimentos foram registrados, com 149 casos de violência familiar e 34 de trabalho infantil.

A face visível do trabalho infantil

De acordo com a presidente do CMDCA, Lígia Germiniani, o trabalho infantil é uma realidade persistente. “Temos tentado enfrentar isso há muito tempo. O maior número de ocorrências está nas avenidas de classe alta, como a Antônio Carlos Comitre e a Washington Luiz, onde há maior poder aquisitivo e, por consequência, uma maior comoção diante da imagem de uma criança vendendo doces nos semáforos”, relata.

A prática, no entanto, esconde situações complexas. Embora muitas vezes pareça um esforço inocente para ajudar a família, há casos em que adolescentes estão sendo aliciados por terceiros, permanecendo fora da escola, em contato com drogas e resistindo a abordagens da rede de proteção. “Já tentamos atuar em conjunto com a Polícia Federal, mas o trabalho infantil, por si só, não é tipificado como crime. Isso dificulta a atuação”, afirma Germiniani.

Segundo ela, 58 crianças e adolescentes estão atualmente vinculados ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) por estarem em situação de trabalho infantil.

Fraude em contratos de aprendizagem

Outro caso emblemático envolveu uma operação conjunta entre o Ministério do Trabalho, o Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) e a Diretoria de Ensino. Foi descoberta uma fraude na contratação de adolescentes como aprendizes. “Havia contratos de estágio sendo usados para justificar jornadas de oito horas por apenas R$ 500, o que, na prática, era trabalho regular, sem os direitos assegurados”, explicou Germiniani.

Adolescentes de 16 anos estavam sendo colocados para trabalhar como operadores de caixa em supermercados, pizzarias e até mesmo em atividades insalubres, como manuseio de fumo, sem vínculo com entidades formadoras, exigência obrigatória no regime de aprendizagem.

Encaminhamentos

Quando uma criança ou adolescente é identificado em situação de risco, a primeira medida adotada é a tentativa de manutenção com a família extensa (avós, tios, irmãos maiores), conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na impossibilidade, o acolhimento institucional é acionado como último recurso, podendo ocorrer em abrigos ou por meio do programa de Família Acolhedora.

A rede municipal garante atendimento integral com suporte psicológico, médico e socioassistencial. Casos mais graves são encaminhados ao Ministério Público ou à Polícia Civil, e os responsáveis podem responder judicialmente.

Nos casos reincidentes, a resposta é reforçada: as famílias passam a ser acompanhadas de forma contínua pelo Creas, que articula ações educativas, orientações e políticas de reintegração social.

Desafios

O trabalho de campo dos conselheiros tutelares e técnicos da rede, no entanto, é frequentemente dificultado pela própria resistência dos adolescentes. “Muitos mentem, dão endereços falsos ou até mesmo agridem verbalmente os profissionais. Em algumas abordagens, chegaram a jogar pedras”, relata a presidente do conselho.

A abordagem torna-se ainda mais delicada diante da ausência de uma tipificação criminal clara para o trabalho infantil em situações como a venda nos semáforos, o que impede uma intervenção mais incisiva. “Só conseguimos aplicar penalidades quando há maus-tratos ou exploração por parte dos responsáveis. Ainda assim, é um caminho longo até conseguirmos interromper o ciclo de vulnerabilidade.”

Sorocaba conta com uma rede articulada envolvendo o Conselho Tutelar, a Secretaria da Cidadania (Secid), a Saúde, a Educação, o Ministério Público e o Judiciário.

Comprar um pacote de pipoca de uma criança no farol pode parecer um gesto de solidariedade, mas alimenta um sistema de exploração e perpetua a exclusão. Como reforça Germiniani: “Por trás de muitos desses jovens, há adultos se beneficiando da vulnerabilidade deles. Precisamos parar de romantizar o trabalho infantil e começar a enfrentá-lo como o problema grave que é”. (João Frizo - programa de estágio)

 

 

 

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