Região
Ministério Público Federal entra com ação contra Ibama, Incra e ANM por mineração ilegal em terras quilombolas
Processo judicial questiona atuação de órgãos federais em área quilombola de Votorantim com registro de atividade minerária
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a União, representada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e contra a Agência Nacional de Mineração (ANM), devido à ocorrência de mineração ilegal no quilombo José Joaquim de Camargo, localizado em Votorantim.
A ANM, órgão responsável pela gestão, regularização e fiscalização dos recursos minerais da União, é citada na ação por não cumprir esse papel no quilombo. “A Agência Nacional de Mineração negou expressamente o direito da comunidade quilombola de ser consultada sobre tais atividades”, afirma o MPF.
O Ibama também é citado no processo, já que, segundo o Ministério Público, a exploração mineral continua sendo realizada no território quilombola, sem transparência sobre os impactos sociais e ambientais provocados. “Há completo desrespeito ao protocolo de consulta prévia aplicável”, acrescenta o MPF.
O Incra, responsável pela regularização fundiária de terras quilombolas, é acusado de omissão. De acordo com o MPF, o processo de regularização da comunidade José Joaquim de Camargo já se arrasta há mais de 20 anos, apesar de o território já ter sido reconhecido pela Fundação Cultural Palmares. “Mesmo ciente dos riscos decorrentes da atividade minerária, o Incra apenas orientou os quilombolas a procurar o MPF, ignorando sua obrigação legal de defender a posse das terras e os demais interesses da comunidade”, afirma o órgão.
Questionado pelo Cruzeiro do Sul sobre a situação, o Incra informou em nota que a regularização fundiária se encontra na fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O órgão destacou que o processo possui diversas etapas, inclusive judiciais, o que inviabiliza a previsão de um prazo para a conclusão.
Sobre a mineração ilegal, o Incra informou que solicitou à ANM, em abril deste ano, o indeferimento do requerimento apresentado pela empresa mineradora. No entanto, a ANM respondeu que ainda não há regulamentação específica sobre os procedimentos de pesquisa e exploração mineral em territórios quilombolas, que deveria prever manifestação prévia das comunidades — um direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, segundo o órgão, o indeferimento do pedido não seria possível.
O Cruzeiro procurou a ANM para se manifestar sobre o caso, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Mineração ilegal
A mineração ilegal ocorre quando há exploração de recursos ambientais e naturais em terras quilombolas sem autorização dos órgãos competentes e sem conhecimento ou participação da comunidade afetada. Essa prática gera uma série de consequências negativas, como explica Alifer Camargo, 28 anos, líder e presidente da Associação Quilombola José Joaquim de Camargo.
“A mineração em nosso território causa impactos negativos de diversas ordens: ambientais, sociais, culturais e econômicos. Ameaça a vida, a saúde e a própria organização e sobrevivência do povo quilombola. A maior exploração é de calcário, cimento, argila, pedras preciosas, filito, mármore, areia, turfa, ouro, feldspato, granito, entre outros recursos”, detalha.
Alifer destaca ainda os danos ambientais: “Há desmatamento, derrubada da vegetação nativa [o que afeta a pesca e os recursos naturais], contaminação da água e do solo pelo uso de produtos químicos na mineração [como mercúrio, arsênio, chumbo e outros metais pesados], além da poluição do ar, riscos de rompimento de barragens e destruição de áreas sagradas e históricas da comunidade, como locais de culto, memória e práticas tradicionais”.
Análise pericial
De acordo com o MPF, o Ibama tem 60 dias para apresentar uma análise pericial detalhada sobre os danos socioambientais causados pela mineração, incluindo os impactos no solo, na água, na fauna e no modo de vida da comunidade. O documento deverá subsidiar a reparação integral dos danos e indicar as medidas necessárias à recuperação do território.
Segundo o MPF, “o avanço ilegal da mineração coloca em risco direitos fundamentais da comunidade, ao ameaçar o uso das terras historicamente ocupadas pelos quilombolas e provocar prejuízos ambientais graves, como desmatamento, erosão e contaminação do solo e dos cursos d’água”. A ação civil pública lista uma série de pedidos para reparar os danos constatados.
R$ 2 milhões
O MPF solicita ainda que os réus sejam condenados a indenizar a comunidade em pelo menos R$ 2 milhões, valor a ser destinado a programas ambientais e sociais voltados à proteção e à melhoria da qualidade de vida dos quilombolas. Em caso de descumprimento, está prevista multa diária.
Embora a ação não especifique qual empreendimento está realizando a mineração ilegal, o MPF requer a suspensão de toda e qualquer pesquisa ou exploração mineral no território da comunidade, além de exigir que o Ibama realize uma análise sobre a existência dessas atividades e os prejuízos resultantes.