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Ministério Público Federal entra com ação contra Ibama, Incra e ANM por mineração ilegal em terras quilombolas

Processo judicial questiona atuação de órgãos federais em área quilombola de Votorantim com registro de atividade minerária

15 de Julho de 2025 às 22:24
Thaís Verderamis [email protected]
Comunidade José Joaquim de Camargo tem processo de regularização que se arrasta há mais de 20 anos
Comunidade José Joaquim de Camargo tem processo de regularização que se arrasta há mais de 20 anos (Crédito: CORTESIA)

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a União, representada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e contra a Agência Nacional de Mineração (ANM), devido à ocorrência de mineração ilegal no quilombo José Joaquim de Camargo, localizado em Votorantim.

A ANM, órgão responsável pela gestão, regularização e fiscalização dos recursos minerais da União, é citada na ação por não cumprir esse papel no quilombo. “A Agência Nacional de Mineração negou expressamente o direito da comunidade quilombola de ser consultada sobre tais atividades”, afirma o MPF.

O Ibama também é citado no processo, já que, segundo o Ministério Público, a exploração mineral continua sendo realizada no território quilombola, sem transparência sobre os impactos sociais e ambientais provocados. “Há completo desrespeito ao protocolo de consulta prévia aplicável”, acrescenta o MPF.

O Incra, responsável pela regularização fundiária de terras quilombolas, é acusado de omissão. De acordo com o MPF, o processo de regularização da comunidade José Joaquim de Camargo já se arrasta há mais de 20 anos, apesar de o território já ter sido reconhecido pela Fundação Cultural Palmares. “Mesmo ciente dos riscos decorrentes da atividade minerária, o Incra apenas orientou os quilombolas a procurar o MPF, ignorando sua obrigação legal de defender a posse das terras e os demais interesses da comunidade”, afirma o órgão.

Questionado pelo Cruzeiro do Sul sobre a situação, o Incra informou em nota que a regularização fundiária se encontra na fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). O órgão destacou que o processo possui diversas etapas, inclusive judiciais, o que inviabiliza a previsão de um prazo para a conclusão.

Sobre a mineração ilegal, o Incra informou que solicitou à ANM, em abril deste ano, o indeferimento do requerimento apresentado pela empresa mineradora. No entanto, a ANM respondeu que ainda não há regulamentação específica sobre os procedimentos de pesquisa e exploração mineral em territórios quilombolas, que deveria prever manifestação prévia das comunidades — um direito assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por isso, segundo o órgão, o indeferimento do pedido não seria possível.

O Cruzeiro procurou a ANM para se manifestar sobre o caso, mas até o fechamento desta reportagem não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

Mineração ilegal

A mineração ilegal ocorre quando há exploração de recursos ambientais e naturais em terras quilombolas sem autorização dos órgãos competentes e sem conhecimento ou participação da comunidade afetada. Essa prática gera uma série de consequências negativas, como explica Alifer Camargo, 28 anos, líder e presidente da Associação Quilombola José Joaquim de Camargo.

“A mineração em nosso território causa impactos negativos de diversas ordens: ambientais, sociais, culturais e econômicos. Ameaça a vida, a saúde e a própria organização e sobrevivência do povo quilombola. A maior exploração é de calcário, cimento, argila, pedras preciosas, filito, mármore, areia, turfa, ouro, feldspato, granito, entre outros recursos”, detalha.

Alifer destaca ainda os danos ambientais: “Há desmatamento, derrubada da vegetação nativa [o que afeta a pesca e os recursos naturais], contaminação da água e do solo pelo uso de produtos químicos na mineração [como mercúrio, arsênio, chumbo e outros metais pesados], além da poluição do ar, riscos de rompimento de barragens e destruição de áreas sagradas e históricas da comunidade, como locais de culto, memória e práticas tradicionais”.

Análise pericial

De acordo com o MPF, o Ibama tem 60 dias para apresentar uma análise pericial detalhada sobre os danos socioambientais causados pela mineração, incluindo os impactos no solo, na água, na fauna e no modo de vida da comunidade. O documento deverá subsidiar a reparação integral dos danos e indicar as medidas necessárias à recuperação do território.

Segundo o MPF, “o avanço ilegal da mineração coloca em risco direitos fundamentais da comunidade, ao ameaçar o uso das terras historicamente ocupadas pelos quilombolas e provocar prejuízos ambientais graves, como desmatamento, erosão e contaminação do solo e dos cursos d’água”. A ação civil pública lista uma série de pedidos para reparar os danos constatados.

R$ 2 milhões

O MPF solicita ainda que os réus sejam condenados a indenizar a comunidade em pelo menos R$ 2 milhões, valor a ser destinado a programas ambientais e sociais voltados à proteção e à melhoria da qualidade de vida dos quilombolas. Em caso de descumprimento, está prevista multa diária.

Embora a ação não especifique qual empreendimento está realizando a mineração ilegal, o MPF requer a suspensão de toda e qualquer pesquisa ou exploração mineral no território da comunidade, além de exigir que o Ibama realize uma análise sobre a existência dessas atividades e os prejuízos resultantes.