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MPF processa Votorantim e Incra por abandono de quilombo

Moradores enfrentam exclusão urbana e racismo ambiental; Prefeitura tem 60 dias para apresentar plano de obras

08 de Julho de 2025 às 22:39
Thaís Verderamis [email protected]
Comunidade localizada no bairro Votocel segue negligenciada há anos, aponta ação civil pública
Comunidade localizada no bairro Votocel segue negligenciada há anos, aponta ação civil pública (Crédito: ALIFER CAMARGO / CORTESIA)

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e contra a Prefeitura de Votorantim, devido à falta de infraestrutura urbana adequada no quilombo localizado no bairro Votocel. A comunidade só obteve serviços básicos como água, esgoto e energia elétrica por meio de ações judiciais.

O documento protocolado pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão inclui também a denúncia de racismo ambiental, termo que descreve a discriminação sofrida por comunidades minoritárias em razão da degradação ambiental. Fotos anexadas ao processo mostram, por exemplo, que a rede de águas pluviais instalada pela própria prefeitura deságua diretamente dentro da comunidade, expondo seus moradores a impactos ambientais mais severos que os enfrentados por outros bairros da cidade.

Segundo a ação, enquanto os bairros vizinhos têm infraestrutura completa, o quilombo segue negligenciado há anos. A situação é confirmada por Alifer Camargo, presidente da Associação Quilombola José Joaquim de Camargo. “Em menos de cinco metros da comunidade existe toda a infraestrutura implantada no bairro vizinho, menos no quilombo. Nossas crianças enfrentam ruas cheias de buracos e em dias de chuva toda a água desce para a comunidade”, reclama.

Alifer também denuncia o que considera um descaso histórico. “É desumano. É preconceito contra o quilombo e racismo ambiental contra a existência do nosso povo, que vive aqui antes mesmo de a cidade se tornar município. A cidade está no quilombo, e não o quilombo na cidade”, desabafa.

O MPF ressalta na ação que o acesso à infraestrutura urbana é um direito fundamental, diretamente ligado à dignidade humana. A falta de pavimentação, drenagem, calçadas e coleta de lixo compromete a mobilidade, a saúde e o bem-estar dos moradores, ampliando a exclusão social da comunidade.

Incra é acusado de omissão

O MPF também atribui responsabilidade ao Incra, órgão federal responsável pela regularização fundiária de territórios quilombolas. A ação alega que, há pelo menos 18 anos, o órgão realiza estudos antropológicos na área, mas não adotou providências efetivas para garantir condições mínimas de vida à população.

O Incra, segundo o processo, deve acompanhar o cumprimento das ações determinadas, intermediar a comunicação entre os entes públicos e aplicar multa diária em caso de descumprimento.

Procurado pelo Cruzeiro do Sul, o órgão respondeu por meio de nota que a Superintendência do Incra em São Paulo está em fase de elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade.

Tem 60 dias

A ação civil pública determina que a Prefeitura de Votorantim tem prazo de 60 dias para apresentar um plano detalhado de instalação de infraestrutura urbana no Quilombo José Joaquim de Camargo. O projeto deve incluir: nivelamento das vias, pavimentação e calçamento com arborização nativa, construção de galerias de águas pluviais, implantação de sinalização e sistema de coleta de lixo, projeto arquitetônico de engenharia e previsão orçamentária.

A prefeitura foi procurada para se manifestar sobre o processo e informar sobre o plano de obras, mas não respondeu até o fechamento desta edição.

Comunidade luta por direitos há anos

A Comunidade Quilombola José Joaquim de Camargo luta por direitos há anos. A energia elétrica, por exemplo, foi implantada pela CPFL há menos de cinco meses, após uma decisão da Justiça Federal. O Cruzeiro do Sul, inclusive, noticiou o caso.

Uma reportagem publicada em 8 de fevereiro deste ano mostra que a Procuradoria da República havia enviado um ofício à Prefeitura de Votorantim sobre o não cumprimento da decisão judicial para a implantação de energia elétrica na comunidade quilombola. O prazo havia vencido em 31 de janeiro.

Conforme Alifer Camargo, um dos líderes da comunidade, a CPFL cumpriu com a medida e instalou os postes e a energia elétrica nas vias públicas. No entanto, antes disso, a prefeitura deveria ter executado serviços de infraestrutura no local — como limpeza da área e pavimentação de calçadas —, o que não aconteceu.

Em fevereiro, ocasião em que a reportagem foi publicada, Alifer destacou que equipes da prefeitura estiveram no local apenas uma vez. Naquele momento, os trabalhos não foram realizados e nenhum projeto apresentado para as obras. Dessa forma, os postes foram instalados sem os devidos reparos pela prefeitura. (Da Redação)