Empatia há 90 anos
Alcoólicos Anônimos em Sorocaba e região sofrem com procura baixa
Com apenas 50 membros, dificuldade para enfrentar a doença e estigmas sociais dominam o cenário social da organização

Os Alcoólicos Anônimos completam 90 anos de existência em 2025. Fundada nos Estados Unidos, em 10 de junho de 1935, por dois alcoólatras na cidade de Akron, Ohio, a organização se tornou uma potência social, presente em 188 países, com mais de 120 mil grupos espalhados pelo mundo.
Presente no Brasil desde 1947, hoje há cinco mil grupos distribuídos pelos municípios, com uma média de 11 mil reuniões semanais. No entanto, os números de Sorocaba preocupam Messias (identidade completa, idade e profissão são mantidas em sigilo por motivos profissionais), o presidente do A.A. local .
“Em Sorocaba, Votorantim e Alumínio, que formam nosso distrito, podemos afirmar que temos em torno de 50 membros ativos. Em nossa região, temos sete grupos, e a média de participantes tem sido muito baixa, em torno de seis membros por reunião”, conta Messias.
Conforme ele, antes da pandemia de Covid-19, a média era o dobro, cerca de 12 membros por encontro. Já quanto ao perfil de quem procura ajuda, o presidente da A.A. local revela um aumento no número de jovens. “Temos de tudo e, atualmente, pessoas mais jovens têm nos procurado. Essa diversidade se deve à própria abrangência da doença, que acomete pessoas de qualquer nível social, cultural, etnia ou crença”, explica.
Messias acrescenta que, de maneira geral, a organização é procurada, normalmente, por pessoas que estão arrasadas, que se deixaram levar pela doença, que é física, mental, espiritual, progressiva e sem cura. “A única maneira é deter o alcoolismo é não ingerindo o primeiro gole e mantendo-se sóbrio”, ensina.
O único requisito para ser membro dos Alcoólicos Anônimos é o desejo de parar de beber. Os dois americanos fundadores do A.A. sistematizaram os problemas com ajuda de pastores e padres e, junto com um médico, reuniram as informações em um livro - um best-seller com 35 milhões de exemplares vendidos, traduzido em 12 idiomas.
“A data de 10/06/1935 foi a última embriaguez do Dr. Bob [cofundador do A.A.], e assim foi adotada como marco histórico da irmandade. Para Sorocaba e para o mundo todo, é motivo de orgulho e satisfação, tanto para os membros quanto para a sociedade como um todo, pois são 90 anos salvando vidas, embora sempre fique a sensação de que muito mais poderia ser feito. Nosso propósito é persistir em levar a mensagem a esse alcoólico que ainda sofre, simplesmente por não se reconhecer como tal”, diz Messias.
Efeitos da pandemia
O presidente do A.A. Sorocaba ressalta que a Covid-19 provocou uma mudança nas relações dos alcoólatras. “Um dos motivos para a redução da participação nas reuniões presenciais foi o fim da pandemia. Mas, por outro lado, ela trouxe um aspecto positivo: a maior difusão das reuniões a distância, que foi muito utilizada por toda a sociedade. O A.A. não poderia ficar de fora: aderimos a essa maravilha que encurtou distâncias. Houve, sim, um deslocamento do presencial para o on-line e isso é ótimo. Milhares de pessoas estão se mantendo sóbrias com esse recurso, pois ele foi capaz de alcançar pessoas que estavam isoladas.”
Messias complementa: “Em muitos lugares não havia — e ainda não há — grupos presenciais. Essas pessoas se utilizaram da tecnologia e hoje são membros ativos do A.A., inclusive mulheres, que têm mais dificuldade de procurar um grupo presencial”.
O alcoolismo ainda é cercado de estigmas e é difícil tocar no tema, reconhece o presidente do A.A. Sorocaba. “De fato, esse é um grande problema. Nós não entramos em controvérsias, não apoiamos nem combatemos quaisquer causas. Ou seja, não queremos consertar o mundo. Nosso propósito é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade. Porém, reconhecemos a existência do preconceito, pois, de um lado, a sociedade incentiva o consumo do álcool e, de outro, estigmatiza a pessoa que passou a ter problemas com a bebida”, analisa.
Destruidor de lares
“O alcoolismo destrói os laços familiares. Costumamos dizer que os membros da família também adoecem, mesmo não bebendo, pois o ambiente se torna insuportável. A pessoa que bebe pode desenvolver atitudes violentas, causando uma série de problemas, que vemos diariamente nos noticiários”, observa Messias.
Ele aponta ainda que há grupos específicos para esses familiares, como o Al-Anon (Associação de Homens e Mulheres Familiares e Amigos de Alcoólicos), que tenta resolver essas questões. Em Sorocaba, há dois grupos.
É doença
Na saúde pública, o alcoolismo é reconhecido como uma condição que pode causar sérios prejuízos físicos, mentais e sociais — uma forma de adoecimento que precisa ser acompanhada com cuidado. É o que explica o psicólogo Tom Rodrigues, 33 anos, que atua em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Caps AD) em Sorocaba. “Na psicologia, especialmente numa escuta clínica mais profunda, entendemos que o uso problemático do álcool também pode ser uma forma de lidar com dores, conflitos e vazios. Em vez de ver só como ‘falta de força de vontade’ ou ‘vício’, é importante compreender o contexto, a história e o sofrimento daquela pessoa. Quem vive isso já enfrenta muitas críticas. O que mais precisa é de escuta, cuidado e possibilidades de reconstrução.”
Tom explica ainda que o consumo de álcool em contextos sociais é bastante comum, mas que, muitas vezes, o que se chama de “exagero aceitável” pode esconder situações preocupantes. “Beber até passar mal, esquecer tudo ou se colocar em risco não deveria ser normalizado. É claro que cada pessoa tem seus limites, mas quando o álcool passa a ser uma muleta constante para suportar emoções difíceis ou se torna o centro das relações, é hora de prestar atenção. Sempre que a relação com o álcool estiver causando sofrimento — seja físico, emocional ou nas relações com os outros — vale procurar ajuda. Não é preciso esperar chegar ao fundo do poço.”
Ainda conforme o psicólogo, parar ou reduzir o consumo de álcool pode gerar um certo estranhamento nos grupos sociais — afinal, o álcool está presente em muitos rituais e modos de convivência. Quem decide mudar essa relação, às vezes, se sente deslocado, como se não coubesse mais no grupo. Por isso, é importante conversar com os amigos, buscar apoio em quem respeita suas escolhas e, sempre que possível, propor outras formas de encontro.
Tom acrescenta que também é urgente que os bares e espaços de lazer ampliem suas opções. “Escolher não beber não deveria ser um desafio logístico nem um constrangimento social. O cuidado com a saúde precisa ser coletivo também”, conclui.
AA: GRUPOS E REUNIÕES
(15) 98180-9990 - telefone/WhatsApp
Grupo Central Sorocabano
Rua Coronel Cavalheiros, 303, Centro
* segunda, quarta, sexta, sábado e domingo, sempre às 19h30
Grupo Além Linha
Rua Olegário Ribeiro,40, Vila Fiori
* terça-feira e quinta-feira, às 20h
Grupo Bom Jesus
Avenida Nogueira Padilha, 583, Vila Hortência
* quarta-feira, às 19h30
Grupo Central Parque
Rua Luiz Fernando de Carvalho, 401, Central Parque
* terça-feira e sexta-feira, às 20h
Grupo Vivência
Avenida Afonso Vergueiro, 1238, Centro
* todos os dias (segunda a sexta-feira, às 20h), sábado, às 16h30, e domingo, às 9h
Grupo Votorantim (único na cidade)
Rua Dr. Alfredo Maia, 25, Barra Funda
* terça-feira, quinta-feira, às 19h30, e domingo, às 9h
Grupo Alumínio
Rua Eduardo Grillo, 63, Pedágio
Alcoolismo compromete os
laços sociais, corpo e mente
Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE, aponta que cerca de 18% da população apresentam um padrão de consumo de risco de álcool. O alcoolismo, entretanto, vai muito além do hábito de beber: trata-se de uma doença crônica reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com graves impactos físicos, psicológicos e sociais.
A psiquiatra Caroline Oliveira Romão, professora da UniBH, explica que o alcoolismo se caracteriza pela perda de controle sobre o consumo de bebidas alcoólicas, afetando a vida familiar, social e profissional. Os sinais mais evidentes incluem a necessidade de doses cada vez maiores para sentir os mesmos efeitos, sintomas de abstinência como tremores e irritabilidade, além da incapacidade de parar de beber, mesmo diante de prejuízos.
No corpo, o álcool provoca efeitos devastadores. O fígado, principal órgão responsável por processar a substância, pode desenvolver doenças como esteatose hepática, hepatite e cirrose. O sistema cardiovascular também é afetado, com risco de hipertensão e arritmias. Já no cérebro, o consumo crônico reduz a capacidade cognitiva e pode gerar distúrbios neurológicos. A saúde mental também sofre, com aumento da ansiedade, depressão e impulsividade.
Socialmente, os impactos são profundos: o alcoolismo está relacionado ao aumento da violência doméstica, acidentes de trânsito, queda de produtividade e desestruturação familiar. “Não existe uma quantidade segura de álcool”, alerta a psiquiatra, reforçando que mesmo o consumo moderado pode desencadear uma dependência em pessoas predispostas geneticamente ou emocionalmente vulneráveis.
O tratamento é multiprofissional e está disponível pelo SUS, por meio dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial), inclusive com unidades especializadas em álcool e drogas. Envolve medicação, psicoterapia, apoio de grupos como Alcoólicos Anônimos e, em casos mais graves, internação. A recuperação, segundo Caroline Romão, exige comprometimento contínuo: “Não há cura no sentido convencional, mas é possível viver bem com controle, apoio familiar e mudanças no estilo de vida”.
A psiquiatra destaca que reconhecer o alcoolismo como uma doença é o primeiro passo para enfrentá-lo. A ajuda deve ser buscada o quanto antes, não apenas para preservar a saúde do indivíduo, mas também para proteger e restaurar os vínculos com quem está ao seu redor. (Da Redação)