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Trânsito

O que nossa conduta no trânsito revela

Ausência de empatia entre condutores e a banalização das normas transformam as vias em um espaço de disputa perigosa; muitas mortes e acidentes poderiam ser evitados

11 de Junho de 2025 às 23:08
Da Redação [email protected]
A cultura da pressa e do individualismo tornam o trânsito um ambiente de disputas
A cultura da pressa e do individualismo tornam o trânsito um ambiente de disputas (Crédito: Arquivo JCS)

Em meio a estatísticas alarmantes de acidentes e mortes nas vias urbanas e em rodovias, o debate sobre o comportamento de motoristas, pedestres e ciclistas volta a ganhar força. Campanhas, sinalizações e ações de fiscalização têm sido recorrentes, mas, ainda assim, muitos ignoram regras básicas de convivência no trânsito, como dar seta, respeitar limites de velocidade ou atravessar na faixa.

A imprudência, a desatenção e a pressa estão entre os principais fatores por trás dos acidentes nas cidades, segundo especialistas no assunto e autoridades. A ausência de empatia entre condutores e a banalização das normas transformam as vias em um espaço de disputa perigosa, segundo relatos de quem vivencia o trânsito diariamente. Há quem defenda que, além da punição, é necessário investir de forma contínua em educação e campanhas de conscientização que alcancem desde as escolas até os motoristas mais experientes.

Educação como princípio de cidadania

A educação no trânsito é um desafio que vai além da sinalização e do cumprimento de regras: trata-se de um projeto coletivo de convivência e cidadania. O advogado e professor Marco Aurélio Galduróz Filho, mestre em Cultura e Segurança Jurídica pela Universidad de Girona (Espanha), ressalta que as leis de trânsito, assim como outras normas jurídicas, existem para garantir a pacificação social - ou seja, organizar o convívio entre as pessoas por meio de regras que, quando descumpridas, podem e devem ser punidas pelo Estado.

Ele destaca que a legislação é consequência das demandas sociais e que seu impacto está diretamente ligado à estrutura da sociedade - e não apenas à aplicação da punição. “A lei, ao longo do tempo, consolidou-se como necessária para a pacificação social. Temos normas morais, etiquetas e dogmas religiosos, todos como mecanismos de controle, mas a legislação se destaca por permitir que o Estado aplique sanções executáveis”, explica.

Para Galduróz, a sensação de impunidade ou o hábito de desrespeitar regras não se resolve apenas com leis mais duras, mas com mudanças estruturais que envolvem a desigualdade social e a formação cidadã. Ele aponta que, muitas vezes, as leis demoram a refletir as transformações da sociedade, tornando se defasadas antes mesmo de entrarem em vigor. Por isso, defende que noções básicas de Direito deveriam ser ensinadas desde o ensino fundamental, contribuindo para a formação de cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres.

“Na minha opinião, a sensação de desrespeito - do tipo ‘ah, ele desrespeita, eu também vou desrespeitar’ - não é culpa da legislação em si. Trata-se de um ideal social, marcado por fatores históricos e por desigualdades que geram esse comportamento”, opina.

O especialista em trânsito Renato Campestrini aponta que a formação de bons motoristas começa ainda na infância, com o exemplo dos adultos e com uma educação voltada ao uso respeitoso das vias. Ele lembra que o trânsito não se resume aos veículos motorizados, mas envolve também pedestres, ciclistas e até animais. Por isso, defende que esse tipo de ensino deve ser incluído na rotina escolar. “O principal erro de comportamento é achar que o trânsito é um espaço onde se pode fazer o que quiser, por ser cidadão e pagar impostos. Na verdade, a via pública é um espaço compartilhado, e a ação de um repercute diretamente na vida do outro”, analisa.

Campestrini, que também é advogado, alerta que muitos motoristas agem como se estivessem isolados em seus veículos, protegidos por películas escuras, o que cria uma “bolha” e uma falsa sensação de impunidade. “Isso atrapalha mais do que ajuda na segurança viária e na fluidez do trânsito”, afirma. Para ele, campanhas bem elaboradas ainda têm poder de mudar comportamentos, mas precisam ser constantes, atualizadas e impactantes. “Já utilizei campanhas estrangeiras para conscientizar amigos e familiares sobre o uso do cinto de segurança no banco traseiro”, relata.

Em seguida; a vivência

A radiologista Deise Maria Ligabó, de 58 anos, já trabalhou como motorista de van escolar por seis anos em Sorocaba e Itapeva. Ela relata situações recorrentes de desrespeito com profissionais do transporte coletivo de estudantes.

Segundo Deise, motoristas particulares frequentemente ocupavam as vagas destinadas às vans escolares, mesmo sabendo da importância de acesso rápido e seguro à porta das escolas. Ela defende o respeito mútuo e afirma que, mesmo diante de abusos, sempre manteve a postura para garantir a segurança das crianças. “Precisamos, sim, de mais fiscalização, lombadas, radares, campanhas educativas na TV e nas escolas. Mas os motoristas também precisam se conscientizar da responsabilidade de cada um para um trânsito seguro”, ressalta.

O tenente-coronel Fábio Haro, comandante do 7º Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), reforça que atitudes impulsivas e a ausência de empatia estão por trás de muitos desentendimentos e da falta de educação no trânsito. “Boas práticas evitam acidentes. Muitos problemas surgem por desentendimentos e, na emoção do momento, evoluem para danos ao patrimônio e até lesões”, explica. Ele reconhece que a boa educação no trânsito é difícil de ser implementada, mas defende que as sanções ainda são o mecanismo mais eficaz. “A polícia trabalha com a lógica de proteger os mais vulneráveis, como pedestres e ciclistas”, afirma.

Haro destaca os horários mais críticos do trânsito: início da manhã e final da tarde, quando coincidem as entradas e saídas de escolas e locais de trabalho, respectivamente. Ele também ressalta a importância das campanhas educativas, como a realizada em fevereiro deste ano, com a participação da PM, Polícia Civil, Guarda Civil Municipal, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Mobilidade de Sorocaba e voluntários.

“Ações como o projeto Jovens Brasileiros em Ação (JAB), direcionado a estudantes do ensino fundamental e médio, são essenciais”, diz.

No caso de Sorocaba, o comandante avalia que o ano de 2024 foi especialmente crítico, com aumento de acidentes envolvendo motociclistas, comportamento que ele atribui, em parte, ao período pós pandemia. Para ele, a mudança cultural necessária só virá com educação e fiscalização integradas.

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