Patrimônio Histórico
A história do velho Matadouro de Sorocaba

Uma história de sangue e abate que matou aos poucos uma tradição das cidades brasileiras. Com o assunto do antigo Matadouro Municipal de Sorocaba de volta, devido ao seu estado de abandono — o Ministério Público e a Prefeitura de Sorocaba estão em embates jurídicos sobre a obrigatoriedade de cuidado e destinação do local — muitas pessoas devem se perguntar o que de fato era o lugar e o que se fazia ali.
Construído em 1928, durante quase 50 anos foi o local de abate de bois e suínos para a população e comércio local. Funcionou até 1975, quando foi fechado pelo Ministério da Agricultura por não mais atender às exigências de higiene. Desde então, o prédio em estilo inglês passou por diversas tentativas de reutilização, mas nenhuma obteve êxito.
Segundo o professor Adilson Cezar, presidente do Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS), “cria-nos espanto a simples leitura da ata do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Paisagístico de Sorocaba (CMDPH), onde registra ’ipsis verbis’ (textualmente, a respeito do Matadouro) ... ’sobre o qual atualmente não se sabe qual setor da prefeitura está responsável por sua utilização’. Isso simplesmente é alarmante, o que seria simples descaso, desleixo; problema de controle e organização, não somente com este, mas inúmeros entraves que se verificam na recuperação de precioso patrimônio de nossa gente”, diz o professor.
Um matadouro já aparecia nos registros históricos de Sorocaba quando de sua fundação, por volta de 1654, e ficava às margens do córrego Supiriri, popularmente conhecido na época como rio dos Couros. Não era exatamente um matadouro público, pois quem matava os animais eram os proprietários, mas de qualquer maneira o Poder Público cobrava impostos.
O primeiro matadouro de fato foi instituído na Usina Transformadora da Light (antiga empresa de energia elétrica), na rua Ubaldino do Amaral, ainda em sua época colonial. Em 1848, o segundo matadouro foi criado nos fundos da Estação Paula Souza , às margens do rio Sorocaba. O terceiro matadouro foi criado em 1880, no final da rua Pedro Jacob, na Vila Senger.
O fato desses matadouros estarem em área mais urbana criava situações difíceis para a população. Notícias da imprensa na época contam que um senhor chamado Benedito Correia de Moura passava pela (então rua) São Paulo quando foi atingido por um laço de couro cru, em um golpe desferido por empregados do matadouro da Vila Senger. Outras matérias dizem sobre animais bravos, mau cheiro e “mosquitaiada” pela cidade. Outra notícia, de 1902, informava que a população reclamava da água potável retirada do rio Sorocaba, perto do matadouro da estação, onde se lavavam os intestinos dos gados mortos no matadouro.
500 cabeças de gado
“Na década de 1920, a cidade tinha em torno de 43 mil habitantes. Devido ao grande crescimento e progresso urbano, o Matadouro antigo não era mais suficiente. E um novo foi encomendado ao engenheiro Ruggero Rugieri”, explica Mônica Cianfarani, arquiteta, urbanista, professora e vice-presidente do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio (CMDP).
O Matadouro Municipal foi criado então na gestão do prefeito Campos Vergueiro, em 8 de janeiro de 1928, mas sendo totalmente finalizado pelo prefeito Jorge Moisés Betti, em 9 de fevereiro de 1961 — 33 anos, 1 mês e 1 dia depois. Na ocasião, jornais informaram sobre um churrasco oferecido para “autoridades, imprensa e operários da construção, bem temperado e com chope à vontade”.
Por quase 50 anos, até o período de seu fechamento, o Matadouro abatia cerca de 500 cabeças de gado por semana e 100 porcos.
Em 2 de abril de 1970, os jornais informavam que 500 animais foram mortos no local nos dias que antecederam a Páscoa. Já em 1972, o Matadouro poderia ser fechado pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal - Dipoa, que identificava que o local não atendia os padrões de higiene exigidos. Quando do fechamento, notícias da época mostram que isso abriu espaço para concorrentes.
Valor arquitetônico
A arquiteta Mônica Cianfarani detalha o valor arquitetônico do Matadouro de modo minucioso, pois o local foi tema de seu trabalho final de graduação “Requalificação do Matadouro Municipal”. Segundo ela, o programa adotado foi o de um pequeno matadouro, “consistindo em um bloco único, separado em dois ambientes, os estábulos são colocados à parte, fora do matadouro. O edifício do Matadouro de Sorocaba foi considerado na época de sua construção um marco da revolução da arquitetura industrial da cidade. Ao analisar os tijolos aparentes e as paredes no Matadouro observa-se estrutura de tijolos restantes, cujo assentamento corresponde a uma técnica específica de montagem e assentamento: o aparelho inglês. Possui planta simples, com um salão principal, com trilhos no piso para a locomoção do carro de carnes”, diz ela.
Em 1996, o edifício do Matadouro foi tombado em grau de preservação 2, preservando a sua fachada e volumetria. Em 1999, iniciou-se o processo de restauro da edificação, comandado pelo restaurador Salvador Capuá, empregado da prefeitura. Estas intervenções tinham objetivo de abrigar um centro cultural. “O projeto de restauro não foi concluído, e as obras são paradas no meio do processo, em 2001, por motivos de ajustes financeiros, não sendo retomadas até a presente data”, explica Mônica.
Por um tempo, o Matadouro serviu para vários outros propósitos, como ensaio da Banda Marcial de Sorocaba e a Escola de Formação da Guarda Civil Municipal. A construção está totalmente abandonada e degradada atualmente.