Prédios históricos
Sorocaba entre ruínas e memórias
Patrimônios arquitetônicos resistem entre o charme do passado e os perigos do cotidiano

O centro histórico de Sorocaba é um livro aberto, escrito com tijolos antigos, colunas ornamentadas e janelas de ferro que resistem ao tempo. Em meio ao tráfego intenso, ao comércio moderno e às transformações urbanas, sobrevivem construções que testemunharam mudanças profundas da cidade: de vila tropeira a polo industrial, de reduto ferroviário a centro cultural.
No entanto, parte desse acervo — que deveria ser orgulho coletivo e símbolo de identidade — se encontra em estado de vulnerabilidade. Dois casos emblemáticos chamam atenção: o Mirante Ondina, na rua Cesário Mota, e o antigo Fórum, que já foi Oficina Cultural Grande Otelo. Ambos são tombados, possuem relevância histórica e arquitetônica inquestionável, mas enfrentam abandono, descaracterização e a ameaça constante da perda de sua função social e simbólica.
Mirante Ondina
Localizado em uma das ruas mais tradicionais de Sorocaba, o sobrado do Mirante Ondina foi erguido em 1934 como um gesto de amor do engenheiro químico Alfredo Santarini para sua esposa, Ondina Rolim Santarini. O projeto, assinado pelo arquiteto italiano Pombal Ruggeri, traz uma mescla de influências do neoclassicismo, do neocolonial e do ecletismo que marcava o gosto da elite urbana da época.
O prédio chama atenção por sua imponência: o mirante retangular com vãos em arco real e gradil de ferro coroa a construção, como uma torre de observação do tempo. Suas fachadas ostentam ornatos esculpidos manualmente por artistas chamados “frentistas”, cuja habilidade artesanal transformava argamassa em rostos, flores e brasões.
Tombado desde 1996 pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico (CMDP), o imóvel deveria estar protegido por lei. No entanto, o prédio estaria sendo adaptado para funcionar como estacionamento e galeria comercial — um uso que levanta questionamentos sobre sua compatibilidade com as diretrizes de preservação. A descaracterização da fachada, a remoção de elementos originais ou mesmo a alteração da volumetria da construção violam os princípios básicos de conservação.
Oficina Grande Otelo
A poucos quarteirões dali, na Praça Frei Baraúna, se encontra outro pedaço cultural: o prédio do antigo Fórum de Sorocaba, que já abrigou a Oficina Cultural Grande Otelo. Construído entre 1940 e 1946, o edifício é símbolo do esforço do Estado em se modernizar e dar conta das novas demandas sociais e jurídicas de uma Sorocaba que crescia a olhos vistos, impulsionada pela indústria têxtil e pelo dinamismo ferroviário.
O projeto, de autoria do engenheiro-arquiteto Hernani do Val Penteado — o mesmo que mais tarde projetaria o aeroporto de Congonhas, em São Paulo —, foi encomendado pelo Departamento de Obras Públicas (DOP) durante o regime do Estado Novo. A arquitetura do prédio segue uma estética protomoderna com traços monumentalistas, inspirada nas obras do italiano Marcello Piacentini, que esteve no Brasil na época e influenciou profundamente os projetos públicos da era Vargas.
Durante três décadas, o prédio abrigou o Fórum da Comarca. Ao ser desativado, foi cogitado para diversas funções — sede da Câmara Municipal, Delegacia Regional de Polícia, Biblioteca Pública — até que a mobilização popular resultou em sua destinação cultural. Foi ali que nasceu a Oficina Cultural Grande Otelo, em homenagem ao ator negro que marcou o cinema brasileiro nas chanchadas da década de 1950.
A unidade funcionou até 2014, promovendo oficinas, eventos, exposições e encontros culturais. Contudo, as atividades foram interrompidas em 2014 para uma prometida obra de restauro, que teve início, mas foi paralisada em 2015. Desde então, o prédio está fechado, sem qualquer atividade, acumulando deterioração. Em 2012, foi tombado pelo CMDP e, em 2018, pelo Condephaat, com grau de preservação máximo. Ainda assim, o futuro do edifício permanece indefinido.
Vozes do patrimônio
Segundo o CMDP, ambos os prédios representam “testemunhos fundamentais da transformação urbana e social de Sorocaba” e estão sob acompanhamento. O órgão ressalta que “qualquer intervenção deve respeitar as características formais e simbólicas das edificações” e que fiscalizações estão sendo reforçadas. (João Frizo - programa de estágio)
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