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Patrimônio ameaçado

Casa histórica ao lado de igreja preocupa por rachaduras e abandono

Imóvel, que integra conjunto do Mosteiro de São Bento, tem mais de 200 anos e está tombado

28 de Maio de 2025 às 22:10
Cruzeiro do Sul [email protected]
Igreja de Sant’Ana, no Largo de São Bento, chama a atenção por rachaduras
Igreja de Sant’Ana, no Largo de São Bento, chama a atenção por rachaduras (Crédito: DANIEL GOUVEIA)

Um imóvel discreto, mas de valor inestimável, localizado ao lado da entrada lateral da Igreja de Sant’Ana, no Largo de São Bento, chama a atenção por motivos preocupantes. Com mais de 200 anos, a casa nº 24 exibe rachaduras profundas, paredes danificadas e sinais evidentes de abandono. Ela integra o conjunto arquitetônico do Mosteiro de São Bento, um dos marcos mais antigos e simbólicos de Sorocaba, e está oficialmente tombada tanto pelo Estado quanto pelo Município. Ainda assim, segue esquecida, sem restauro e com a integridade estrutural comprometida.

Risco visível

A situação da casa nº 24 não é nova. O imóvel, que já abrigou uma escola de música e fica exatamente ao lado da entrada lateral da Igreja de Sant’Ana, está fechado há anos. Em 2024, a administração do Mosteiro chegou a anunciar a intenção de alugá-lo, mas o plano não avançou. Hoje, a casa permanece trancada, sem uso e com rachaduras visíveis que preocupam moradores e especialistas.

A parede lateral voltada para a igreja, onde está concentrado o dano mais evidente, apresenta fendas que cortam a alvenaria verticalmente. O grau de comprometimento da estrutura ainda não foi oficialmente divulgado, mas a ausência de obras de contenção, escoramento ou sinalização de risco levanta questionamentos sobre a responsabilidade de preservação e segurança pública.

Raridade arquitetônica

A construção é uma das últimas remanescentes que remetem ao período colonial de Sorocaba, quando a cidade se formava ao redor do mosteiro beneditino. Ainda que não tenha data precisa para sua origem, estimativas apontam que o imóvel possa ter sido erguido no final do século XVIII ou início do XIX.

Para o arquiteto e conselheiro Giovani Gomes, membro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) Núcleo Sorocaba, o valor histórico do imóvel vai além da antiguidade. Ele lembra que Sorocaba perdeu praticamente todos os seus exemplares urbanos coloniais, muitos demolidos nas décadas de 1960 a 1980.

“Essa casa pode ser um dos poucos registros físicos daquele tempo. Em uma cidade que já perdeu tanto, todo edifício com possibilidade de ter origem colonial merece atenção especial e cuidados redobrados”, diz.

Gomes também destaca a perda de elementos arquitetônicos únicos da região, como as chamadas “janelas sorocabanas”, identificadas pela pesquisadora Lucinda Ferreira Prestes. “Hoje, não resta nenhum exemplar visível desse tipo de janela. É uma arquitetura com DNA local que simplesmente desapareceu.”

Proteção legal

Apesar do abandono, o imóvel está oficialmente protegido. A primeira camada de tombamento veio do Estado, em 1982, por meio da Resolução SC-41 do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). A norma tombou o conjunto do Mosteiro de São Bento e a Igreja de Sant’Ana, incluindo várias obras sacras móveis. No entanto, o texto não especificava a casa nº 24 nominalmente.

Somente em 2018, por meio da Resolução SC-116, foi delimitada a área envoltória de proteção, com mapa anexado indicando que a casa fazia parte da ambiência a ser preservada.

Foi apenas em janeiro de 2024 que a situação do imóvel foi reconhecida explicitamente em âmbito municipal, quando a Prefeitura de Sorocaba publicou o Decreto nº 28.912, tombando a casa nº 24 como bem de Grau de Proteção 2 (GP-2), junto a outros dois imóveis do Largo. Já o Mosteiro e a Igreja de Sant’Ana foram classificados como Grau de Proteção 1 (GP-1), a categoria máxima.

O que significa o tombamento em GP-2?

O grau de proteção 2 (GP-2) determina que o bem deve manter sua volumetria, fachadas, características arquitetônicas externas e materiais originais. Internamente, o imóvel pode ser adaptado a novos usos, desde que respeitando os parâmetros aprovados pelos órgãos de preservação.

Com o decreto municipal, o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio (CMDP) passou a ter competência direta para analisar projetos, fiscalizar o uso do imóvel e cobrar ações de preservação. Até então, toda análise passava exclusivamente pelo Condephaat.

CMDP promete fiscalização

Procurado pela reportagem, o presidente do CMDP, André Mascarenhas, informou que o Conselho acompanha a situação da casa nº 24 e está em diálogo com a administração do Mosteiro. Segundo ele, os projetos de restauro estão em elaboração.

“A reunião ordinária do Conselho de Patrimônio do mês de março foi realizada no Mosteiro de São Bento, com visita guiada ao prédio principal e suas adjacências, indicando o que já foi realizado de restauro e o que ainda deve ser feito. Tudo será acompanhado e fiscalizado pela atual gestão do conselho”, afirmou.

A declaração sinaliza um avanço institucional importante, mas sem prazos definidos ou medidas emergenciais divulgadas.

Mosteiro não respondeu

A reportagem entrou em contato com a administração do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, para questionar o estado do imóvel, se há laudos técnicos recentes e quando os projetos de restauro serão protocolados junto ao CMDP. Até o fechamento desta edição, não houve resposta oficial.

Sorocaba ainda convive com imóveis trancados, deteriorados e fora do radar da população. A casa nº 24, mesmo tombada, permanece com suas rachaduras abertas, físicas e simbólicas. (João Frizo - programa de estágio)

Linha do tempo do tombamento da casa nº 24

1982 - Tombamento estadual do conjunto pelo Condephaat (Resolução SC-41).
2018 - Resolução SC-116 define área envoltória, incluindo graficamente a casa nº 24.
2024 - Decreto Municipal nº 28.912 cita nominalmente a casa nº 24 como bem tombado (GP-2).
Março de 2025 - Reunião do CMDP ocorre no Mosteiro com visita técnica à estrutura.

 

 

 

 

 

 

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