Orçamento
Planejamento financeiro é essencial para equilibrar contas
No Brasil, 20% dizem que a maior parte do salário vai para quitar dívidas; especialista dá dicas de como se organizar financeiramente

O que fazer com a maior parte do dinheiro que cai na conta bancária? Para 20,8% dos brasileiros ouvidos nos últimos meses, a resposta é pagar dívidas.
O número faz parte da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgada em fevereiro.
Em contrapartida, o levantamento também apontou que pelo segundo mês consecutivo o percentual de famílias endividadas caiu no País, demonstrando que houve um esforço nas casas brasileiras para equilibrar as finanças.
A consciência é fundamental, não apenas para sair de uma situação de aperto momentânea, ou mais longeva, como também passar a ter um planejamento financeiro.
“O planejamento financeiro não é apenas uma ferramenta para evitar dívidas, mas sim uma estratégia para construir uma vida financeira saudável e sustentável, com controle das finanças que, no fim, ajudam a estabelecer metas financeiras realistas e alcançáveis”, reflete o administrador e matemático, Pedro Gimenes.
Na teoria parece fácil, mas na prática a relação ganho x gasto se torna bem mais complicada. Para o profissional, que também atua como gestor da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA) — mantenedora do jornal Cruzeiro do Sul e Colégio Politécnico —, o ponto de partida é a criação de um orçamento mensal para controlar receitas e despesas, assim como o estabelecimento de metas realistas e alcançáveis e a separação do que são contas fixas e variáveis.
Além disso, o planejamento financeiro de uma pessoa ou família tende a envolver questões de poupança e investimentos, redução de despesas, consumo consciente, participação de todos que moram na residência, uso de aplicativos para controle e jogo de cintura em períodos de crise.
Para a definição de uma meta, segundo Gimenes, é preciso que ela seja alcançável, ou seja, “não adianta falar que vai poupar um milhão de reais se não tem como. Tem de ser algo factível, que seja possível de fazer”. Outro ponto é entender o que é despesa fixa e variável. Na primeira, encaixa todas as contas que, inevitavelmente, vêm todos os meses, como aluguel, luz, telefone. Já aquela que não é considerada obrigatória e pode acontecer uma vez ou outra, é classificada como variável.
“O que a gente tem de se preocupar bastante é em controlar essas variáveis, mas as fixas também merecem atenção, principalmente com aquelas que, começam com variável e depois se tornam fixas, como assinaturas de tv, streaming, etc”, explica. Gimenes ainda complementa: “Se eu crio também essas despesas fixas, eu tenho de ter em mente que eu tenho de ter liquidez para pagar hoje, o mês que vem, o outro também e aí vai.”
Poupança e investimentos
Em meio às definições dos custos, a separação do dinheiro para o fundo de emergência também se faz necessária. Isso porque, em emergências, a situação pode ser sentida de maneira menos impactante. Conforme Gimenes, o fundo de reserva é a saída para momentos mais críticos.
“O ideal é que o fundo tenha três vezes o salário. Por exemplo, se a pessoa ganha mil, seria bom ter 3 mil no fundo, porque, se perder o emprego, em três meses é um período ok para retornar ao mercado”, comenta. “Se não houver nada guardado, se algo acontecer, o desespero pode bater e aí entra em dívida em banco ou fica inadimplente. E são duas coisas ruins”, acrescenta.
Em relação ao valor a ser depositado, não há um mínimo ou máximo, mas é primordial que se guarde, mesmo que uma quantia pequena, mensalmente para formar uma reserva ao longo do tempo. “Meu pai sempre dizia que o importante não é o quanto a gente ganha, mas sim como a gente gasta e guarda. E ele tem razão. R$ 50 por mês, que não é um número muito absurdo para a maioria das pessoas, já pode ser um bom começo”, diz. “Aí, em um ano, você tem R$ 600, quer dizer, num curto espaço de tempo, né? Em 2 anos você já tem um salário seu. Se ganha R$ 1.000, guarda R$ 50, depois já tem um pouco mais, então em 3 anos você tem ali a sua reservinha, então isso é importante”, explica.
Mas onde guardar? De acordo com o administrador, a medida mais comum é a poupança, contudo ela não é a melhor opção quanto a retorno, visto que oferece rendimentos baixos, especialmente em comparação com as taxas de juros de financiamentos. “Para quem quer começar a guardar, está tudo bem, é uma maneira eficiente”, opina. Já para quem quer se “arriscar” um pouco mais e ter um retorno melhor, os investimentos no Tesouro Direto e Certificado de Depósito Bancário (CDB) são as melhores opções.
Outro ponto que se deve levar em conta dentro da esfera da poupança é a análise de uma determinada compra se deve ser parcelada com juros ou usar o valor poupado para conseguir até um desconto no bem adquirido. “Se tem o dinheiro para pagar à vista, usa, e depois você guarda o novo. Se você ia gastar R$ 100 de parcela, põe na poupança todo mês de novo e aí vai refazendo ela”, observa o gestor da FUA.
Consumo consciente reduz despesas
Para conseguir poupar, a cabeça precisa mudar e nela entra o consumo consciente e mudanças de hábitos. Entre as estratégias está a economia nas contas de luz, água e supermercado. “Quando sair de um cômodo, apaga a luz, tirar alguns aparelhos e eletrodomésticos da tomada quando não se usa, diminuir tempo de banho. Tudo isso ajuda. Todos os desperdícios que a gente conseguir evitar, vai contribuir positivamente”, orienta Gimenes.
O administrador também cita que, muitas vezes, na hora do supermercado, a troca de marcas famosas por genéricas em alguns produtos e o uso de cupons pode ajudar. O brasileiro é movido por promoções, mas, nem sempre a aproveita. “Nos Estados Unidos isso é muito forte e o pessoal se mobiliza de verdade. Aqui muitos não se atentam nisso e é uma pena”, acrescenta.
Além disso, para um consumo consciente eficiente é muito importante avaliar o que é necessidade e o que é desejo antes de comprar. Nesse ponto, a compra por impulso acaba tomando a frente. “Se conversar com 10 pessoas que já foram na 25 (de março, centro de comércio popular em São Paulo), todas voltaram com alguma coisa que nunca usou na vida ou usou só uma vez e descartou. Outro exemplo é uma TV. Estava R$ 3 mil e agora custa R$ 1,5 mil. Ok, o valor é atrativo, mas você precisa da tv? Então essa compra por impulsividade tem de ter mais consciência”, reflete.
O consumo sustentável também está diretamente ligado à questão financeira. Segundo Gimenes, reaproveitar objetos, reciclar e até doá-los pode fazer bem para o orçamento, assim como para a mente e consciência.
Educação financeira
“Passa no crédito e depois a gente resolve”. Essa é uma frase muito comum nas famílias que desejam adquirir qualquer item, mas não dispõe do dinheiro na hora de pagar no débito. Apesar de dar a sensação de que não teve o gasto na hora, a fatura vem depois e aí que é o problema, principalmente se entrar no pagamento parcelado ou rotativo dele. “Aí fica bem difícil porque os juros são muito elevados. Tem gente que usa o cartão de crédito para complementar a renda, mas não é pra isso. O cartão de crédito é para socorrer em uma emergência ou para antecipar alguma coisa”, diz o administrador e matemático.
Saber para que serve cada método é um bom passo para a educação financeira, que deve envolver toda a família. “Não adianta nada eu ter toda a consciência, fazer o planejamento e minha família não”, opina o profissional. Para tanto, é necessário ensinar e ser sincero quanto ao objetivo. “Quando você conta isso fica um pouco mais fácil, porque daí as pessoas entendem, falam, ‘pô, legal, estamos economizando para a gente viajar no final do ano, né?’, não fica um só puxando, porque a economia é vetor. Se os vetores forem para o mesmo lado, você soma.”
Como fazer?
O velho caderninho de anotações de despesa não precisa ser descartado para quem prefere. Contudo, a tecnologia trouxe facilitadores e ferramentas que agilizam o controle financeiro. Entre elas o GuiaBolso, Mobills e planilhas do Excel. “Essa planilha tem de ser dividida em todos os gastos ali: variáveis, fixos, quanto eu posso gastar e quero guardar”, explica Gimenes.
Segundo o profissional, é recomendável que se faça uma análise das despesas mensais para identificar quais são as mais impactantes. Isso pode ser feito utilizando a curva ABC, na qual se separa o que consome mais recursos financeiros. Assim, é possível focar em economizar nas despesas que realmente fazem diferença no orçamento.
A planilha também pode ser utilizada para planejar gastos futuros, como viagens ou compras de bens. Pedro sugere que se provisione valores mensalmente para que, ao final de um período, seja possível realizar essas compras sem precisar recorrer a financiamentos.
Por fim, Pedro Gimenes cita que é importante que a planilha reflita não apenas os gastos, mas também as metas financeiras. Isso ajuda a manter o foco e a motivação para economizar e investir.
Atenção no período de crise
Com uma economia passível de mudar a qualquer momento o poder de compra da população, em tempos de crise, as dicas do matemático e administrador da FUA, são: priorizar as despesas essenciais, renegociar dívidas para reduzir juros e facilitar o pagamento e buscar alternativas de renda extra, como vendas de produtos ou prestação de serviços. (Thaís Marcolino)
Galeria
Confira a galeria de fotos