Chuvas
Mudanças climáticas causam efeitos locais
Engenheiro ambiental e especialista em drenagem urbana avalia que há chuvas mais intensas

O verão, época do ano em que geralmente ocorre chuvas mais intensas na região, começa em 21 de dezembro. No entanto, neste ano, as precipitações mais intensas se adiantaram e já houve alagamentos em Sorocaba. Foram três registros somente em novembro.
O prédio da Guarda Mirim de Sorocaba, no Jardim Pelegrino, foi inundado no dia 8 de novembro. Em reportagem publicada no Cruzeiro do Sul na ocasião, o vice-presidente da Guarda Mirim, Júlio César de Oliveira Leme, destacou as mudanças que observou sobre a intensidade da chuva e dos alagamentos nos últimos anos. “Sempre existiu uma sazonalidade, só que antes acontecia (enchente) a cada cinco ou dez anos, e a água chegava, no máximo, a 80 centímetros ou 1 metro (de altura). Com o passar do tempo, a frequência e a intensidade têm se acentuado. Nos últimos anos, ocorreram duas, três, quatro vezes no ano.”
Na mesma ocasião, o morador do Jardim Faculdade, Fernando Vieira, que teve a casa alagada, declarou: “Isso está acontecendo no mundo inteiro. Sempre aconteceu, só que agora está acontecendo com mais frequência e com mais intensidade. A mudança climática está prejudicando o mundo inteiro.”
Os efeitos da crise climática, assim como mencionou o morador, afetam o mundo e em Sorocaba não é diferente. Janeiro de 2024, por exemplo, foi considerado o mais chuvoso dos últimos dez anos no município. Em apenas 29 dias, o acumulado na cidade chegou a 467 milímetros (mm), 26% acima da média histórica de 368,53 mm para o período. Altas temperaturas, com alertas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) sobre a baixa umidade relativa do ar, também foram registradas na região.
O professor de engenharia ambiental da Universidade Estadual Paulista (Unesp) - câmpus de Sorocaba, William Dantas Vichete, e especialista em drenagem urbana, explicou que a ocorrência de chuvas a partir de outubro e novembro não são uma grande novidade para Sorocaba, pois o chamado ano hidrológico iniciou-se em outubro na região. Assim, as chuvas começam mais fracas e vão aumentando até chegar em janeiro e fevereiro, período que ocorrem chuvas mais volumosas. No entanto, a partir de agora, esses eventos podem passar a ser mais intensos antes do período previsto.
“Nós temos variações no nosso calendário hidrológico que tudo bem sair de janeiro, antecipar para outubro, para novembro, não é o comum que aconteça, mas também não é extremamente fora do que pode acontecer. Acredito que o grande ponto é quando a gente começa a ter chuvas mais intensas do que o esperado”, destacou.
Para estudar o tema, ao lado de duas alunas de engenharia ambiental, Carol Lopes e Helena Nascimento, com colaboração da professora Luiza Cantão, o professor realizou uma análise de chuvas extremas. Segundo Vichete, foi identificado que a temperatura na região tem uma tendência de aumento constante. Ao analisar dados do passado, verificou também que Sorocaba não enfrentaria chuvas tão intensas como as de janeiro.
“Normalmente, a gente olha para o passado e fala, ‘aqui não tem uma tendência de chuvas extremas’, mas, de repente acontece. Isso mostra que a mudança climática no âmbito global tem efeitos pontuais locais e que, às vezes, a gente não está se preparando para esses eventos de forma adequada. O que ocorreu agora, em outubro e novembro, ok, está dentro. Talvez a magnitude do evento não era para ser agora, não é o comum ser agora, mas o que a mudança climática nos diz é que as coisas não vão ser mais como no passado; elas vão acontecer de forma diferente. Então, não adianta olhar para o passado e falar que não vai ocorrer, pode ser uma falsa sensação de segurança”, avalia Vichete.
Ainda conforme o especialista, o mesmo pode acontecer no sentido oposto, relacionado aos períodos secos, com mais estiagem e desabastecimento de água nas cidades. “Toda a parte de engenharia, de administração pública, legislação, tudo é construído olhando para o que aconteceu no passado. Precisamos mudar um pouco isso”, destaca.
Enchentes
Conforme pontua o professor, o problema de enchentes ocorre em todo o Brasil, principalmente em cidades com crescimento rápido, pois muitas vezes não acontece a organização do espaço urbano — situação ocorrida em São Paulo nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Dessa forma, com a expansão, aumentam também os problemas sociais. “Vai atrair pessoas para trabalhar, para fazer outras coisas dentro da cidade, mas, às vezes, elas não vão ter as condições para se fixar em um local mais seguro.”
Com isso, a população se instala em várzeas, ambiente esse natural do rio. Com a construção de ruas e residências nas proximidades dos mananciais, a consequência é a “invasão” da água nessas áreas. “Nosso modelo de urbanização não integrou. E não é só o rio, é o rio e as suas margens e as suas laterais, que são chamadas de zona ripária, de várzea. A gente ocupou essas áreas. E essas áreas, o rio naturalmente vai ocupar. É o espaço dele, só que não é um espaço que ele ocupa todo dia. É quando ele precisa. E, às vezes, pode passar dez anos sem ele precisar daquele espaço. Dez anos sem precisar de um espaço com uma pressão imobiliária, com uma cidade pulsante, crescente, é espaço que vai ser suprimido. E aí, quando ele precisar ocupar de novo, ele vai usar.”
Para reduzir os danos às pessoas atingidas, uma série de políticas públicas precisa ser adotada. Uma das ações é realizar um mapeamento de áreas de risco, já monitoradas em Sorocaba. A revisão do Plano Diretor no âmbito da macrodrenagem também é importante. No entanto, conforme afirma o professor, esses instrumentos não resolvem os problemas sozinhos.
“Se pararmos para pensar esses planos estratégicos no âmbito de organização do espaço urbano, eles precisam se conversar. Então, o plano do meio ambiente, o plano da drenagem, o plano de zoneamento, todos esses planos precisam estar integrados. Isso é uma coisa muito difícil de se fazer, mas é uma forma que a gente tem de melhorar”, propõe Vichete.
Participação da sociedade é essencial
nas discussões de meio ambiente
O professor de engenharia ambiental da Unesp, William Dantas Vichete, enfatiza a importância da participação da sociedade nas discussões relacionadas ao meio ambiente. Uma das oportunidades ocorrerá neste sábado (14), na Conferência Municipal do Meio Ambiente, das 8h às 13h, na Universidade de Sorocaba (Uniso). O tema central é “Emergência climática: o desafio da transformação ecológica”.
Serão discutidos cinco eixos temáticos: mitigação, adaptação e preparação para desastres, justiça climática, transformação ecológica e governança e educação ambiental. As inscrições devem ser feitas pelo link https://tinyurl.com/inscricoes-conferencia. As vagas são limitadas.
“A participação da sociedade como um todo é importante porque começa no município. Aqui é onde as coisas vão ser organizadas. A federação tem algumas ações, mas, de fato, quem vai estar no dia a dia dessas questões é o município. Essas propostas vão para o Estado e depois chegam à Conferência Nacional”, diz Vichete.
Galeria
Confira a galeria de fotos