Tristeza
‘Todo dia de manhã, ele vinha me ver’
Mãe de motoboy decapitado em acidente conta como está enfrentando o luto

No dia 17, um domingo, o motoboy Caique Paula Santos Andrade Inacio, 28 anos, quis dormir na casa da mãe com toda a família. Como o pedido não era comum, a técnica em seguro Leila Paula Santos, 60, até estranhou, mas concordou sem qualquer objeção.
Por volta das 9h de segunda-feira (18), ela estava na sala, trabalhando no computador, quando o rapaz se despediu para iniciar mais um dia de entregas. Aquele foi o último contato entre ambos. Naquela manhã, o jovem morreu decapitado após ser atingido por vidros que se soltaram da carroceria de uma picape. O acidente ocorreu na avenida Dom Aguirre, região central.
A mesma sala onde Leila viu o filho com vida pela última vez foi, ontem (25), o cômodo onde ela recebeu o jornal Cruzeiro do Sul para falar da mistura de sentimentos ocasionada pela perda.
Leila afirma que Caique sempre trabalhou como motoboy e, atualmente, prestava serviços para uma transportadora. No dia do acidente, fez café, deixou um dos filhos na escola e voltou para a casa dela, no Além Ponte. Em seguida, recebeu uma boa rota de entregas e aceitou.
Antes de sair, se ofereceu para retornar e levar a mãe ao dentista mais tarde, mas ela disse não ser necessário. Então, ele foi até a sua residência, no Jardim Simus, pegar o mangote (espécie de manga comprida para proteger os braços do sol) para iniciar a jornada de trabalho. Depois, retirou cerca de 50 encomendas do depósito da empresa de logística, mas não conseguiu entregar tudo, pois teve a vida ceifada por volta das 11h.
A mãe foi informada do acidente pelas duas noras, quando ia ao dentista. Abalada, voltou para casa. Sem ainda saber da morte, começou a ligar, desesperada, para todos os hospitais públicos da cidade. No entanto, o jovem ainda não havia dado entrada em nenhum. Passado um tempo, as parentes ligaram para comunicar a morte.
A dor é intensa
Uma semana depois, a dor de Leila parece continuar tão intensa quanto no momento em que ouviu a notícia da tragédia. Para tentar amenizá-la, foca em esquecer aquele dia e em lembrar só das vivências boas ao lado de Caique.
Segundo ela, os dois eram muito conectados. Tinham, sim, desavenças, mas apenas aquelas comuns entre mãe e filho. “Ele estava sempre aqui. Todo dia de manhã, vinha me ver. Todo dia eu tinha uma mensagem dele no meu WhatsApp: ‘Mãe, bom dia, está tudo bem? E a avó, como está?’”, conta. “Não é porque ele morreu, mas o Caique era o anjo que Deus me deu.”
O rapaz, de acordo com Leila, não era um “anjo” só para ela, mas sim para todos à sua volta. Ela o descreve como alegre, atencioso, cordial, educado e responsável, na vida e no trânsito.
Também era um amigo leal, sempre pronto para defender quem amava. “Se ele fosse seu amigo e fizessem alguma coisa para você, ele se revoltava, tomava a dor para ele”, comenta.
Para a mãe, outra característica marcante do motoboy era o altruísmo, com disposição para ajudar qualquer um que precisasse. Inclusive, ele pretendia ajudá-la a pintar a casa dela em breve.
Segundo Leila, o filho carregava esses valores desde criança. “Para você ter uma ideia, eu acho que ele tinha uns 5, 6 anos, e uma senhora morava aqui. Às vezes, o Caique sumia. Eu começava a gritar: ‘Caique, Caique, Caique’... E ele estava lá sentado com ela, conversando, dando atenção”, relembra.
Ainda de acordo com ela, as recordações trazem alívio em alguns dias, mas não funcionam em outros. Mesmo assim, segue com a estratégia. Isso porque, além de ajudá-la a enfrentar o luto, as memórias a reconectam a Caique. Toda vez que faz esse resgate, lembra de quem ele foi e se orgulha. “Eu tive a honra de ser a mãe dele por 28 anos”, conclui. (Vinicius Camargo)
Acidente
Decapitado na avenida Dom Aguirre
O acidente que culminou com a morte do motoboy Caique Paula Santos Andrade Inacio ocorreu por volta das 11h do dia 18 de novembro, na avenida Dom Aguirre, Parque das Águas.
Segundo a Polícia Civil, o condutor de uma picape carregada com vidros tentou fazer uma ultrapassagem irregular. Nesse momento, parte da carga se soltou e caiu sobre a vítima. Ele foi decapitado. O acusado, de 20 anos, fugiu sem prestar socorro, mas foi preso, horas depois, em flagrante pela Polícia Militar.
Ainda de acordo com a polícia, o condutor da picape não tinha Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Ele foi autuado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) na direção de veículo automotor.
No dia 19, o acusado passou por audiência de custódia e foi libertado pela Justiça depois de pagar fiança de R$ 1.200. O caso segue em investigação pelo 1º Distrito Policial (DP) de Sorocaba.
A mãe do motoboy, Leila Paula Santos, discorda da decisão e pretende entrar com recurso contra a soltura. Ela ainda quer ajuizar ação para que a vidraçaria para qual o acusado trabalha pague alguma compensação à família. “O meu filho precisa de justiça e, enquanto eu viver, vai ser para isso”, comenta. “O meu filho não pode virar uma estatística, não é justo.” (V.C.)
Planos interrompidos
Caique pretendia se casar no mês que vem
O motoboy Caique Paula Santos Andrade Inacio tinha um relacionamento de oito anos e pretendia se casar com a companheira em dezembro. Era pai de dois filhos, um bebê de 9 meses e outro de 5 anos. Também cuidava da enteada, de 7. Segundo Leila, o neto mais velho está traumatizado. “Ele não quer vir aqui, não brinca, não quer conversar”, conta.
O rapaz respondia por toda a renda da família. Com a morte dele e sem condições de pagar o aluguel, a mulher foi morar com as crianças na casa do pai. Para ajudá-los, amigos e parentes realizam uma vaquinha on-line — https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajude-viuva-e-os-pequenos-do-motoboy-falecido-no-parque-das-aguas. Um irmão de Caique também está fazendo uma campanha paralela para arrecadar dinheiro.
Além disso, de acordo com Leila, a transportadora para qual ele prestava serviço deve pagar um seguro de vida após a expedição da certidão de óbito. (V.C.)
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