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Sorocaba - 370 anos

São 370 anos de evolução e muitas histórias para contar

Cerca de 720 mil habitantes, a cada dia, se tornam testemunhas oculares da construção de uma das mais importantes cidades do interior paulista

14 de Agosto de 2024 às 23:12
Thaís Marcolino [email protected]
Em pleno desenvolvimento, Sorocaba ainda mantém características interioranas
Em pleno desenvolvimento, Sorocaba ainda mantém características interioranas (Crédito: Fábio Rogério)

Das ruas de terra a quilômetros de asfalto. De casas térreas ao maior prédio do interior paulista. Dos bondes a diversos meios de transportes. Do trabalho no campo para as funções industriais. De um bairro com poucos moradores a um com mais de 50 mil. Desde que Baltazar Fernandes fundou Sorocaba, há 370 anos, muita coisa mudou. Mas foram nas últimas seis décadas que a cidade se transformou de verdade. Para contar sobre essa evolução, nada melhor do que quem sentiu e se transformou em testemunha ocular da passagem do tempo: os moradores.

O dia 15 de agosto é a data em que os mais de 723 mil habitantes — segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo 2022, cantam parabéns para Sorocaba. Mas quem também compartilha as celebrações há 75 anos é a dona Clara Garlica Estreano. “No dia do meu aniversário não preciso convidar ninguém, como é feriado, sempre tem algo pra fazer e a gente aproveita. Fico feliz de comemorar o dia com a cidade em que eu nasci e que tanto amo”, conta a aposentada.

Aos 75 anos, dona Clara, por sua vez, comenta que Sorocaba já tem tudo, "mas pode crescer ainda mais" - Fábio Rogério
Aos 75 anos, dona Clara, por sua vez, comenta que Sorocaba já tem tudo, "mas pode crescer ainda mais" (crédito: Fábio Rogério)

Nascida em casa — naquela época, era comum os bebês virem ao mundo com a ajuda das parteiras —, na Vila Hortência, a dona Clara relembra com saudosismo a infância brincando na rua de terra com as amigas da época de “passa anel”, amarelinha e esconde-esconde. “Era muito bom. A rua era de terra, sentávamo-nos na calçada. Tinha o bonde até Votorantim (antes, a atual cidade, era um distrito de Sorocaba) e tenho saudades sim. Pegava ele e descia na Parada do Alto na casa da minha tia e era uma delícia.”

O bonde elétrico foi o principal meio de transporte por muito tempo até 1959, quando foram extintos. Além dele, naquela época era comum os moradores caminharem a pé, bicicleta ou a cavalo, trens etc. “Eu ia a pé até o ginásio de esportes ou pro Centro. Eu e minhas amigas da época voltávamos caminhando, de vestido e descalças”, relembra dona Clara. “Antes não tinha tantos veículos, carro, ônibus e hoje, meu Deus do céu!”, complementa.

E é verdade! Hoje, quem mora ou visita Sorocaba divide espaço com uma frota de mais de 536 mil veículos, incluindo moto, carro e outros modais particulares. A informação é do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).

Depois que se casou, dona Clara foi morar na Vila Haro. Quando foi para essa região, já tinha acesso a alguns benefícios bem perto, como supermercado e escola. “Tinha algumas coisas sim, mas é verdade, agora tem muito mais. Várias opções de escola, mercados, academia, restaurante, até o cemitério tá aqui do ladinho”, brinca a aposentada, que classifica a oferta de serviços e comércios como um ponto positivo para o progresso: “Foi um desenvolvimento muito bom por aqui.”

“Diversão era olhar vitrine”

No 290º aniversário de Sorocaba, a dona Ana Lucia de Almeida Pelegrini era um bebê de dois meses. Nascida na rua Monsenhor João Soares, na região central, a aposentada, que hoje tem 80 anos, sabe bem como foi a mudança do que antes era conhecido como a “cidade”.

“Não tinha tantos comércios como hoje, e camelôs não existiam. O nosso passeio era sair à noite para ver as vitrines. Elas ficavam acesas e adorávamos”, conta dona Ana. “Além das vitrines, tinham duas lojas com um espelho redondo em cima e a gente ficava olhando, achávamos lindo. Agora não tem mais”, observa a sorocabana.

Dona Ana acompanha o crescimento da cidade e se preocupa com a segurança - Fábio Rogério
Dona Ana acompanha o crescimento da cidade e se preocupa com a segurança (crédito: Fábio Rogério)

Com o tempo, muitos imóveis, sejam residenciais ou comerciais — na região, foram vendidos e abrigam desde então empresas dos mais diversos setores. “Algumas coisas ainda têm a estrutura da época, mas eles (donos dos estabelecimentos) colocam aqueles painéis tampando tudo, então são poucas coisas que me remetem a minha infância e adolescência quando vou ao Centro. A casa em que eu nasci não existe mais. Uma loja que ainda tem é Casas Navas e é a mesma coisa”, complementa dona Ana.

A região central também foi a área em que o executivo e o legislativo sorocabanos ficaram por alguns anos. Por isso, a localidade sempre foi bastante movimentada, mas, ainda sim, menor do que é hoje. Ali ficava o cinema que a população da época frequentava bastante, o Cine Caracante. Outro cinema próximo era o do Cine Eldorado, na avenida Nogueira Padilha. Atualmente, todas as opções cinematográficas estão dentro dos cinco shoppings em funcionamento na cidade.

Apesar de nascer no Centro, a aposentada passou por vários bairros antes de se casar. Aos seis, foi para a avenida General Carneiro e, aos 12, voltou para a região central, mas na rua José Bonifácio. Desde quando se casou, há quase 60 anos, mora na Vila Carvalho.

Naquela época, a zona norte de Sorocaba não era tão desenvolvida como hoje. “Quando falei pro meu pai que compraria aqui ele falou que era o fim do mundo e olha agora, quase no centro já”, comenta a aposentada. “Quando compramos o terreno aqui era praticamente um pasto, onde hoje é a pracinha. Olhava pra direita ou esquerda e só se via terrenão e agora tem tudo isso. Essa é a parte boa do progresso”, acres­centa.

Segundo o IBGE, cerca de 250 mil pessoas moram na zona norte de Sorocaba, fazendo com que ela seja a região mais populosa da cidade, abrigando 200 bairros. “Esses dias precisei de material para construção e rapidinho fui na Itavuvu e comprei. Cresceu demais a zona norte, nos últimos anos ampliou bem pra lá. Quando preciso, vou ao hospital que fica no shopping. Agora é pertinho pra mim”, observa dona Ana.

Crescimento vertical

68 anos separam os marcos dos “arranha-céus” de Sorocaba. Em 1956, com seis andares, o primeiro edifício da cidade foi inaugurado, o Nossa Senhora da Penha, ainda em funcionamento na rua da Penha. Já em outubro de 2023, o Ícone Planeta se tornou o edifício mais alto do interior paulista com 141 metros de altura, no Portal da Colina. Além desses dois símbolos, ao longo dessas quase sete décadas, não há dúvidas de que um dos crescimentos observados por quem é do município, ou não, é o vertical.

Para onde se olha, são centenas de edifícios prontos e tantos outros em construção. Uma parte deles está no Parque Campolim, na zona sul. É nessa região que o casal Sandra e Douglas Cumpian L. Lazar mora desde os anos 1980. Para o aposentado de 79 anos, a vida no bairro é caracterizada por um ambiente de crescimento e desenvolvimento, refletindo as mudanças que ocorreram ao longo dos anos.

“Quando viemos pra cá não tinha absolutamente nada, as avenidas (Antônio Carlos Comitre e Izoraida Marques Peres) tinham a demarcação, mas era tudo terra. Se não me engano fui um dos primeiros moradores do Campolim, inclusive”, relembra Douglas. “Nas últimas duas décadas cresceu muito, tanto dos lados quanto do alto. Aqui há escolas, centros comerciais, opções de lazer e tá pertinho da rodovia, o que facilita bastante quando a gente vai viajar”, acrescenta o sorocabano.

O casal Sandra e Douglas mora desde os anos 1980 no Parque Campolim - Fábio Rogério
O casal Sandra e Douglas mora desde os anos 1980 no Parque Campolim (crédito: Fábio Rogério)

Mas antes de morar na zona sul, Douglas morou no Além Ponte, foi onde nasceu. Depois de se casar, o casal passou um tempo no Central Parque, até que compraram o apartamento no Campolim. O aposentado esclarece que, além das diferenças ao longo dos anos em relação à infraestrutura na cidade, visto que antes as ruas não eram asfaltadas em sua maioria, a porta da sala das casas já era na rua, o que mudou muito foi o comportamento. “Eram tempos simples e felizes. Havia um forte senso de comunidade, com as famílias se reunindo e interagindo. Hoje a gente fala um bom dia na rua e são poucos que respondem ou olham com cara feia.”

Nem tudo são flores

O desenvolvimento trouxe muitas facilidades, é fato, mas com isso, tem aumentado a cada dia é a preocupação com a segurança. “É uma crescente, com a construção de muros e cercas em muitas propriedades, algo que não era comum no passado”, observa o aposentado de 79 anos.

Já a dona Clara, que sempre gostou de andar a pé, sabe que repetir o feito com os netos hoje em dia já não faz tanto sentido. “Sozinha não vou mais e também não à noite. Antes de dormir tem que fechar tudo, bem diferente do que eu cresci vendo”

A preocupação é tanta que a dona Ana, moradora da Vila Carvalho, voltará a morar na região central, em um apartamento, por acreditar que seja mais seguro. “O crescimento da cidade até um certo ponto foi muito bom e necessário, mas pra mim teve uma época que já achei que estava demais. Pra mim poderia ter parado um pouquinho antes”.

Outra característica que se perdeu com o tempo e que, moradores antigos sentem falta, é do rio Sorocaba em condições de lazer, como em décadas passadas. “Eu nadava, pescava, passava o final de semana fazendo piquenique, mas hoje, infelizmente, é impossível”, relembra Douglas.

“Orgulho de ser sorocabano(a)”

Apesar dos pontos negativos, há os positivos que permitem falar que “eu sinto orgulho de ser sorocabano”. Para a dona Ana, de 80 anos, a identidade e raízes na cidade são bem fortes. “Sempre me senti sorocabana, minha família tem fortes e profundas raízes na cidade. Meus tios foram morar em outras cidades e só eu fiquei por aqui, e eu amo. Uma época morei na região, mas voltei pra cá e nunca pensei em sair definitivamente. Adoro morar aqui.”

Já o Douglas, ama tanto a cidade que, quando está na rodovia voltando de alguma viagem e vê a placa sinalizando a proximidade de Sorocaba já fica feliz. “Abro o sorrisão de saber que estou chegando”, comenta. “A gente viaja bastante e se eu vou para algum outro lugar e falam mal daqui, fico bravo. A nossa cidade é muito boa e pode ficar ainda melhor”, complementa o sorocabano.

A dona Clara, por sua vez, também gosta e se sente orgulhosa de ter nascido e feito a vida na cidade. Para ela, Sorocaba já tem tudo, “mas pode crescer ainda mais, aqui é um lugar muito bom”, finaliza a dona de casa de 75 anos.

De olho na história

Em 1654, o capitão Baltazar Fernandes mudou-se para a região com a família para fins escravocratas e fundou um povoado, ao qual deu o nome de Sorocaba que na linguagem tupi-guarani significa “terra rasgada”. Com o passar dos anos, devido à posição estratégica, Sorocaba tornou-se marco obrigatório para os tropeiros, eixo econômico entre o norte, o nordeste e o sul.

Foi então que, com o fluxo de tropeiros, a cidade ganhou uma Feira de Muares, onde brasileiros de todos os estados se reuniam para comprar e vender animais. Novos ciclos de desenvolvimento marcaram a história de Sorocaba, incrementando a partir de 1875, com a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana.

Indústrias têxteis de origem inglesa instalaram-se na cidade e tornaram-na conhecida como a Manchester Paulista. Foi pelos trilhos da velha Sorocabana que chegou o progresso e logo o pequeno vilarejo aumentou de tamanho e multiplicou sua população.

O declínio da indústria têxtil fez com que a cidade buscasse novos caminhos e, a partir da década de 1970, diversificou o seu parque industrial, hoje considerado como referência.

A história de Sorocaba está presente em edifícios seculares, verdadeiras relíquias da arquitetura, como o Mosteiro de São Bento, com suas paredes de taipa; a Igreja Catedral, a Casa da Marquesa de Santos (Museu Histórico Sorocabano), o Casarão de Brigadeiro Tobias, Estação Ferroviária, entre outros.

Segundo o historiador sorocabano, José Rubens Incao, a chegada de indústrias, especialmente durante os anos 60 e 70, atraiu uma grande massa de trabalhadores, incluindo migrantes de outras regiões do Brasil, como paranaenses e nordestinos, que se estabeleceram em novos bairros como a Vila Progresso. “Mas antes já tinha o povoamento de imigrantes espanhóis na Vila Hortência. A partir de 30 com as oficinas que vieram pra cá, como a sorocabana, outros bairros, como a Vila Santana e Carvalho também foram surgindo”, explica.

Para o historiador sorocabano José Rubens Incao a cidade enfrenta alguns desafios - Fábio Rogério
Para o historiador sorocabano José Rubens Incao a cidade enfrenta alguns desafios (crédito: Fábio Rogério)

Ainda de acordo com o especialista, o crescimento dos bairros foi acompanhado por um planejamento urbano que buscava organizar as zonas industriais, comerciais e residenciais, embora nem sempre tenha sido aplicado de forma eficaz.

Desafios

José destaca que, com o crescimento, surgem novos desafios, como o trânsito e a necessidade de planejamento urbano adequado para garantir qualidade de vida aos moradores. Essas observações “mostram uma cidade em constante transformação, que enfrenta tanto oportunidades quanto desafios com o passar dos anos”, opina Incao.

O historiador observa, ainda, que a desigualdade persiste, com bairros que apresentam condições de vida muito diferentes. Enquanto alguns bairros são bem cuidados, outros carecem de infraestrutura básica, como saneamento. Por fim, Incao acredita que, apesar de Sorocaba ter se tornado uma metrópole, mantém características interioranas, refletindo em uma cultura rica e atraente para muitos. 

 

 

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