Tradição
Vai para o Além Linha ou para o Além Ponte?
Antigas denominações ainda confundem a população em uma cidade que não para de crescer
Na memória coletiva dos moradores mais antigos de Sorocaba, as denominações Além Linha e Além Ponte ainda evocam um tempo em que a cidade era menor e suas fronteiras urbanas eram delimitadas por marcos geográficos inconfundíveis: a ferrovia e a ponte Francisco Dell’Osso. Esses termos, apesar de parecerem confusos para os mais novos residentes, carregam consigo uma rica história e um forte senso de identidade.
O termo Além Linha refere-se à região localizada além da linha férrea em relação ao centro da cidade, a partir do Cemitério da Saudade, abrangendo bairros como Vila Carvalho e Vila Santana. Segundo o ex-prefeito da cidade, Paulo Mendes, na época em que a cidade era menor, a linha férrea servia como um divisor claro, separando áreas urbanas desenvolvidas das expansões mais recentes.
“ A Vila Santana em Sorocaba teve seu início na década de 20 no século passado. Há mais de 100 anos portanto. O bairro foi logo ocupado por famílias de ferroviários que trabalhavam na antiga Estrada de Ferro Sorocabana. A ferrovia chegou a ter 4 mil trabalhadores na década de 50”, conta Paulo.
“O bairro cresceu muito na ocasião e logo se expandiu e novos bairros vizinhos foram sendo criados, como o Jardim Santa Rosália (implantado pela Companhia Nacional de Estamparia), Vila Porcel, Vila Progresso, Vila Gabriel entre outros...’’.
“A partir de 1950, a Prefeitura de Sorocaba começou a investir em melhorias para aquela região da cidade com a implantação do calçamento das ruas, redes de água e esgoto, iluminação pública e escolas”, acrescenta Paulo Mendes.
Por outro lado, Além Ponte designa a área situada depois da ponte Francisco Dell’Osso, também em relação ao centro, incluindo bairros como Vila Hortência e Vila Assis. A ponte, assim como a ferrovia, era um marco significativo que indicava os limites da cidade.
O ex-prefeito conta algumas curiosidades do bairro na época em que ele ia se expandindo: “O Além Ponte é, talvez, o bairro mais antigo de Sorocaba. A ocupação teve início em 1890 em torno da chamada rua dos morros (hoje avenida Nogueira Padilha), quando imigrantes espanhóis chegaram a Sorocaba e formaram pequenas chácaras onde cultivavam frutas, legumes e, principalmente, cebolas. Em 1930, o bairro tinha duas referências muito expressivas: o Esporte Clube São Bento com seu estádio e a Igreja Bom Jesus”.
“O crescimento daquela região se deu rapidamente com a implantação de novos loteamentos como Vila Hortência, Vila Haro, Árvore Grande e dezenas de outros bairros que se formaram naquela região da cidade”, completa Paulo Mendes.
Com o crescimento urbano, novas infraestruturas e bairros surgiram, diluindo as divisões claras representadas pela ferrovia e pela ponte. Hoje, a cidade expandiu-se em todas as direções, e os marcos outrora cruciais para a orientação espacial tornaram-se menos relevantes. No entanto, para muitos moradores antigos, as denominações Além Linha e Além Ponte ainda são carregadas de significado e tradição, como relata a contadora e moradora do Além Ponte Marli Antônia Martin da Silva: “Tenho muito orgulho de morar nesse bairro, cresci e evoluí com ele. Meus pais vieram da Espanha, venderam tudo o que tinham por lá e se mudaram. Na Espanha, eles vendiam cebolas, e nada mudou desde que se mudaram para Sorocaba, a tradição foi mantida, era plantação de cebola por todo os cantos do bairro”.
Para os residentes mais velhos, usar os termos Além Linha e Além Ponte é uma maneira de preservar a memória de uma cidade mais simples e conectada a marcos históricos específicos.
No entanto, para os novos moradores e para a geração mais jovem de Sorocaba, esses nomes podem causar confusão. Sem o contexto histórico, Além Linha e Além Ponte são termos que não ajudam a localizar um endereço de forma clara.
“Eu nunca entendi direito esses nomes nos bairros. Quando vim realizar entregas por aqui, fiquei perdido. Me disseram: É entrega no Além Ponte. Não sabia da existência do bairro porque hoje em dia a gente conhece por nomes diferentes, né?”, conta Pablo Romano, motoboy.
Outros moradores, já antigos do bairro, também não têm o costume de usar essas antigas denominações, como é o caso do tapeceiro Jário Brás de Lima: “Moro aqui há 25 anos e sempre conheci aqui como Vila Hortência. Agora, se você me falar Além Ponte, eu me perco todo. Prefiro chamar os bairros como são conhecidos hoje em dia.” (João Frizo - programa de estágio)
Galeria
Confira a galeria de fotos