Perigo escondido
Alerta: sem controle, ‘bets’ podem virar vício
Psicóloga aponta comportamentos que mostram quando aposta on-line deixa de ser divertimento
Com a perspectiva de ganhar dinheiro fácil e rápido, Vinícius (nome fictício) perdeu R$ 2 mil após contar com a sorte e pressionar o botão de uma roleta de aposta. Os jogos de azar on-line — também conhecidos como “bets” —, se tornaram ainda mais populares com a facilidade de jogar na palma da mão, a qualquer hora e momento. Na mesma proporção, existe o perigo da diversão se transformar em um vício.
Vinícius está entre os 22 milhões de pessoas que apostaram ao menos uma vez em 2023, o número equivale a 14% dos brasileiros. Os dados foram levantados pelo Raio-X do Investidor de 2024 e divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A pesquisa ainda traça um perfil da maioria dos apostadores: homens, entre 16 e 27 anos, das classes A/B e com o hábito de investir.
“Quanto maior é a aposta e o risco, maior é o retorno. Eu estava atrás desse retorno grande quando apostei uma grande quantia, em torno de R$ 2 mil, e perdi tudo”, relata Vinicius. “O que me conforta é que esse dinheiro era fruto das apostas que ganhei, consequentemente, não perdi o meu dinheiro.”
Quando vira patologia
Apesar do entretenimento por trás dos jogos de azar, a psicóloga Sônia Padilha, especialista em neurociência e gestão de pessoas, alerta para os riscos do jogo patológico. “Jogar por jogar não caracteriza nenhuma doença, é saudável; mas o jogo com apostas tem se tornado um vício”, aponta. “Inclusive, a Classificação Internacional de Doenças (CID) inclui o vício em jogos de azar como uma patologia”.
A especialista atua em empresas de diversos segmentos e afirma que ao menos 30% dos trabalhadores apostam em jogos online. Neste cenário, alguns comportamentos inadequados são observados, como: o uso do celular fora do horário permitido, solicitação de empréstimo, além da perda de atenção e produtividade.
“O vício está sempre ligado à perda da capacidade de agir coerentemente. Porque se você sabe que não tem dinheiro, como faz? Usar todo o seu cartão de crédito em aposta? É tão viciante que a pessoa não toma decisões racionais”, esclarece Sônia.
Nos casos em que o jogo se torna patológico, a empresa tem a permissão de solicitar o encaminhamento psicológico. A especialista cita que, em alguns níveis mais graves, é necessário a internação. “O nosso cérebro gosta de glutamina, portanto, quando estou fazendo algo que me dá prazer é gostoso. Eu posso ganhar um pouquinho no dia, no outro dia não, e nem perceber que se tornou um vício”, descreve.
Influências digitais
O cenário no mundo das apostas passou por uma transformação com a ascensão da tecnologia. Antigamente, os jogos eram feitos em bares e cassinos no caminho para o trabalho ou para casa, o público era mais adulto. Hoje, com tablets e celular na palma da mão, as plataformas de apostas estão disponíveis 24 horas por dia e as transferências bancárias mais acessíveis.
Sônia Padilha ainda lembra da publicidade feita pelos famosos influencers digitais, que utilizam suas redes sociais para mostrar seus ganhos e incentivar a prática. “Normalmente, essas pessoas mostram uma vida maravilhosa e de muitos ganhos e nós, que estamos do outro lado da tela, acabamos nos iludindo”, expõe.
Além da facilidade e da influência digital, há outros mecanismos que estimulam a aposta. Um exemplo são as propagandas em site e em outros jogos, e até mesmo os bônus oferecidos na própria plataforma de apostas. De acordo com Sônia, “nós somos movidos à recompensa, portanto, sempre existe um incentivo para que você volte a jogar e apostar de novo”.
Prática saudável
Para controlar seus ganhos e gastos, Vinícius conta que coloca limites em suas apostas. “Eu estabeleço o quanto quero ganhar e o quanto estou disposto a perder, basicamente uma gestão de saldos. Depois que alcanço meus objetivos, faço o saque dos resultados e desativo a plataforma por uma semana”, explica.
Contudo, quando o jogo de azar se torna um vício outros cuidados são necessários. Sônia afirma que o primeiro passo é o autoconhecimento. “A pessoa precisa ter consciência de que o hábito está se tornando algo fora da normalidade, não está mais saudável, e procurar ajuda psicológica”, orienta. “Além disso, é importante estarmos atentos às relações, conversar com a família e amigos próximos sobre o assunto. É possível perceber mudanças no comportamento das pessoas, desde permanecer muito tempo no celular até a ausência de dinheiro”.