Zona Sul
Obra de prédio no Jd. Pagliato rende polêmica
Moradores garantem que construção de torres no bairro é proibida pelo Plano Diretor de Sorocaba. Empresa contesta
Um futuro condomínio de apartamentos no Jardim Pagliato, na zona sul de Sorocaba, tem gerado incômodo antes mesmo de ficar pronto. Segundo moradores do bairro, o alvará para a construção do Premium Lituânia, da AG Velasco, foi concedido pela Prefeitura de forma irregular, já que, pelas determinações do Plano Diretor, prédios não podem ser erguidos ali. Para eles, o empreendimento também vai interferir na rotina e causar diversos problemas na região. Os reclamantes criaram um grupo no WhatsApp com mais de 100 membros contrários ao residencial.
De acordo com o aposentado Luis Fernando Fontana Guariglia, de 60 anos, morador do bairro, a empresa entrou com o pedido de alvará junto à Prefeitura em novembro de 2014, quando ainda valia o Plano Diretor de Desenvolvimento Físico Territorial de Sorocaba de 2007 (lei 8181/2007). A autorização foi concedida em dezembro de 2015, na gestão do prefeito Antonio Carlos Pannuzio (então no PSDB), com base no plano de 2007. Houve a renovação do documento autorizatório em 5 de agosto de 2019 e 13 de novembro de 2020, durante o governo de Jaqueline Coutinho (à época, no PSL). Nas duas novas solicitações, a construtora modificou o tamanho da área do empreendimento — na primeira, diminuiu, e, na segunda, aumentou. Depois, informa Guariglia, a empresa iniciou as vendas das unidades em 2022 e as obras começaram em abril de 2024.
Guariglia garante que o regramento urbano — amparado em lei — proíbe a instalação de prédios residenciais no bairro. O condomínio será erguido nas ruas João Wagner Wey, Lituânia e Manoel de Castro Affonso. Essa informação consta no alvará. Conforme o mapa de zoneamento da cidade, as ruas Lituânia e Manoel de Castro Affonso se enquadram na categoria Zona Residencial 1 (ZR1) — destinada à ocupação predominantemente residencial. Já a João Wagner Wey é um Corredor de Comércio e Serviços Tipo 1 (CCS1).
Pelo artigo 79 do Plano Diretor de 2007, somente casas unifamiliares (uma residência por terreno) podem ser construídas em ZR1, enquanto as regras para instalação de empreendimentos em CCS1 são mais flexíveis. Segundo Guariglia, sabendo disso, para solicitar o alvará, a AG Velasco justificou haver um corredor desse tipo na região.
Mas, pelo artigo 25 da lei, nos Corredores de Comércio e Serviços Tipo 1, constituídos por terrenos às margens de vias onde predomina o tráfego interbairros e que atravessam ou margeiam Zonas Residenciais 1, as normas de parcelamento, uso e ocupação do solo devem ser as mesmas das ZR1. Guariglia afirma que o caso em questão se encaixa nessa situação, pois a rua João Wagner Wey corta pelos seus dois lados uma Zona Residencial 1. A empresa comprou 22 lotes, totalizando mais de sete mil metros quadrados de área total. Destes, apenas dois ficariam, de fato, no CCS1, enquanto os outros 20 estariam dentro da ZR1.
Embora o Plano Diretor tenha passado por revisão em dezembro de 2014, essas duas determinações foram mantidas e valem até hoje. Com isso, a proibição continuaria aplicável.
Frustados com a Prefeitura, moradores acionam Justiça
Luis Guariglia informa já ter se reunido, junto com vários outros moradores, com representantes da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan), para apresentar as possíveis irregularidades na autorização para construção do condomínio. Contudo, nada teria adiantado. Inclusive, ele diz ter recebido uma resposta desmotivadora logo no primeiro encontro. “A engenheira virou para nós e falou: ‘Ah, mas esse artigo (25) não é levado em conta quando nós temos um processo assim. (...) Isso é um procedimento padrão’”, afirmou. “Nós temos fundamento na lei, só que, simplesmente, a Seplan fez uma interpretação própria da lei”. A farmacêutica Cristiane Ferreira do Vale, de 49 anos, também estava na reunião e confirma ter sido esse o argumento da profissional.
Sem ajuda da Prefeitura, os moradores entraram, em outubro de 2022, com uma ação na Justiça na qual pedem a revogação do alvará. Desde então, aguardam um parecer. Eles depositam todas as suas expectativas na eficiência da apresentação do documento, com mais de 1.100 páginas. “A esperança dos moradores do Jardim Pagliato é que o Poder Judiciário reverta essa situação”, diz o aposentado Carlos Augusto Marinho Martins, de 61 anos, outro morador.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) intimou os advogados dos moradores a se manifestar, em até 15 dias, contando a partir de 9 de maio, sobre o teor da ação perante a Justiça. O prazo termina hoje (23).
O escritório de advocacia que representa os moradores enfatiza que a Prefeitura concedeu um alvará permitindo a construção de três torres de apartamentos em uma área de ZR1 (Zona Residencial 1), localizada em frente à rua João Wagner Wey, que é um Corredor de Comércio e Serviços (CCS1). Segundo o Plano Diretor, quando uma CCS1 margeia uma área de ZR1, os critérios construtivos aplicáveis devem ser os da ZR1, e não os da CCS1.
O parágrafo 2º do artigo 79 do Plano Diretor estabelece que, na ZR1, é permitida apenas a construção de residências unifamiliares. Além disso, o artigo 9º da Lei Municipal nº 2.042/1979 define que apartamentos são unidades multifamiliares.
“Portanto, a Prefeitura concedeu uma autorização para a construção de apartamentos multifamiliares em uma área onde apenas residências unifamiliares são permitidas. Mesmo após várias solicitações para se manifestar de forma objetiva, a Prefeitura se recusa a comentar sobre a aplicação do artigo 25 do Plano Diretor, como se o terreno ZR1 não margeasse uma CCS1. Este é um erro grave, e espera-se que o Poder Judiciário corrija tal equívoco”, diz a nota do escritório de advocacia.
Os residentes também apresentaram uma denúncia ao Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), mas o órgão a teria arquivado, justificando já haver uma ação judicial em andamento. Em nota, o MP confirmou o arquivamento em razão de os requerentes terem se adiantado e acionado o Poder Judiciário por conta própria. “(...) Portanto, a Promotoria não poderia entrar com outra ação idêntica, o que configuraria litispendência”, explica.
‘Bairro não comporta a construção do prédio’
Imagens do projeto mostram que o conjunto residencial terá três torres, com dez andares cada, totalizando 210 apartamentos, além de um bloco de estacionamento com três andares. De acordo com o advogado Lázaro Valente, de 61 anos, não houve um estudo sobre os impactos ambientais do empreendimento e dos problemas para o bairro. “Para haver esse estudo, nós, moradores, temos que ser consultados, e não fomos”, garante.
Mesmo sem a pesquisa, Valente prevê algumas possíveis adversidades. A primeira trata-se do aumento no número de veículos em circulação no bairro. Outras seriam quedas de energia mais frequentes, algo já comum ali, devido à elevação na demanda pelo serviço, assim como sobrecarga da rede de esgoto. Para ele, até a saúde dos moradores sofreria as consequências, em razão dos diversos tipos de poluição. Os residentes apontam a remoção de árvores nativas dos terrenos do futuro residencial como mais um ponto negativo. “O bairro não comporta a construção do prédio”, disse.
A casa de Valente fica em frente aos lotes, enquanto os imóveis de Luis Guariglia, Cristiane do Vale e Carlos Martins estão situados ao lado. Com isso, conforme Cristiane, ela e seus vizinhos vão conviver com a falta de privacidade e a sombra durante o dia todo em suas residências, por conta da altura dos edifícios. A mulher se preocupa só de imaginar como a sua vida mudará quando os apartamentos forem inaugurados. “Quando nós, os moradores, adquirimos as nossas casas, levamos em conta o fato deste bairro ser residencial unifamiliar. Isso está muito claro tanto no Plano Diretor, quanto no valor do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) que nós pagamos, o qual é de uma zona ZR”, finaliza.
Empresa nega qualquer irregularidade
A AG Velasco informa que o condomínio Premium Lituânia está localizado na rua João Wagner Wey, 975. Ainda segundo a empresa, ele foi aprovado pela Prefeitura sob o alvará de licença de obras 959/20 e obteve, inclusive, registro em cartório, com a matrícula 130.593, em 2022. Por isso, a construtora nega qualquer irregularidade. “O empreendimento segue dentro da legalidade e com a incorporação registrada no Cartório de Registro, completando, assim, todo o ciclo de aprovação nos órgãos competentes, respeitando a lei, assim como os demais empreendimentos já construídos e habitados em igual localização e que seguem as mesmas diretrizes”.
Já a Prefeitura de Sorocaba afirma garantir, por meio de equipes técnicas compostas por engenheiros e arquitetos da Seplan, o cumprimento do Plano Diretor, atendendo a todas as exigências e diretrizes estabelecidas. Segundo o Executivo, a verticalização urbana da cidade é analisada caso a caso, com medidas aprovadas conforme os índices e diretrizes estabelecidos pelo Plano Diretor vigente.
Questionado sobre a concessão do alvará em 2015, o ex-prefeito Antonio Carlos Pannunzio diz que “a Prefeitura tem todo o processo relativo e, se houve erro na concessão do alvará, certamente, o ato poderá ser revisado.”
Jaqueline Coutinho declara que os esclarecimentos devem ser prestados por quem avalia e aprova os alvarás. “A responsabilidade, tanto na época da concessão (...), quanto nas renovações, fica a cargo dos técnicos responsáveis pela análise dos requisitos técnicos e legais e, de forma imediata, do (s) respectivo (s) secretários em cuja pasta tramitou o procedimento de autorização”, frisa, em nota.
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