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Operação Munditia

Contratos suspeitos foram de R$ 21 milhões

Investigação do Gaeco identificou licitações da Prefeitura e Câmara de Sorocaba com duas empresas

17 de Abril de 2024 às 22:44
Cruzeiro do Sul [email protected]
Prefeitura, vereadores e ex-prefeitos se defenderam
Prefeitura, vereadores e ex-prefeitos se defenderam (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (17/4/2024))

A Prefeitura e a Câmara Municipal de Sorocaba pagaram pelo menos mais de R$ 21 milhões por meio de contratos firmados com duas empresas de serviços terceirizados investigadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) no âmbito da Operação Munditia. A ação, deflagrada na terça-feira (16), teve como objetivo desmantelar um esquema de fraudes aplicadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em licitações com prefeituras e câmaras. As investigações continuam.

Segundo informações do Portal da Transparência, a prefeitura firmou ao menos três contratos com a empresa de Wagner Dias Borges, com custo total de ao menos R$ 19.922.555,40. O mais recente, datado de setembro de 2022 e com previsão de término em setembro deste ano, refere-se ao serviço de limpeza hospitalar. Assinado pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos), o contrato tinha o valor inicial de R$ 6.185.739,36. Oito meses depois, em maio de 2023, houve um reajuste de R$ 647.221,59, passando a custar R$ 6.382,960,95.

Outro contrato foi celebrado pela então prefeita Jaqueline Coutinho em 2020, durante a pandemia de Covid-19, para a limpeza do hospital de campanha. De caráter emergencial — isto é, sem licitação —, o acordo custou R$ 199.951,80. Ele teve duas prorrogações no mesmo ano, que somaram R$ 246.607,22. Com isso, o valor total subiu para R$ 446.559,02.

Na gestão de José Crespo, houve mais um contrato, em 2018, também para a higienização de unidades de saúde. Ele foi dividido em dois lotes — um de R$ 8.439.940,80 e outro de R$ 3,803 milhões, totalizando R$ 12.242.940,80.

Já a Câmara Municipal contratou os serviços de limpeza da Safe Java Comercial e Serviços em 2019, quando Fernando Dini (PP) presidia a Casa de Leis, por R$ 620 mil. Posteriormente, o atual presidente, Cláudio Sorocaba (PSD), prorrogou a contratação em 2021 — duas vezes—, em 2022 e 2023. Os aditivos somaram R$ 826.666,60. Assim, o valor pago pelo Legislativo aumentou para R$ 1.446.666,60.

As duas empresas aparentemente são na verdade a mesma, pois Vagner Borges Dias, embora escrito de maneira diferente, é a razão social do Grupo Safe — nome de fantasia. O Grupo Safe consta, inclusive, como nome fantasia em todos os contratos fechados pela prefeitura como a empresa Wagner Dias Borges. Em seu LinkedIn, Vagner Borges Dias se apresenta como diretor-geral do Grupo Safe.

Citados se posicionam

Em nota, a Prefeitura de Sorocaba afirmou não ter recebido, até o momento, qualquer intimação sobre o assunto, nem da operação do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (Gaeco), o braço do MP responsável pela ação. O município pretende analisar os autos para adotar as providências cabíveis. Segundo o comunicado da prefeitura, a empresa Wagner Dias Borges começou a prestar serviços ao governo municipal na gestão anterior, em janeiro de 2018. “A empresa não vinha cumprindo os termos do contrato, motivo pelo qual ele foi rescindido”, informou. Em relação à Safe, a administração municipal garante não ter contrato com a empresa.

A Câmara também disse que a ação não foi realizada na sede do Legislativo, tampouco foi consultada ou intimada a fornecer cópias de processos licitatórios. Ainda segundo a nota, o contrato com a Safe foi rompido em setembro de 2023, após a empresa apresentar falhas na prestação dos serviços, com base na Lei de Licitações. “Ainda não havia suspeita sobre o envolvimento com organizações criminosas. A empresa não presta mais serviços para a Câmara de Sorocaba”, afirmou o Legislativo.

Cláudio Sorocaba, presidente da Casa, declarou ter se sentido aliviado por ter encerrado o acordo em sua gestão. “As renovações, citadas na reportagem, ocorreram de forma estritamente burocrática, respeitando a Lei de Licitações”, alegou.

Fernando Dini declarou que a licitação em questão não é objeto de investigação e garantiu sempre ter trabalhado dentro da legalidade, enquanto presidente do Legislativo. De acordo com ele, as escolhas das empresas são feitas pelo setor de licitação, enquanto a execução dos trabalhos é acompanhada pela fiscalização do contrato. “A referida presidência não teve contato pessoal com empresas, confiou nos trabalhos dos setores competentes”, pontuou. Caso o contrato venha a ser investigado, completou Dini, ele se compromete a contribuir com as autoridades.

Ontem (17), o Cruzeiro do Sul tentou contato com o Grupo Safe por telefone, mas a linha estava sempre ocupada. O site da empresa estava fora do ar e o e-mail para contato não funcionou. A reportagem também não conseguiu localizar Vagner Dias Borges.

José Crespo enviou nota em que diz: “Se houve licitação regular, se houve contrato e se o serviço foi bem executado, não vejo qualquer problema. Parece que a acusação atual é que o dono dessas empresas era o PCC. Isso, obviamente, não seria possível (é fake). Se o dono real serviu de laranja para o PCC, isso pode ser investigado e punido. Mas não responsabiliza a Prefeitura.”

Jaqueline Coutinho também enviou nota: “Não me recordo de contratação da empresa citada pelos meios de comunicação, assim como nunca tive contato com qualquer representante legal da mencionada empresa. Não sei o teor das investigações mas tenho absoluta certeza como delegada de polícia aposentada e ex-prefeita que o Gaeco e Policia Militar estão cumprindo suas atribuições legais de apuração dos fatos visando proteger a sociedade de eventuais crimes.”

(Vinicius Camargo)

 

Apuração do MP começou em 2023

O Ministério Público informou que as investigações começaram em 2023, a partir da suspeita de irregularidades na Prefeitura de Garulhos. Segundo Yuri Fisberg, promotor do MP, as empresas investigadas estão em nome de pessoas ligadas ao PCC ou de laranjas — geralmente, funcionários. Há, também, as chamadas de “parceiras”, que não são controladas pela facção criminosa, mas também faziam parte do esquema.

Todas elas concorriam e simulavam competições em licitações de Câmaras e prefeituras do Estado de São Paulo. Participavam, principalmente, de certames para a prestação de serviços, sobretudo, limpeza, além de postos de fiscalização e controle. “O objetivo era, a partir do controle de empresas, direcionar o resultado de licitações”, informou Fisberg. De acordo com ele, o grupo agia há, pelo menos, cinco anos. Nesse período, somente a principal empresa da quadrilha movimentou mais de R$ 200 milhões em contratos públicos.

Conforme o promotor, em algumas cidades, o esquema contava com a participação de servidores das prefeituras e até de vereadores. Em outras cidades, o MP não encontrou, por enquanto, indicativos de corrupção dentro do Executivo e Legislativo. Ele disse que os funcionários públicos e parlamentares envolvidos ajudavam as empresas a vencer os processos licitatórios, mediante cobrança de propina. “Em determinadas prefeituras, existia apenas o cartel entre as empresas. Funcionários públicos em outras, porém, estavam bem associados à organização, ineteressados, e, consequentemente, recebiam remuneração por isso”. Até o momento, não há indícios de ligação dessas pessoas com o PCC. “Os empresários e funcionários das empresas que atuavam na parte operacional, com uma liderança vinculada à facção criminosa”, destacou Fisberg. Advogados também ajudavam as empresas a praticar as fraudes.

Na terça-feira (16), durante a Operação Munditia, o Gaeco cumpriu, com o apoio de cerca de 200 policiais militares, 15 mandados de prisão, além de 42 de busca e apreensão. Os policiais atuaram em cidades como Guarulhos, São Paulo, Ferraz de Vasconcelos, Cubatão, Arujá, Santa Isabel, Poá, Jaguariúna, Guarujá, Sorocaba, Buri, Itatiba, dentre outras.

As equipes prenderam 13 pessoas e duas continuam foragidas. Três vereadores de municípios da região do Alto Tietê e litoral, um advogado e ocupantes de cargos públicos estão entre os capturados. Os policiais ainda vistoriaram 11 prédios públicos, sendo seis prefeituras e cinco câmaras, dez empresas e 21 residências. Nesses locais, houve a apreensão de quatro armas de fogo, mais de 200 munições de diversos calibres, 22 celulares, 22 notebooks, R$ 3,5 milhões em cheques, cerca de R$ 600 mil em dinheiro e 8.700 dólares. (V.C.)