Censo 2022
Mais de 20 mil sorocabanos não contam com rede de esgoto
Os dados são do Censo 2022 e ainda mostram ausência de rede geral de água, banheiro em casa e coleta de lixo para uma parcela dos moradores da cidade
Apesar de Sorocaba estar entre os municípios com melhores indíces de saneamento no Brasil, milhares de munícipes ainda não têm acesso à esgotamento sanitário, abastecimento pela rede geral de água, banheiro em casa e coleta de lixo. Segundo dados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem 723.682 habitantes. Desses, 703.129 (97,16%) possuem rede de esgoto, enquanto 20.552 não têm; 713.405 recebem água potável (98,58%) e 10.276 carecem desse direito básico; 723.464 (99,97%) dispõe de banheiros em suas residências e 217 não; 718.250 (99,82%) contam com coleta de lixo e 5.432 ainda necessitam desse serviço.
O Censo também apresenta as informações por domicílios. Do total de 261.545, 254.431 contam com esgotamento sanitário (97,28%) e 7.114 não possuem; 257.970 (98,63%) estão conectados à rede geral de água e 3.575 não são abastecidos pelo sistema; 261.425 (99,95%) têm banheiro e 120 não; há coleta de lixo para 261.097 (99,83%), enquanto 448 não são contemplados pelo serviço público.
De acordo com Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, a falta de saneamento básico prejudica, principalmente, a saúde da população. Ela lembra que o problema pode causar dengue, esquistossomose (infecção por vermes), leptospirose (infecção humana transmitida pela urina de animais infectados), diarréia, dentre outras doenças, que, em casos mais graves, podem resultar em morte.
Conforme o Painel Saneamento Brasil, administrado pelo instituto, em 2021, houve 44 internações por doenças de veiculação hídrica e uma morte em Sorocaba. O levantamento é baseado em dados divulgados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (Datasus).
Para Luana, além da condição física, as enfermidades também afetam o desenvolvimento social das pessoas contaminadas. Conforme ela, quando doentes, as crianças ficam afastadas de suas atividades escolares e, consequentemente, sofrem defasagem educacional. Adultos precisam, muitas vezes, faltar ao trabalho e, se forem profissionais autônomos, não terão ganhos durante o período de ausência. Com isso, a renda diminui. “O acesso pleno (aos serviços) é a base para o desenvolvimento da população”, reforçou.
Água
Ainda, segundo a representante do instituto, em relação à água, as concessionárias devem seguir padrões de qualidade para fornecê-la aos imóveis. No entanto, quando o munícipe não tem acesso à rede geral, na maioria das vezes, recorre à escavação de poços dos quais capta água sem qualquer tratamento. Com isso, geralmente, acaba ingerindo substâncias nocivas. “Existe uma contaminação cruzada, muitas vezes, por esgoto, o que pode trazer uma série de doenças, tanto no curto prazo, como diarréia e dor de barriga, devido à presença de coliformes fecais, quanto (doenças) mais graves, a longo prazo, por conta dos metais pesados”, disse Luana.
Meio ambiente
No caso do esgoto, o despejo irregular também é danoso para o meio ambiente. Luana informa que os dejetos se infiltram no solo e, depois, vão parar nos rios. Inclusive, às vezes, são feitas ligações irregulares para o depósito direto dos resíduos nos mananciais. Essa situação gera contaminação das águas, interfere no desenvolvimento da fauna e da flora, assim como pode causar a mortandade da vegetação e de animais.
Cronograma
Segundo Luana, para mudar esse cenário, o município precisa desenvolver um plano de universalização do saneamento básico. O planejamento, segundo ela, deve conter, sobretudo, um cronograma para a implementação do serviço em todas as áreas da cidade. Paralelamente, as agências reguladores precisam acompanhar o cumprimento das medidas.
Em nota, a Prefeitura de Sorocaba e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) afirmaram que mantêm um cronograma contínuo de investimentos para garantir os índices de excelência na oferta de saneamento básico à população nas próximas décadas. De acordo com o comunicado, as iniciativas consistem, especialmente, em otimizar e incrementar, de forma contínua, o funcionamento das Estações de Tratamento de Água (ETAs) e Estações de Tratamento de Esgoto (Etes). Outra medida é a ampliação de unidades operadoras dos serviços.
Ainda, conforme a nota, algumas localidades do município não possuem sistemas de esgoto ou água por conta de construções irregulares. Elas “acarretam necessidade de restruturação e adequação do sistema, seja para destinação e devido tratamento de esgoto, bem como de infraestrutura voltada ao abastecimento”, explicou o Saae. Há obras em andamento para a adoção desses procedimentos em comunidades nos bairros Vida Boa, Vila Santa Luiza e Vila União.
Recentemente, segundo a autarquia, foram atendidos, também, pontos nos bairros Nova Sorocaba, Parque São Bento, dentre outros. No entanto, algumas outras áreas ainda demandam expansão do sistema de saneamento. São elas: Jacutinga, Inhayba, Ipanema do Meio, Parque Manchester, Parque das Laranjeiras, Jardim Tatiana, Cajuru, Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério (Habiteto) e Vila Barão. O Saae se compromete a atendê-las dentro do cronograma.
Novas redes de água
A autarquia informou que, quanto ao fornecimento de água potável, vem sendo feito trabalhos de implantação de redes novas e adequações de projetos para suprir as necessidades dos sorocabanos. “No caso de condomínios e loteamentos novos e regularizados, com rede disponível, as ligações são feitas tão logo são recebidos e analisados os pedidos”, garantiu.
Somente no ano passado, cita o Saae, houve 4.032 novas ligações de água, e a média anual de instalação de sistemas de esgoto também é de quatro mil. Em 2023,“mais de 23 mil metros de tubulação de novas redes de água foram implantados, em regiões que ficaram muito tempo esquecidas, como: Comunidade Fazendinha (Parque Vitória Régia), Campininha (Éden), Chácaras Ana Maria (Rodovia João Leme do Santos) e Genebra (Brigadeiro Tobias)”, detalhou.
Coleta de lixo
A respeito da coleta de lixo, a Secretaria do Meio Ambiente e Bem-Estar Animal (Sema) declarou não ter conhecimento de qualquer reclamação sobre a falta do serviço. Conforme a pasta, mesmo em locais onde não é possível o acesso dos caminhões, por serem vias estreitas, o recolhimento dos resíduos é feito na via principal mais próxima.
Vida sem serviços é difícil
“Isso aqui não é vida, não”. O desabafo é da dona de casa Eliane Alexandre, de 47 anos, moradora da Vila Santa Luiza, um dos bairros de Sorocaba onde o saneamento básico ainda chega a todas às famílias. Ela mora ali há seis anos e, desde o primeiro dia, anseia por uma moradia mais digna, com acesso ao esgotamento sanitário e fornecimento de água regularizado, por exemplo. “Isso é o mínimo”, falou.
Segundo a munícipe, a primeira melhoria no bairro só ocorreu há oito meses, com a instalação da energia elétrica. Na mesma época, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) implementou os canos da rede de água. As obras aumentaram a esperança dos moradores de finalmente terem mais um progresso. No entanto, o sistema ainda não foi ligado.
De acordo com Eliane, não há, também, qualquer previsão de implantação de sistema de coleta e tratamento de esgoto. Enquanto não dispõe do serviço, ela usa uma fossa em casa, o que gera problemas como mau cheiro e aparecimento de animais. “É rato, escorpião, cobra, vem tudo aqui, disse.
A ajudante geral Luciana de Oliveira, de 42 anos, mora no mesmo bairro e conta que já teve diarréia por conta da falta de saneamento. Conforme a mulher, embora muitos moradores tenham fossas — incluindo ela —, alguns não possuem e despejam o esgoto diretamente nas ruas em terra. Isso, consequentemente, gera doenças e outros incômodos. “Fede e junta moscas”, comentou.
Para o encanador Humberto Macedo Matos, de 54 anos, além de mais dignidade, a regulamentação dos serviços garantiria a permanência dos domicílios no local. Isso porque, como todos passariam a pagar as tarifas de água e esgoto, os imóveis seriam considerados regulares. “Se você está pagando as contas tudo certinho, consta que você mora ali. Agora, se não paga, como você vai provar que mora ali? Me explica!”, indagou.
PEC torna saneamento básico direito essencial
Tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2/2016, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (sem partido), que insere o saneamento básico entre os direitos sociais dos brasileiros. Ela prevê a alteração do artigo 6º da Constituição da República, para incluir o serviço juntamente da saúde, educação, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência às populações vulneráveis. A PEC aguarda votação em dois turnos no plenário para, depois, seguir para a Câmara dos Deputados.