Sorocaba
Descanso é primordial para preservar a saúde física e mental
“Estude enquanto eles dormem”. “Trabalhe enquanto eles se divertem”. “Lute enquanto eles descansam”. Estas e outras frases são comumente encontradas nas mídias sociais. Embora pareçam simplesmente motivacionais, elas defendem a ideia de hiperprodutividade em tempo integral, o que é contraindicado por especialistas. Segundo um neurologista e uma psicóloga, ao contrário da mensagem propagada, negligenciar o descanso não traz benefícios, mas sim problemas físicos e psicológicos.
Conforme a psicóloga psicanalista Aline Zain Carmona, a produtividade intensa vem se enraizando como uma questão cultural na sociedade. Hoje, diz ela, o esforço excessivo é considerado o melhor caminho para se alcançar objetivos de maneira mais rápida e eficaz. Com isso, a ociosidade é encarada como incômodo e culpa. “O descanso é visto como inutilidade, como não ser produtivo, como se eu estivesse perdendo tempo de conquistar algo”, apontou.
Devido à difusão desse ideal, até os hobbies, que deveriam ser prazerosos, tornam-se obrigações. Isso porque, de acordo com a especialista, as pessoas se cobram a realizar atividades para se manter sempre ativas. “E, aí, o hobby perde a sua proposta, a sua função, que é o descanso”, pontuou. Nesse sentido, ela diz que mesmo ações aparentemente relaxantes, como navegar nas mídias sociais, continuam estimulando a mente.
Segundo a psicóloga, esse excesso constante de estímulos prejudica a qualidade do próprio sono, podendo resultar em insônia e síndrome do pensamento acelerado. O neurologista Otavio Turolo da Silva, do Hospital Evangélico de Sorocaba (HES), inclui a apneia do sono (distúrbio no qual a respiração para e volta diversas vezes durante a noite) na lista de males. Conforme o especialista, atuante na área do sono, o distúrbio eleva os riscos do surgimento de doenças cardiovasculares.
A sobrecarga mental ainda causa ou piora quadros de ansiedade, estresse e depressão, de acordo com Aline. Outra possível consequência é o desenvolvimento da síndrome de Burnout (distúrbio mental ocasionado por exaustão extrema, estresse e esgotamento físico). Em alguns casos, além dos sintomas emocionais, esses problemas também provocam reações físicas, a exemplo de queda de pressão arterial, taquicardia e tremedeira.
Recuperação
Por causa de todos esses efeitos, Otavio Turolo da Silva destaca que descansar é essencial para a recuperação mental e física. Segundo o médico, o sono promove o equilíbrio hormonal e do metabolismo, além de contribuir para o estímulo das funções cognitivas. Assim, quando dorme bem, a pessoa consegue efetuar tarefas do cotidiano com mais eficiência e até aprender melhor. Isso porque o sono auxilia, igualmente, na consolidação do processo de aprendizado.
Por isso, conforme o neurologista, embora as máximas digam o contrário, executar atividades em momentos de descanso não traz resultados positivos. Na verdade, pode prejudicar o desempenho e, consequentemente, o resultado das tarefas. “Quando dormimos, temos o armazenamento e processamento das memorias, e isso é de fundamental importância para quem está estudando ou prestando concurso, por exemplo”, pontuou.
Período ideal
O período ideal de sono varia de acordo com o biotipo, características genéticas e idade do indivíduo. De acordo com o neurologista, um adulto deve dormir, em média, de sete a nove horas por noite. Para bebês, a indicação é de 14 a 17 horas diárias, enquanto idosos precisam descansar sete horas ou menos.
“O bebê tem metabolismo muito mais acelerado e uma demanda endocrinológica (de liberação hormonal) maior. Então, para o equilíbrio metabólico e hormonal, tem que dormir mais. Depois, à medida em que a pessoa cresce, a demanda metabólica (e hormonal) diminui e, consequentemente, o sono também”, explicou.
Três horas por dia
Contrariando todas as recomendações médicas, um empresário, que preferiu não ser identificado, chegou a dormir somente três horas por dia durante um período de sua vida. À época, conciliava o trabalho com o mestrado. Mas, mesmo em fases com menos compromissos, os seus dias sempre foram exaustivos. “Já cheguei a ficar 16, 20 horas na empresa. Já cheguei a ficar dois dias seguidos trabalhando sem parar”, contou. Nem os momentos de lazer eram, de fato, de descontração. “Eu ia para um restaurante jantar com a minha esposa e continuava pensando em trabalho. Não conseguia desligar”, relembrou.
Sem saber, o homem conviveu, ao longo de pelo menos dez anos, com reações causadas por essa rotina fatigante. Dores no corpo e estômago, cólicas por gases intestinais, bolhas nas mãos e pés, tensão na língua e ombros, além de fraqueza nas pernas, faziam parte dos seus dias. Há quatro anos, a situação piorou, pois efeitos emocionais se somaram aos físicos. A angústia, mudanças repentinas de humor, acessos de raiva e cansaço físico extremo o motivaram a procurar ajuda psicológica.
Ao iniciar as sessões de psicoterapia, o entrevistado foi diagnosticado com ansiedade, Burnout, estresse elevado e depressão. Foi quando percebeu ser a hora de desacelerar. Para tanto, reduziu a jornada de trabalho e segue com o acompanhamento terapêutico. As medidas propiciaram mudança geral, incluindo o desaparecimento dos sintomas. Com isso, ele ganhou mais qualidade de vida.
Hoje, após entender que o organismo tem limites e precisa descansar, ao menos um pouco, o empreendedor pensa até em mudar de área. Os objetivos são ter mais tempo com a família e, principalmente, preservar a sua saúde, tanto física, quanto mental. “Quando vamos ao extremo, perdemos a força, não temos como avançar. Chega a um ponto em que o corpo se esgota”, finalizou. (Vinicius Camargo)
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