Zona de conflito
Famílias de Sorocaba contam como escaparam da guerra em Israel
Após muitos sustos e correria para comprar passagens, o grupo conseguiu viajar para Dubai e chegar a Sorocaba
“Um show de horror”, foi assim que a moradora de Sorocaba, Priscila Donzelli, definiu os momentos vividos em Israel nos últimos dias ao lado da família. A administradora de empresas chegou à Terra Santa em 29 de setembro com previsão de retorno no dia 8 de outubro. No entanto, não pode embarcar na data marcada, pois, assim como todos os demais que estavam no país do Oriente Médio, foi surpreendida pela suspensão de todos os vôos por conta do conflito entre israelenses e o grupo palestino Hamas. Após muitos sustos e correria para comprar passagens, o grupo conseguiu viajar para Dubai e chegou na última quinta-feira (12) em Sorocaba. Apesar do alívio por estar em casa, Priscila ainda carrega alguns traumas.
A viagem para Israel era um sonho da família, que organizava o passeio há um ano. No fim do mês passado, seis pessoas embarcaram rumo a Veneza e, em seguida, para a Terra Santa. Priscila conta que na cidade Italiana algumas coisas já começaram a dar errado, pois os funcionários do aeroporto local estavam em greve. No entanto, conseguiram um voo direto para Tel Aviv, em Israel, e mantiveram a passagem de volta ao Brasil por Veneza, com data para 8 de outubro.
No início a experiência foi enriquecedora. A família conheceu Jerusalém, Nazaré e Jordânia. Após visitar Petra, um dos pontos históricos do país, localizado na margem leste do rio Jordão, o grupo retornou ao hotel onde estava hospedado em Tel Aviv e foi acordado pelas sirenes de alerta, às 6h30. “Nos mandaram descer imediatamente para nos abrigarmos nas escadas ou no bunker, mas ninguém sabia o que estava acontecendo. Voltamos para o quarto e, na maior ignorância, decidimos nos arrumar e irmos para a praia. Logo recebemos a mensagem de que tinham lançado foguetes sobre Israel. Mesmo assim fomos tomar café no hotel. Os israelenses não estavam muito apavorados, porque eles têm muita segurança na tecnologia de interceptação de bombas. Eles falavam assim: “Fiquem tranquilos, não é nada’”.
As sirenes voltaram a ser acionadas e, com o medo aumentando, a família decidiu comprar passagem um dia antes da data programada e retornar para a casa. No aeroporto, Priscilla e seus parentes foram informados de que o voo fora cancelado. Após passar horas no local, decidiram voltar para o hotel. Foi nessa ocasião que os piores momentos começaram. “A volta para o hotel foi o maior terror da minha vida. Estávamos dentro do táxi e as bombas começaram a estourar em cima das nossas cabeças. O taxista parou, nos fez deitar no chão da rua, atrás do carro, e aquele barulho de coisa estourando e sirenes tocando”, contou. Priscila relata, ainda, que nesse momento algumas pessoas gritaram para a família e o motorista do táxi correrem em direção ao bunker de um prédio residencial. O local já estava cheio de adultos, crianças, gatos e cachorros.
Na madrugada, aparentemente, os bombardeios haviam cessado. Dessa forma, eles voltaram para o aeroporto, mas, novamente, o voo tinha sido cancelado. Somente ao solicitarem informações à Embaixada do Brasil ficaram sabendo que somente as operadoras locais estavam funcionando. Depois de muita procura, eles conseguiram comprar passagens. Quatro dos seis integrantes da família embarcaram no dia 8 para Dubai. Os outros dois seguiram para Roma e todos se encontraram em Veneza para retornar juntos ao Brasil.
Atualmente Priscila está bem fisicamente e em casa, em Sorocaba, ao lado da família. No entanto, voltou da viagem com memórias difíceis de esquecer. “Qualquer barulho mais forte dá um choque no coração, dá um pânico. Sirenes, qualquer coisa que estoura perto de nós dá uma tremedeira por dentro. Como é forte isso! Só ouvimos falar das pessoas que passaram por essas situações, mas não imaginamos o reflexo que isso pode provocar depois do acontecido. Se estourar uma bexiga do nosso lado dá um choque dentro do peito, uma sensação ruim no coração”, relatou.
Além disso, a administradora de empresas também está preocupada com o prejuízo financeiro. Ao todo, foram cerca de 30 mil reais gastos a mais na viagem. “Estou apavorada, porque não contávamos com esses gastos. Hoje mesmo estava ligando para o seguro do cartão de crédito, eles pegaram todas as informações que eu passei e agora vão enviar um e-mail para eu mandar os documentos, mas não é nada garantido. Gastamos uma viagem dentro da viagem”, enfatizou.
Dias de angústia
Assim como a família de Priscila, a família da Mariângela Aguiar Jabur também conseguiu deixar Israel por meio de um voo para Dubai. Ao lado do esposo, que é israelense, e da filha, de apenas 2 anos e 3 meses, a farmacêutica sorocabana foi para o país em 16 de setembro visitar a família do marido e estava hospedada em Herzeliya, cidade que fica a 20 minutos de Tel Aviv.
Ao tentar sair do Oriente Médio, a família teve quatro voos cancelados e precisou ficar na cidade. Mariângela relata que a sensação era muito parecida com os tempos de pandemia: ruas vazias, bloqueios nas vias e comércio fechado. “Eu estava muito preocupada com a minha filha, Anna. Ela é muito novinha, não queria que ela sentisse nada. Então, quando a sirene tocava e tínhamos que ir para o quarto antibombas, eu brincava com ela e falava ‘filha, chegou a hora de pularmos naquela cama, vamos, corre, vamos pular na cama’. Ia transformando aquilo em uma forma divertida para que ela não percebesse, então, evitávamos falar sobre isso na frente dela”.
Para sair do país, Mariângela conta que entrou em contato com o Itamaraty, mas não teve retorno do Brasil para pegar o avião da FAB. Dessa forma, a empresa que ela trabalha passou a monitorar os voos nas agências locais e conseguiu, na quarta-feira (11), as passagens para Dubai. Dos Emirados Árabes, o trio seguiu para Lisboa e, por fim, para o Brasil. Agora, a família está bem, em segurança, na residência, em São Paulo. Já a família do esposo de Mariângela continua em Israel. A farmacêutica relata que é muito difícil para eles abandonarem o país neste momento, mas estão em uma região segura, seguindo as orientações passadas pelo governo de lá.
“Para os israelenses foi algo que ainda não dá para entender. Essa geração, que está vivenciando isso, é uma geração que tem avôs e bisavôs sobreviventes do holocausto. Os pais e os avôs do meu marido viveram durante a guerra e são sobreviventes do holocausto. Então, é muito sofrido para eles. É algo que não conseguimos entender, o sentimento deles de estarem sendo perseguidos novamente, de terem que se defender, mais uma vez, de algo que eles não precisariam, porque estão ocupando um território que pertence a eles de uma forma digna, enfim, é muito complicado”, declarou Mariângela.
Outros repatriados
Pelo menos outros seis moradores de Sorocaba conseguiram deixar Israel. Na quarta-feira (11), um grupo de uma igreja da cidade, formado por 11 integrantes, retornou ao Brasil no primeiro voo de resgate da Força Área Brasileira (FAB), com 211 passageiros a bordo.
Na capital federal, dez das 11 pessoas do grupo embarcaram em um voo fretado cedido gratuitamente à Prefeitura de Sorocaba pela empresa NHR Táxi Aéreo, com destino ao município. O outro passageiro saiu do Distrito Federal diretamente para São Paulo. Três dessas pessoas são naturais de Sorocaba, enquanto os demais possuem laços familiares ou amizades na cidade. Eles desceram no Aeroporto Estadual de Sorocaba - Bertram Luiz Leupolz, localizado na Vila Santa Clara, em Sorocaba, por volta das 9h50.
Também na quarta-feira, o jogador de futebol sorocabano Lucas Salinas, que atua em um clube da primeira divisão de Israel, deixou o país do Oriente Médio. O atleta de Sorocaba foi para Lisboa, em Portugal. No mesmo dia, um casal sorocabano embarcou no segundo voo da FAB. A aeronave decolou de Tel Aviv às 12h30 (horário de Brasília) de quarta-feira, com 214 brasileiros a bordo. Segundo a Prefeitura, o casal está em Sorocaba. (Vanessa Ferranti)
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