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Sorocaba

Empresas abrem oportunidade para pessoas surdas trabalhar

Iniciativa ‘contagia’ funcionários ouvintes, que participam de cursos de Libras

12 de Outubro de 2023 às 23:01
Thaís Marcolino [email protected]
Na Schaeffler, há curso para ouvintes, independente do cargo, com duração de quatro meses e aulas semanais
Na Schaeffler, há curso para ouvintes, independente do cargo, com duração de quatro meses e aulas semanais (Crédito: DIVULGAÇÃO)

Ser acolhido no lugar em que trabalha e se sentir integrado são alguns dos desejos de muitos colaboradores Brasil afora. Quando se é uma pessoa com deficiência, os desafios tendem a ser maiores, já que existe, ainda, muito preconceito e falta de acessibilidade. Felizmente, há instituições que se propõem a mudar essa visão acerca da deficiência. No campo da surdez há iniciativas que estão dando resultado na região. O Cruzeiro do Sul conheceu duas empresas que dão exemplo quando o assunto é olhar para o outro.

Apesar de estar em fase de implantação, os surdos que trabalham na Emphasis — confecção de vestuário, precisamente jeans e sarja — de Votorantim já sentem a diferença com o curso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) oferecido aos funcionários ouvintes. Em entrevista realizada via chamada de vídeo com uso da Libras, Rogério Sant’Anna, que trabalha na confecção há sete meses disse que gosta de lá por que pode evoluir. “Aqui tem pessoas que querem aprender (a língua), posso passar meus conhecimentos para frente e é muito bom pois posso melhorar e fazer amigos para sempre”.

Rogério Sant’Anna gosta do trabalho e do ambiente corporativo e sabe que pode evoluir - DIVULGAÇÃO
Rogério Sant’Anna gosta do trabalho e do ambiente corporativo e sabe que pode evoluir (crédito: DIVULGAÇÃO)

Rogério tem nanismo, nasceu surdo e desde então tem a Libras como sua língua materna e única. Apesar de hoje estar em um local que conseguiu se sentir acolhido, por muito tempo precisou escrever em papéis o que gostaria, assim como apostar em gestos — que não faz parte da língua de sinais — para se fazer entender. “É difícil às vezes, mas fico feliz que as pessoas aqui querem aprender e eu ajudo também”, complementou o profissional de 46 anos.

Surdo oralizado (que fala, escuta e/ou faz leitura labial) e usuário da língua de sinais, Fernando Parrilha, de 34 anos, entrou na empresa há seis meses. Como faz leitura labial, seu processo acabou sendo mais tranquilo do que seu colega, porém, não menos necessário que houvesse um programa visando a acessibilidade. Para ele, o curso para ouvintes é essencial. “Como eu ouço um pouco com o aparelho auditivo, para mim é mais tranquilo, mas para quem só é sinalizante (os que usam apenas a libras para se comunicar) o curso é muito importante. E fico emocionado em saber que várias pessoas aqui se interessam a aprender. Muitos falam para mim que estão indo atrás depois de ver os surdos trabalhando aqui”.

“Os funcionários estão fazendo, mesmo porque, a energia da turma do RH ‘incendiou’ as outras. Às vezes os ouvintes não perguntam do curso, mas já começam pesquisar na internet sobre. A semente já fica plantada né?”, disse a gerente de recursos humanos, Talitha Ferreira.

A confecção conta com 10 surdos. Mas tem em seu quadro de funcionários com outras deficiências, como visual, mental leve e física. “Nossa intenção é integrá-los para que se sintam bem. Muitas vezes, eles não querem falar diretamente com o RH, então quando o gestor tem o conhecimento da libras, por exemplo, é muito mais fácil e otimiza o processo. Estamos investindo, não só para integrar aqui, mas para a vida, porque é importante que eles tenham a mesma sensação do lado de fora”, comentou Gabi Ghiselini, diretora administrativa.

Em Sorocaba, a Schaeffler — fabricante de componentes automotivos, aeroespaciais e industriais, conta com 50 colaboradores surdos e, em medidas similares, também se torna uma empresa acessível à comunidade surda.

Fernando Lino é intérprete de Libras da empresa e aponta que a sua primeira função foi reduzir a sensação de isolamento nas ações de RH. “As pessoas puderam estabelecer um diálogo sobre suas necessidades e dúvidas. Dessa forma, começamos a incluir essas pessoas em nossa comunidade industrial”.

Outro destaque é o curso para ouvintes, independente do cargo em que esteja. As aulas duram quatro meses e são realizadas semanalmente. Os alunos aprendem sinais básicos para uso do dia a dia, além daqueles que fazem parte do setor. A iniciativa é uma ótima oportunidade para que os demais funcionários aprendam a Libras para a vida. “Promover a inclusão significa aproveitar oportunidades importantes no ambiente corporativo, tanto que a Libras também está sendo implantada no nosso aplicativo interno”, disse Lino.

Em alguns espaços também há uma mudança na comunicação. Foram instaladas placas nos banheiros para indicar que um colaborador com deficiência auditiva está utilizando o local. “Normalmente, a equipe de limpeza bate na porta e anuncia oralmente a entrada para cuidar do local. Agora, com essas placas, o constrangimento é evitado”, explica Juliana Mazzanti, líder do projeto de acessibilidade da empresa.

É lei

As leis nºs 8213/91 e 10.098 garantem que as empresas reservem uma parte de seu quadro de funcionários para pessoas com deficiência (PCD), assim como adaptem os ambientes para melhor atendê-los.

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, as proporções para empregar pessoas com deficiência variam de acordo com a quantidade de funcionários. De 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%. As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo.

As multas para instituições que descumprem a legislação podem chegar a R$ 228 mil. A medida também inclui pessoas reabilitadas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Para outras informações, a solicitação pode ser feita pelo e-mail [email protected].

População

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), com base em dados coletados em 2019, mostra que existiam, no Brasil, 17,3 milhões pessoas com deficiência. Entre as pessoas de 5 a 40 anos de idade com deficiência auditiva, 22,4% conheciam a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Outro dado verificado é que apenas 28,3% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar (14 anos ou mais) estavam na força de trabalho, ante 66,3% daquelas sem deficiência. Tal estimativa coloca ainda mais necessidade para que existam iniciativas e também interesse de ingresso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. (Thaís Marcolino)

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