Sorocaba
MPF arquiva investigação sobre trabalho escravo de indígena
Justificativa é de que mulher não estava submetida a trabalho forçado e jornada exaustiva; defesa contesta a decisão
O Ministério Público Federal (MPF) pediu o arquivamento do inquérito policial referente à denúncia de trabalho análogo à escravidão de uma jovem, S.C.R., de 21 anos, de origem indígena, em Sorocaba. A mulher prestava serviços no apartamento de um casal, próximo ao Centro, em condições precárias. O caso foi divulgado pela Gerência Regional do Trabalho de Sorocaba, do Ministério do Trabalho e Emprego, em 10 de março deste ano. A defesa da vítima contesta a decisão.
De acordo com nota divulgada ao Cruzeiro do Sul pelas advogadas Emanuela Barros e Melissa Constantino, responsáveis pelo caso, a justificativa do MPF é de que “embora a trabalhadora doméstica não tenha tido seus direitos trabalhistas respeitados em sua integralidade, não estava submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, salientando-se que vivia sob as mesmas condições de higiene, saúde, alimentação, habitação e segurança de seus empregadores, desfrutando, inclusive, de folgas do trabalho e da possibilidade de realizar cursos de formação fora do ambiente residencial e de trabalho”.
Para a defesa, a decisão tomada a partir do pedido feito pelo MPF é equivocada, já que a mulher não chegou a ser ouvida pela Polícia Federal. “Os acusados de submeterem S. a trabalho análogo à escravidão e de a assediarem tiveram a oportunidade de contar suas versões dos fatos à polícia, mas S. não, pois sua oitiva estava agendada para o dia 14 de junho e foi cancelada. Sendo assim, o encerramento se dá com base apenas na versão dos acusados, desconsiderando o que a vítima tem a relatar sobre o ocorrido”, informou.
Além disso, a nota salienta que uma força tarefa realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) constatou que havia submissão da trabalhadora doméstica à condição análoga à escravidão, tendo como fator determinante para esse enquadramento as condições degradantes do trabalho, jornadas de trabalho excessivas, não pagamento do salário mínimo legal à trabalhadora e, segundo a defesa, ao contrário do que foi declarado pelo MPF, a vítima dormia no chão, por isso não gozava das mesmas condições de seus empregadores e ainda sofreu assédio sexual tendo o acusado confessado tal prática.
Também informam que outras irregularidades foram observadas, como excesso de jornada diária e semanal, não concessão de férias, inadimplemento do décimo terceiro salário, ausência de registro do contrato de trabalho, pagamento de salário inferior ao mínimo legal, condições inadequadas de moradia, pois a trabalhadora dormia em colchão no chão, pelos quase dois anos do contrato de trabalho.
“A decisão pelo arquivamento ignora todas essas irregularidades e o fato de que a empregada doméstica teve de fugir do local de trabalho e só conseguiu denunciar a situação a que estava passando com a ajuda de terceiros”, salientam as advogadas. “Portanto, mais que discordar do encerramento das investigações, repudiamos a decisão que pede o arquivamento pois só faz beneficiar quem escravizou, assediou e desrespeitou a vítima como cidadã e como pessoa humana, suprimindo seus direitos mais básicos, o que também é um desrespeito à nossa Carta Magna às leis civis, penais e trabalhistas que regem o correto funcionamento das relações sociais”, conclui a nota.
O caso
De acordo com a denúncia feita ao órgão trabalhista por meio do Conselho Tutelar de Sorocaba, a jovem dormia em um colchão no chão e não tinha folga aos finais de semana. Segundo a defesa, depois que a mulher fugiu do local, foi acolhida primeiramente por uma vizinha e, posteriormente, através do trabalho das advogadas em conjunto como MPT, foi constado que a denúncia era verdadeira.
Assim, o casal teve que pagar cerca de R$ 20 mil para a vítima por situação de trabalho análogo à escravidão. O valor é referente aos direitos trabalhistas e verbas rescisórias, que foram definidas por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pelo casal com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Já em 16 de março, a 2ª Vara Criminal de Sorocaba concedeu uma medida protetiva para a jovem indígena, de acordo com a Lei Maria da Penha.
As advogadas relatam, ainda, que a jovem foi aliciada no seu estado de origem, Amazonas, e não foi a primeira a ser submetida a essas condições, pois outra jovem indígena também foi trazida pelo casal nas mesmas condições.
O Cruzeiro do Sul entrou em contato entrou em contato com o MPF e aguarda retorno. (Da Redação)