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Barulho

Bares de Sorocaba desafiam a lei do silêncio

Segundo a PM, denúncias de perturbação do sossego aumentaram 133% nos primeiros quatro meses de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado; reclamações envolvem três bares na zona sul e dois na zona leste

13 de Maio de 2023 às 23:01
Virginia Kleinhappel Valio [email protected]
Reclamação de moradores é contra bares abertos que desrespeitam o limite sonoro e fazem barulho até a madrugada
Reclamação de moradores é contra bares abertos que desrespeitam o limite sonoro e fazem barulho até a madrugada (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Nos quatro primeiros meses deste ano, o número de denúncias de perturbação de sossego teve aumento de 133% em relação ao mesmo período de 2022. Segundo a Polícia Militar, neste ano, foram 21 denúncias, contra nove do ano passado. Para tentar conter as inúmeras ocorrências, a corporação realiza aos finais de semana a “Operação Impacto”. No entanto, existem duas regiões de Sorocaba onde, segundo moradores, nada é feito: as zonas sul e leste.

No Parque Campolim, que se tornou, há muito tempo, “point” dos sorocabanos que buscam se divertir nos diversos bares do bairro, um dos alvos das reclamações é o Madá Bar Brasileiro, popular entre os jovens. O bar, que também pode ser considerado uma balada, está localizado na avenida Gisele Constantino — esquina com a rua Antônio Perez Hernandez —, local com muitos prédios residenciais. Um deles é o Edifício Cannes, onde mora a professora Maria Helena Medici, de 60 anos. Ela conta que, entre 4h e 5h da madrugada, começa o barulho de brigas e de carros e motos acelerando. Ela fala também das garrafas quebradas que podem ser vistas em uma caminhada pela rua na manhã seguinte. “Dormir é um luxo”, afirma a moradora.

  - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
(crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Segundo Maria Helena, os moradores do prédio já procuraram o setor de Fiscalização da Prefeitura de Sorocaba. “Nos finais de semana, (o barulho) começa à tarde. Com certeza, passa o limite de decibéis permitido. Tudo bem fazer uma festa, mas é necessário tanto volume de som e gritos? Tem que ter fiscalização, uma regulamentação a seguir e respeitar. O pessoal tem direito a descansar. Não dá para tirar os moradores daqui. Eles (bares) precisam adotar medidas, como colocar uma espuma acústica”.

Gleide Silva mora do outro lado da avenida Gisele Constantino e afirma que o barulho pode ser ouvido de lá. “O som alto é o que mais incomoda. Acho que não tem fiscalização, porque o pessoal vem para o bar, bebe e sai fazendo muito barulho com os carros durante a madrugada”. Ela comenta que o movimento começa em torno de 22h e vai até 2h da madrugada. “Sem sombra de dúvidas, o som está muito acima do permitido. Imagino quem mora no prédio ao lado”, comenta.

Muitos bares que funcionam nas zonas... - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
Muitos bares que funcionam nas zonas... (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Ainda no Campolim, outro local denominado bar, mas que também funciona como balada é o “Amora Bar”, localizado na rua Raphael Dias da Silva. Há anos o barulho do estabelecimento incomoda os moradores dos prédios próximos e a briga chegou à Justiça. Porém, os reclamantes perderam a ação porque o Setor de Fiscalização da Prefeitura Municipal de Sorocaba não possuía um sonômetro, aparelho adotado pela NBR 10.151/2019 para realizar a perícia no local. O grupo formado por síndicos dos prédios próximos ao bar procurou o jornal Cruzeiro do Sul para denunciar a situação.

Quem ficou responsável por acionar a Polícia Militar — inclusive, entrou com uma ação no Ministério Público contra o bar em nome dos moradores — foi Marco Rodrigues, morador e síndico do prédio localizado no terreno atrás do Amora Bar. Marco reside há 19 anos no edifício e conta que o bar foi feito, inicialmente, para dar suporte ao lava rápido que existe ao lado. A reportagem esteve no local e conversou com Marco e com outros cinco síndicos.

... sul e leste de Sorocaba funcionam como balada - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
... sul e leste de Sorocaba funcionam como balada (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Eles contam que durante a semana e aos sábados e domingos, o bar se transforma em uma balada com banda, DJ e som alto, dando início a uma poluição sonora que, segundo eles, “tornou-se perturbador para os sete condomínios próximos ao bar”. Ainda de acordo com os síndicos, o bar não cumpre o horário de fechamento — que seria às 22h — e se estende com música alta até a madrugada. Foram realizadas inúmeras tratativas com os antigos e os atuais donos, mas não surtiram efeito. “Embora eles tenham feito algumas melhorias antes da pandemia, à noite, as coisas fogem do controle”, conta Marco, acrescentando que, nos finais de semana, as festas costumam começar a partir das 14h e seguem até meia noite. Alguns dias, até 2h ou 3h da madrugada, mesmo após as reclamações.

Segundo os síndicos, a Polícia Militar foi acionada várias vezes, mas nada foi feito. O Setor de Fiscalização da Prefeitura também esteve no local, mas não fez a medição de decibéis. Há alguns dias, os moradores denunciaram a instalação de mais duas caixas de som direcionadas para fora do bar. O que restou para os reclamantes foi pedir ajuda à imprensa. A reportagem esteve no local e observou que o bar é aberto e não possui isolamento acústico. A pista e o palco não são fechados, confirmando as denúncias. Por fim, foi possível perceber que as duas novas caixas de som, grandes, foram direcionadas para a área de fora do bar e não para a pista.

Mais um na zona sul

Além das músicas e aparelhos com som muito alto,moradores... - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
Além das músicas e aparelhos com som muito alto,moradores... (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Próximo ao Parque Campolim, também na zona sul de Sorocaba, outro bar causa dor de cabeça aos vizinhos: o Deck Beach Bar. Localizado na avenida Washington Luiz, no Jardim Faculdade, o bar funciona das 11h à 1h. A reclamação, no entanto, é em relação ao barulho após às 22h. Um vizinho, que pediu para ter a identidade preservada por motivo de segurança, afirma que acorda às 3h da madrugada e não consegue mais dormir. “Acabou com a minha vida”, essas foram as palavras de um homem que mora no bairro desde 1996. “Há nove anos vivo isso. Eles abriram na Copa do Mundo de 2014 e nunca mais saiu da moda. Sexta-feira, sem brincadeira, vai até 3h da madrugada”, disse.

Ele conta que além, do som alto, ainda convive com o barulho que os frequentadores fazem ao sair do bar. “Eles saem 2h da manhã e começam a conversar na frente da minha casa. Os carros e motos fazem muito barulho. Quem dorme assim? Nós não queremos prejudicá-los, em hipótese alguma. Não somos contra eles, não queremos que o bar saia do local, afinal, estão dando empregos. Queremos apenas que abaixem o som e respeitem os vizinhos. Já cheguei até a procurar uma casa perto daqui. Isso aqui era uma benção antes do bar”.

...reclamam de brigas e carros estacionados em locais proibidos - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
...reclamam de brigas e carros estacionados em locais proibidos (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

Na mesma rua, o aposentado Laurindo Salvador, de 75 anos, afirma que o som começa às 22h e vai até tarde. “É o fim do mundo isso aqui à noite. Os frequentadores estacionam o carro em frente à nossa garagem e, se reclamarmos, eles ainda querem brigar com a gente”. O aposentado comenta que é morador do bairro há quarenta anos e já colocou a casa à venda. No entanto, após seis anos sem conseguir vender, desistiu. “Aqui é um bairro residencial. A fiscalização deixa a desejar. Não é possível que a bateria e o batuque fiquem a noite inteira e ninguém vê. O bairro é ótimo, mas essas casas noturnas estão acabando com ele”, lamentou. 

Moradores incomodados pensam até em se mudar

Além das reclamações na zona sul de Sorocaba, outros bares causam incômodo. Na zona leste, dois alvos são o Chico Rosa Parrila Bar e o Salomé Bar. Um vizinho do Chico Rosa, que pediu para ter a identidade preservada, conta que seu pai, de 75 anos, precisou sair da casa há seis meses, devido ao barulho. “O problema é que o quarto dá de frente para a rua e até 1h ou 2h da manhã tem muito barulho de pessoas falando alto. O que incomoda, é que as pessoas alcoolizadas saem na rua fazendo muito barulho, falam alto e perdem totalmente a noção. Tiram o sono de qualquer um. E as pessoas que dormem cedo e acordam cedo, como é o caso do meu pai, se incomodam muito. Esse barulho é sempre nas sextas, sábados e feriados. Quem está tentando descansar, acorda e não consegue dormir mais”. Ele reclama também da falta de respeito dos frequentadores do bar. “Já aconteceu de eu ficar preso para fora e não conseguir entrar porque tinha carro estacionado em frente a minha garagem”.

André Luiz Formigoni, professor e militar da reserva das Forças Armadas mora ao lado do Chico Rosa e da nova unidade do Salomé Bar, instalada a poucos metros um do outro. Ele afirma que o bar havia diminuído o som, mas que, nos últimos finais de semana voltou a fazer barulho até tarde da noite. No último final de semana, André recebeu ligações de cinco vizinhos reclamando do som alto vindo dos dois bares. “Estava viajando e precisei retornar para casa devido às inúmeras reclamações dos meus vizinhos por causa de um evento no Chico Rosa e ao Salomé, que mudou de lugar e agora está a 30 metros do Chico Rosa. Ambos estavam com som muito alto e abertos até cerca de 1h ou 2h. No domingo me reuni com os vizinhos para pensarmos numa ação”.

Tomam conta da rua

Além do som alto, assim como em outros bares, a bagunça dos frequentadores que saem alcoolizados incomoda os moradores da região. “Nós temos um problema também que não é diretamente do bar, mas derivado dele: os frequentadores. Eles estacionam os carros aqui nessa rua e saem, por exemplo, uma hora da manhã, embriagados, ligam o som do carro alto, conversam alto, gritam, temos também cenas de sexo de casais fora dos carros, garrafas de cerveja long neck, cápsulas de droga etc.” Em relação ao Salomé, André afirma que desde sua inauguração, em 1º de maio, o som alto vai até às 2h da manhã.

Moradores do Jardim Santa Rosália presenciam até cenas de sexo nas proximidades de bares - ARQUIVO PESSOAL
Moradores do Jardim Santa Rosália presenciam até cenas de sexo nas proximidades de bares (crédito: ARQUIVO PESSOAL)

O evento mencionado por André ocorreu no sábado (6), em comemoração aos 15 anos do Chico Rosa. A reportagem esteve no local e observou que uma faixa da avenida São Francisco, na altura do bar, foi bloqueada em ambos os lados, para estacionamento irregular de veículos dos frequentadores. “Falei com o gerente do bar e expliquei que estamos conversando há dois anos e que se isso não parar, vamos entrar com processo. Eu filmei e tinha até carro na contramão. O que nós observamos é que existem bares que são fiscalizados e outros que não são fiscalizados”.

Questionada sobre o bloqueio da avenida para estacionamento de carros dos clientes do Chico Rosa, a Secretaria de Mobilidade (Semob) informou que a interdição parcial da via, das 10h às 19h, no trecho entre os números 343 e 307, foi autorizada, a partir de solicitação previamente feita via ofício ao órgão competente. “A sinalização do local foi providenciada corretamente, a cargo do responsável pelo evento, conforme prevê o Artigo 95 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, respondeu o órgão público.

André afirma que a PM já foi chamada, assim como reuniões com o poder público também foram realizadas. “Em todas as reuniões, falamos o que seria necessário, mas eles tinham duas alegações: primeiro, que estavam sem viatura, ou tinham funcionários de férias, ou que, às vezes estavam sem o decibelímetro, que é o aparelho para medir o volume e o ruído. O aparelho custa R$ 500. Eu até propus a eles de nós comprarmos o aparelho. Os moradores compram dois ou três e fazem a doação ao município. Afinal, somos só nós que sofremos com isso”, afirmou, concluindo que “aqui é um bairro majoritariamente de idosos, o mais novo sou eu que tenho 45 anos”.

Polícia e Prefeitura dizem que coíbem excessos

"Pessoas alcoolizadas saem na rua fazendo muito barulho, falam alto e perdem totalmente a noção", denuncia vizinho de bar - FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023)
"Pessoas alcoolizadas saem na rua fazendo muito barulho, falam alto e perdem totalmente a noção", denuncia vizinho de bar (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (24/3/2023))

A Polícia Militar, por meio do Sétimo Batalhão do Interior, esclarece que desenvolve a Operação Integrada, em conjunto com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Polícia Civil e órgãos de fiscalização. Um dos objetivos da ação é coibir a perturbação de sossego. De acordo com a nota, quando constatada a existência da perturbação do sossego, e tendo sido identificada a origem da perturbação em si, é realizado o contato com o autor, para que seja cessada tal contravenção, sendo realizado o devido registro, elaborada documentação pertinente e aplicada a medida administrativa adequada ao caso concreto.

A PM orienta que a vítima se identifique no local, para os registros necessários e condução das partes para a confecção de boletim de ocorrência. Ainda esclarece que “atua de forma proativa e desenvolve ações e operações frequentes e pontuais com vistas à manutenção da ordem pública, em especial relacionadas à perturbação de sossego, e com o apoio da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), que possui equipamento adequado para a medição de ruídos e autuações de competência municipal”.

Em nota, a Prefeitura de Sorocaba, por meio da Seção de Fiscalização, ligada à Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (Seurb), afirmou que vem executando, de forma frequente, ações fiscalizatórias em estabelecimentos comerciais no município e informa que todos os locais mencionados pela reportagem estão inseridos no cronograma regular de fiscalizações de estabelecimentos comerciais com funcionamento noturno, bem como já foram fiscalizados pela Seção de Fiscalização, inclusive com aferição in loco dos níveis de ruído emitidos por estes, por meio do aparelho conhecido como sonômetro, e tomadas todas as providências cabíveis nessas averiguações.

O sonômetro foi adotado, nesses casos, como equipamento adequado para medir ruídos pela NBR 10151/2019. O custo de cada aparelho é de cerca de R$40 mil.

Proprietários incomunicáveis

O jornal Cruzeiro do Sul tentou contato por e-mail e diversas vezes por telefone com todos os bares mencionados nesta reportagem. Apenas Wellington Martins, proprietário do Amora Bar, respondeu aos questionamentos. Ele explicou que comprou o bar há três meses e, desde então, está realizando todas as manutenções exigidas pelo poder público, como mantas e borracha acústica para isolamento do som. “Tenho um prazo de 90 dias para resolver essas questões. Estou fazendo tudo o que é necessário”, disse. (Virgínia Kleinhappel Valio)

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