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Pop Rua Jud

Mutirão no SOS atendeu em torno de 300 moradores de rua

Pessoas em situação de vulnerabilidade tiveram a oportunidade de emitir, renovar ou atualizar documentos e cadastros, consultar FGTS, passar por consultas na área da saúde, realizar a regularização no serviço militar e até mesmo cortar o cabelo

09 de Maio de 2023 às 23:01
Virginia Kleinhappel Valio [email protected]
Além do resgate humano e da autoestima, ação proporcionou que pessoas
Além do resgate humano e da autoestima, ação proporcionou que pessoas "esquecidas" voltassem a condição de cidadão (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO (9/5/2023))

O projeto Pop Rua Jud, que trouxe a Sorocaba o 1º Mutirão de Atendimento Especial para Pessoas em Situação de Rua terminou ontem (9), após dois dias de atendimentos em diversas áreas como justiça, cidadania, assistência social e saúde. A ação foi realizada das 9h às 15h no Serviço de Obras Sociais (SOS) de Sorocaba e atendeu pelo menos 300 cidadãos que vivem em situação de vulnerabilidade e que tiveram a oportunidade de emitir, renovar ou atualizar documentos e cadastros, consultar FGTS, passar por consultas na área da saúde, realizar a regularização no serviço militar, receber orientações jurídicas, cadastramento de currículo por meio do Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) e até corte de cabelo.

O mutirão é uma parceria entre Prefeitura de Sorocaba, Tribunal Regional da 3ª Região (TRF3), 10ª Subseção Judiciária Federal e Receita Federal. “O objetivo é dar condições às pessoas em situação de rua e em alta vulnerabilidade de receber o atendimento necessário, com uma junção de serviços oferecidos. Aqui estão vários órgãos de âmbito federal, estadual e municipal. Há pessoas que chegam com demandas da saúde, de emprego -- temos o PAT aqui que já faz o currículo da pessoa e manda para as agências -- e uma série de outras situações que estamos conseguindo ajudar a população carente”, disse o secretário municipal de Cidadania, Cleiton Lustosa. As pessoas passaram por uma triagem para identificar as necessidades de cada um. “As pessoas estão vindo até nós. É um serviço que eles mesmo estão procurando, por conta própria”, explicou o secretário.

Voltar a ser gente

Quem estava no mutirão para emitir novos documentos é Fabiana Cristina de Oliveira, de 40 anos. Ela é natural de Capão Bonito, mas se mudou para Sorocaba aos 15 anos. Desde a morte de sua mãe, há dois anos e meio, ela vive nas ruas: “Os meus documentos foram jogados no rio Sorocaba por um desses malucos que a gente encontra nessas ruas sombrias”.

Fabiana tem quatro filhos, dois deles menores de 18 anos, que vivem com o pai. O problema com as drogas começou na adolescência: “Primeiro foi a maconha e o álcool, depois veio a cocaína, em seguida, o crack”. A dificuldade de abandonar as drogas se ampliou após Fabiana ter sido estuprada nas ruas. “Depois disso, fiquei com tanta raiva, que me joguei no crack”.

Semanas atrás, ela sofreu uma hemorragia devido “ao uso constante do aço ao fumar crack”. Foi então que desejou mudar. Fabiana afirma que estava sem usar drogas e ingerir álcool há quatro dias. “Eu quase morri. Então tomei a decisão de abandonar meu vício, me levantar e começar tudo de novo. Escrever uma nova história, do zero. Estou com 40 anos e se não tomar essa decisão, vou morrer na rua, da maneira mais cruel possível e não é essa a lembrança eu quero que meus filhos tenham de mim”.

Para abandonar o vício, Fabiana buscou a Deus. “No sábado (6) tive a decisão de jogar os ‘caninhos’ pelo ralo. No domingo (7) a gente congregou. Foi uma plenitude e estou me sentindo forte para largar meu vício, com a ajuda espiritual não tive recaída e estou em paz”.

Fabiana disse que se considera “gente de novo” com a nova documentação em mãos: “É uma gratidão, é divino. Não sei quem teve essa iniciativa de trazer esse mutirão para cá, mas isso vai resgatar a gente, foi uma surpresa enorme. Essa parte da documentação vai resgatar nossa essência , porque nós somos humanos também. Não precisamos morrer jogados no mato, no rio, sem nenhuma documentação e sem a família saber, isso é muito cruel”.

Com brilho nos olhos, ela disse que iria aproveitar o mutirão para cortar e cuidar do cabelo. “Quero dar um talento em mim. Cuidar de mim, estou precisando. Deixei de ser mulher, parece que morreu a minha essência de mulher. Hoje quero resgatar isso de volta”.

“Cheguei a beber álcool de posto”

Giancarlo Valmir Branco, de 42 anos, é natural de Sorocaba e vive nas ruas há mais de três anos. Embora tenha mãe que vive na cidade e o pai que mora em Campinas, o vício falou mais alto e levou Giancarlo às ruas, longe da família. “O alcoolismo me levou para a rua. Hoje estou há cinco dias sem usar nada, mas além do álcool, já tive problemas sérios com maconha, crack e cocaína. Cheguei até a tomar álcool de posto. Uma vez eu estava com pouco dinheiro, fui com 3 reais no posto e comprei o álcool”, contou.

No mutirão, Giancarlo teve a chance de emitir os documentos que havia perdido e aproveitou para cuidar de si. “Fiquei sabendo do mutirão porque sempre estou aqui no SOS. Hoje cortei meu cabelo, achei super legal. Também vou resgatar meu RG e tirar os documentos que perdi”. Ele garante que não iria ficar somente para o mutirão, mas também para o acolhimento no SOS.

“Enquanto eles deixarem eu ficar aqui, participando do acolhimento para me ajudar a me livrar desses problemas da minha vida, eu vou ficar. Quem sabe a minha família me aceite de volta? Viver na rua é tão difícil. Na rua aparecem tantos problemas. Abandonei as drogas. Sei que não sou a melhor pessoa do mundo, mas também não preciso ser a pior”, disse. (Virginia Kleinhappel Valio)