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Sorocaba

Forma como desassoreamento do rio Sorocaba é feito recebe questionamento de especialistas

Trabalho causa afunilamento do leito, favorece surgimento de bancos de areia e danifica a vegetação nativa

14 de Abril de 2023 às 23:01
Ana Claudia Martins [email protected]
A atual fase do desassoreamento, feita em parceria com o Estado, por meio do DAEE, começou em fevereiro
A atual fase do desassoreamento, feita em parceria com o Estado, por meio do DAEE, começou em fevereiro (Crédito: CEZAR RIBEIRO (13/4/2023))

 

As obras de desassoreamento do rio Sorocaba têm chamado a atenção de quem passa pela avenida Dom Aguirre, em diferentes pontos, em razão do afunilamento do leito e a formação de bancos de areia, além da danificação da vegetação nativa em suas margens.

A situação é percebida, por exemplo, nas proximidades da Usina Cultural, ao lado da praça Lions, próximo ao Clube do Idoso, e também próximo da ponte da Radial Norte, na região do Jardim Brasilândia. Outra preocupação é com os peixes e com os animais e aves que vivem no entorno do rio, visto que os trabalhos também afetam a qualidade da vida das espécies por conta das máquinas que estão realizando as obras. A falta de regularidade dos trabalhos também é contestada.

Questionado, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) afirmou que segue com o desassoreamento do trecho urbano do rio Sorocaba e que já retiraram, desde o início dos trabalhos, em maio de 2022, 83,5 mil metros cúbicos de sedimentos do leito e das margens do manancial. “O volume é equivalente ao conteúdo de aproximadamente sete mil caminhões repletos”, informou o Saae.

Especialistas em meio ambiente e recursos hídricos afirmam que o desassoreamento é uma medida paliativa e que sua eficácia é mais pontual, ou seja, para evitar enchentes. Mas, a médio e longo prazo, é preciso políticas públicas que de fato possam manter e preservar o rio Sorocaba, Áreas de Preservação Permanente (APPs), bem como o planejamento do crescimento urbano e dos recursos hídricos, entre outras medidas.

Para execução desses trabalhos, o Saae garantiu que cumpre com todos os trâmites necessários de licenciamento ambiental, seguindo os mais modernos requisitos de engenharia. No momento, os trabalhos estão concentrados em dois pontos do rio, nas proximidades do Clube do Idoso, no bairro de Pinheiros, e da ponte da Radial Norte. Duas dragas e uma escavadeira hidráulica são usadas no serviço, além de caminhões para fazer o transporte do material removido. A expectativa é que, nesses dois pontos, cerca 26,2 mil metros cúbicos de sedimentos sejam retirados do curso do rio Sorocaba.

Sobre a eficácia do desassoreamento, o Saae disse que os principais benefícios dessas obras são a remoção de bancos de areia que causam afunilamento da calha; melhora no fluxo de escoamento das águas; redução da possibilidade de sobre-elevação da lâmina de água e retirada de sedimentos acumulados nos dois cursos de água. “Além do desassoreamento, o Saae mantém continuamente a roçagem e a conservação das margens do rio”, informou a autarquia.

Especialistas contestam

É visível o aparecimento de bancos de areia em vários trechos do rio Sorocaba, além do afunilamento do leito - FÁBIO ROGÉRIO
É visível o aparecimento de bancos de areia em vários trechos do rio Sorocaba, além do afunilamento do leito (crédito: FÁBIO ROGÉRIO )

Para o engenheiro ambiental e coordenador do curso de Engenharia Ambiental da Universidade de Sorocaba (Uniso), Renan Angrizani de Oliveira, a cidade precisa ter outras meios para a drenagem de toda a água da chuva. Hoje, somente o rio Sorocaba faz esse papel. Além disso, ele afirma que o desassoreamento tem o intuito de conter o transbordamento do rio e evitar os alagamentos, como os últimos que ocorreram no período chuvoso, no meses de fevereiro e março. “Os bancos de areia que estão aparecendo no rio Sorocaba é por conta da redução da vazão da represa de Itupararanga, pois já entramos no período seco e com bem menos chuvas”, disse Renan.

Sobre a vegetação nativa às margens do rio, o engenheiro disse que para a passagem das máquinas que são utilizadas nos trabalhos, uma parte acaba sendo danificada. “Por isso, precisa ocorrer uma ação mitigadora, ou seja, uma compensação ambiental eficaz para realmente recuperar a vegetação nativa que foi afetada. As áreas verdes e as Áreas de Preservação Permanente (APPs) também precisam conservadas, mesmo em outras regiões da cidade”, defendeu Renan.

Para o vice-presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica Sorocaba e Médio Tietê (CBH-SMT), e coordenador da Câmara Técnica de Planejamento e Gerenciamento de Recursos Hídricos, professor André Cordeiro Alves dos Santos, as obras de desassoreamento do rio Sorocaba são para resolver problemas pontuais, como os alagamentos e enchentes recentes que ocorreram nos meses de fevereiro e março. “Fazer a dragagem do rio, e neste período que ainda chove, é enxugar gelo e não resolve o problema de fato. Sem falar a destruição da vegetação nativa nas margens do rio onde os trabalhos são feitos e da vida aquática. Então, é somente uma medida paliativa e que a longo prazo não tem resultado algum, ou seja, no próximo período chuvoso podemos ter novamente os alagamentos e as enchentes”, afirmou André.

Para resolver a questão das enchentes e dos alagamentos na cidade, o especialista disse que é preciso atacar a questão da impermeabilização do solo, ou seja, evitar que toda a água da chuva, terra, sedimentos, entre outros, tenham como único destino o rio. “Então, o desassoreamento a longo prazo não resolve. É preciso pensar e investir em outras alternativas e as bacias de contenção não são mais a única solução e nem a mais moderna. Uma solução mais inteligente são parques com áreas verdes e o investimento em áreas com solo que possa absorver a água da chuva, por exemplo”, explicou.

O professor André disse, ainda, que outra questão são os novos empreendimentos imobiliários que são aprovados constantemente na cidade. “Precisa existir planejamento público para que existam outros locais para a drenagem da água”, defendeu.

Em artigo publicado recentemente pelo Cruzeiro do Sul, o advogado, escritor, jornalista, professor aposentado e presidente da Academia Votorantinense de Letras, Artes e História, Roque Dias Prestes, abordou a questão do rio Sorocaba. Para ele, a gestão municipal precisa, com urgência, um trabalho de afundamento do leito do rio Sorocaba, bem como, ainda que sacrificando a vegetação das suas margens, alargá-las para proporcionar o escoamento das águas.

Especialistas dizem que desassoreamento é obra paliativa e é necessário pensar em outras formas de drenagem - CEZAR RIBEIRO (13/4/2023)
Especialistas dizem que desassoreamento é obra paliativa e é necessário pensar em outras formas de drenagem (crédito: CEZAR RIBEIRO (13/4/2023))

“Esse vultoso trabalho de afundamento e desassoreamento do leito do rio Sorocaba deve começar na divisa de Sorocaba como o município de Iperó e seguir até a divisa com Votorantim, devendo, também, a prefeita da ‘Capital do Cimento’ fazer o mesmo, desde o bairro da Chave até a divisa com Sorocaba. Não é preciso ser engenheiro, ou expert em qualquer outra área do conhecimento humano para concluir que não há outra maneira de resolver o problema das enchentes nas áreas suscetíveis -- ou seja, nas partes baixas -- por onde passa o rio Sorocaba”, destaca.

Fase atual

O Saae informou que a atual fase de desassoreamento, que teve início em fevereiro, é feito em parceria com o Governo do Estado de São Paulo, por meio do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), que gerencia o Programa de Revitalização e Sustentabilidade Hídrica -- Rios Vivos. “No ano passado, a autarquia já havia feito o trabalho de desassoreamento em três locais, todos na zona urbana e também em parceria com o Estado. Naquela ocasião, também como parte do contrato, 20 mil metros cúbicos foram retirados do córrego Itanguá, na região do Jardim Marli e Jardim Itapemirim, na zona oeste. No final de 2022 e início de 2023, a ação prosseguiu, com recursos próprios da autarquia e foram retirados, nesse córrego, outros três mil metros cúbicos de sedimentos. Os trabalhos prosseguem para a construção de bolsões para prevenir alagamentos em caso de chuva intensa”, disse o diretor-geral do Saae, Tiago Suckow.

O Cruzeiro do Sul também questionou o Daae sobre as obras de desassoreamento do rio Sorocaba, mas até o fechamento desta edição não houve resposta. (Ana Claudia Martins)

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