Saudade de casa
Refugiados ucranianos decidem voltar ao seu país, apesar da guerra
Dificuldades de comunicação e de conseguir emprego pesaram na decisão das quatro famílias que vivem em Sorocaba
A guerra entre Rússia e Ucrânia completa um ano nesta sexta-feira (24) e, desde que o conflito começou, milhares de pessoas saíram do país em busca de uma vida melhor, de esperança. Uma das cidades brasileiras que receberam refugiados foi Sorocaba. Entretanto, alguns percalços fizeram as quatro famílias que vivem no município, atualmente, optar por voltar à sua terra natal, apesar de o cenário ainda estar incerto por lá.
A decisão foi tomada, sobretudo, pelas dificuldades para se comunicarem e para conseguirem trabalho no território brasileiro. Uma das ucranianas contou, em entrevista realizada com uso de tradutor online, que “foi uma experiência intensa e inesquecível, cheia de ganhos, mas a saudade da Ucrânia é maior, ainda mais depois do falecimento do meu pai (que servia ao país na Guerra) e que a falta de trabalho aqui pesa bastante na decisão”, diz Valéria Okorokova, de 21 anos.
A jovem chegou a Sorocaba em maio de 2022 acompanhada da mãe e de uma irmã por meio da iniciativa de um conglomerado de 100 mil igrejas, em 108 países, do grupo Global Kingdom Partnershio Network (GKPN). Entre adultos e crianças, a cidade abriga hoje 17 refugiados ucranianos que são acompanhados e auxiliados, também de maneira financeira, pela Igreja Família - escolhida pela rede para receber as famílias na cidade.
Segundo o pastor Eduardo Bortolossi, representante da igreja, a questão do trabalho é complicada, mesmo a igreja prestando ajuda nessa parte. “Não foi só aqui, essa dificuldade foi enfrentada por todos os ucranianos que estão em São José dos Campos e Paraná, por exemplo, e praticamente todos estão decidindo retornar para a Ucrânia”, explica.
Para esse retorno, a instituição também tomou a frente. Aproveitando o benefício disponibilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela GKPN, os trâmites já estão sendo providenciados. No início do próximo mês, inclusive, os refugiados devem ir a Brasília para tirar os novos passaportes e encaminhar o processo junto ao cônsul ucraniano.
O acompanhamento da igreja ocorre semanalmente e assim será mantido até o retorno à Ucrânia. “O processo de documentação já foi iniciado e deve ser concluído em breve. Até lá, continuamos mantendo a todos”, complementa Bortolossi. “A Igreja Família nos ajudou e nos aceitou como refugiados em Sorocaba. Não conseguiríamos vir sozinhas, já que seria difícil atravessar o oceano sem apoio. Foi importante essa ajuda”, diz Valéria.
Sobre a perspectiva para os próximos meses, a jovem afirma que a fé é sua maior força. “Sei que estarei sob proteção de Deus. Não sei se a guerra termina rapidamente, porque é uma situação política difícil e tudo está indo para o terceiro mundo, entretanto estou pronta para ajudar minha família, mesmo que seja difícil”, ressalta.
Contato difícil
Nos primeiros meses no Brasil, Valéria mantinha contato nos poucos momentos que podia com a avó, tia e pai. Porém, infelizmente, em outubro do ano passado, seu pai, que ficou na Ucrânia para servir ao país devido a uma determinação local, faleceu. Ele foi um dos mais de 300 mil soldados e civis russos e ucranianos mortos no confronto.
“Meu pai morreu como um herói, defendendo nosso país. Ainda é difícil falar disso, pois perder um ente querido é uma dor insuportável, por isso quero voltar à minha terra natal”, desabafa.
Arte que salva
Com a falta de emprego e tendo aptidão para a arte, Valéria passou a produzir quadros que servem, também, para arrecadar dinheiro para retornar à Ucrânia e ajudar com os gastos no Brasil. “Às vezes, pinto obras surreais, voltadas para sentimentos íntimos. Mas, nessa fase da vida, comecei a me desenvolver espiritualmente e a fazer pinturas religiosas, que personificam meu amor a Deus e a minha fé. Em geral, através da arte, eu conheço o mundo e o conduzo”, finaliza.
As obras produzidas por Valéria podem ser adquiridas na Papelaria Pedagógica localizada no Centro. Os quadros custam cerca de R$ 200. (Thaís Marcolino)