Buscar no Cruzeiro

Buscar

Sorocaba

40 anos da tragédia do Tancão da Vila Barão

Família sobrevivente relata como foram os momentos de medo e angustia na época

05 de Fevereiro de 2023 às 00:01
Vanessa Ferranti [email protected]
Foto da época mostra o caminho em que a água passou deixando montanhas de lama
Foto da época mostra o caminho em que a água passou deixando montanhas de lama (Crédito: ARQUIVO JCS)

Ao visitar a Vila Barão e o Jardim Nova Esperança, em Sorocaba, 40 anos após o rompimento do Tancão, já não é mais possível perceber que houve uma tragédia na região. Os bairros, hoje formados por casas e comércios, passaram por muitas mudanças. Mas quem viveu os momentos de medo e angústia jamais esquecerá o que aconteceu em 6 de fevereiro de 1983.

A família Faria foi uma das vítimas do rompimento da represa. Na ocasião, a casa em que morava e a criação de animais que havia no sítio foram levadas pela enxurrada — assim como mais duas residências. Porém, os membros da família se salvaram, graças à atitude de Helio Siqueira Faria, na época com 29 anos. O pai, a mãe e os irmãos de Helio moravam em uma residência à beira da rua Itanguá, em uma baixada, a cerca de 500 metros do Tancão. Já o rapaz, vivia com a sua esposa e os filhos em outra casa no mesmo bairro, em uma região com vista para o local. Às 5h da manhã de um domingo, Helio, sem motivo especial, acordou e decidiu ficar na rua. Cerca de 45 minutos depois, Hélio ouviu um forte barulho vindo da barragem e presenciou o momento em que o Tancão se rompeu. O jovem correu gritando para avisar a todos sobre a enxurrada que descia até chegar à residência de seu pai. Os moradores da área atingida acordaram e correram para pontos mais altos. Pelo menos 28 pessoas foram salvas.

Helio, Lucelia e Oselia lembram da história do rompimento, que matou uma pessoa, e contam como sobreviveram - VANESSA FERRANTI (4/2/2023)
Helio, Lucelia e Oselia lembram da história do rompimento, que matou uma pessoa, e contam como sobreviveram (crédito: VANESSA FERRANTI (4/2/2023))

Na época, Helio disse em entrevista ao jornal Cruzeiro do Sul que “parecia coisa de Deus”, por ter acordado naquele horário justamente no dia da tragédia. Hoje, aposentado, aos 69 anos, ele reforça novamente à reportagem, “parece que foi Deus que falou que o Tancão estourou”, e relembra a cena. “Nesse dia não estava chovendo. Era um dia de sol quente, Carnaval. Eu vi a explosão e o chafariz de água caindo. Eu avisei os vizinhos para correr com a família e quando cheguei na casa dos meus pais, eles pularam da cama. Parecia Brumadinho”, compara. “Mato, lama, tudo descendo e virando tudo”.

Oselia Siqueira Faria, irmã de Helio, hoje com 66 anos, também dormia na residência no momento da tragédia. Ela conta que ao acordar, abriu a janela e viu uma grande onda chegando. “A água já estava na altura da metade de um poste. Eu fechei a janela e imaginei que a água iria apenas molhar, mas não levaria nada. Quando sai pela porta da cozinha, a porta da sala estourou. A onda gigante bateu na casa e levou tudo. Só estamos aqui graças ao Helio, se não, morria todo mundo”.

Animais foram mortos pela força da água - ARQUIVO JCS
Animais foram mortos pela força da água (crédito: ARQUIVO JCS)

Porém, apesar da maioria ter sido salva, o rompimento do Tancão resultou na morte de uma pessoa. Zulmira de Moura Souza morava em uma casa ainda mais próxima da represa. Segundo relatos publicados pelo Cruzeiro do Sul na época, a mulher chegou a correr para fora da casa, mas foi levada pela onda gigantesca que arrastou também galhos, arbustos e pedras da barragem. Já o seu esposo e filha conseguiram se salvar.

Profecia?

A família Faria conta que o Tancão era estreito na parte de cima, fundo, com a parte debaixo larga e resistente. Oselia relembra que entre 1981 e 1982, o Jardim Nova Esperança começava a ser criado, com novas casas, próximas da barragem. As terras dos terrenos eram removidas por máquinas e com a chuva, tudo foi sendo levado para o fundo do Tancão que teria entupido — o que pode ter ocasionado o rompimento. Porém, um ano antes da tragédia acontecer, os moradores solicitaram a ajuda da Prefeitura, já que no local haviam dois tanques, e um, de volume menor, já tinha rompido anteriormente. 

Escombros de casas e construções dos locais atingidos - ARQUIVO JCS
Escombros de casas e construções dos locais atingidos (crédito: ARQUIVO JCS)

Na ocasião, a água chegou a encostar na residência, mas não levou a casa. Em 28 de janeiro de 1982, o jornal Cruzeiro do Sul chegou a publicar em uma reportagem o relato de Manoel José da Silva, morador do local. Ele dizia “Será que vão esperar a barragem vir abaixo e a água matar mais gente ainda para tomarem uma providência?” — já que segundo relatos da época, pessoas se aventuravam a nadar no Tancão e morriam afogadas. Em 6 de fevereiro de 1983, Manoel foi uma das vítimas que perdeu a residência. Helio e Oselia relatam que o pai também alertava a todos sobre o futuro do Tancão.

Atualmente

Após a tragédia, e com muita cobrança dos moradores, a Prefeitura pagou uma indenização para as famílias vítimas do rompimento da barragem. A família Faria, por exemplo, recebeu um novo terreno para a construção de uma nova casa e uma quantia em dinheiro.

As famílias que moravam no sítio também enfrentavam uma batalha na ocasião, pois eram posseiros e lutavam na Justiça pelo usucapião da área, que segundo constava, era de propriedade da Companhia de Desenvolvimento de Sorocaba (Codeso) -- empresa transformada na Urbes - Trânsito e Transportes, porém, na época, realizava a execução de programas de obras de desenvolvimento de áreas urbanas. Assim, após a tragédia, as famílias se mudaram dali. Já a família Faria teve direito a uma parte do sítio, onde atualmente, existe um pesqueiro administrado pelo filho de Helio. No local há um lago, lanchonete e brinquedos para receber os clientes.

Local que abrigou o antigo Tancão hoje é tomado por casas e árvores - VANESSA FERRANTI (4/2/2023)
Local que abrigou o antigo Tancão hoje é tomado por casas e árvores (crédito: VANESSA FERRANTI (4/2/2023))

Hoje, Helio vive bem, tem uma grande família, com filhos e netos. Mas, após 40 anos, ele, sua esposa Lucelia Pereira Faria e a irmã Oselia, ainda se emocionam ao lembrar as cenas assistidas e guardadas na memória. “Hoje é só gratidão a Deus. Porque tudo o que aconteceu foi para o nosso bem. Fortaleceu, uniu a nossa família. Tiramos disso uma lição. A vida de todo mundo da nossa família foi salva”, ressaltam. (Vanessa Ferranti)

Galeria

Confira a galeria de fotos