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Saúde pública

Campanha ‘Janeiro Branco’ motiva cuidar da saúde mental

Especialista lembra que há estigmas à busca por ajuda médica; veja casos de superação

15 de Janeiro de 2023 às 00:01
Vinicius Camargo [email protected]
Neste ano, o tema da iniciativa é A Vida pede Equilíbrio
Neste ano, o tema da iniciativa é A Vida pede Equilíbrio (Crédito: Reprodução)

“Nos piores momentos, eu tinha até falta de ar e chorava compulsivamente.” O relato é da assistente de logística Juliana Cristina Nunes, de 38 anos. Embora curta, a frase é carregada de angústia, pois revela como ela se sentia durante crises de ansiedade. Quando a situação chegou a esse ponto, e ela não conseguiu mais lidar com aquele quadro sozinha, procurou ajuda psicológica. A campanha Janeiro Branco visa justamente motivar todos a agir como Juliana e cuidar da própria saúde mental. Neste ano, o tema da iniciativa é A Vida pede Equilíbrio.

Juliana Cristina Nunes - ARQUIVO PESSOAL
Juliana Cristina Nunes (crédito: ARQUIVO PESSOAL)


Segundo o psiquiatra Jorge Henna Neto, de 57 anos, professor voluntário da Liga de Saúde Mental de Sorocaba, o principal objetivo da campanha é combater preconceitos sobre saúde mental. Conforme o especialista, a sociedade ainda possui muitos estigmas em relação à busca por ajuda psicológica ou psiquiátrica. Por isso, muitas vezes, as pessoas são negligentes consigo mesmas. Porém, a conduta deve ser exatamente a contrária. Jorge diz que todos devem fazer uma auto-observação e, caso desconfiem de algum transtorno, têm de procurar auxílio. “Todos nós estamos suscetíveis a alguma forma de transtorno psiquiátrico e, consequentemente, a algum tipo de sofrimento, porque a maior parte das pessoas sofre quieta”.

 

Apoio e diálogo

Psiquiatra Jorge Henna Neto  - ARQUIVO PESSOAL
Psiquiatra Jorge Henna Neto (crédito: ARQUIVO PESSOAL)


Além da ajuda, é essencial falar sobre os problemas com os círculos sociais. De acordo com o médico, pessoas próximas podem ser uma “rede de apoio”. Com isso, tornam-se mais uma fonte de assistência. Ainda segundo Jorge, o diálogo sobre essas questões é importante porque o outro pode identificar aquilo que o paciente não notou. “Às vezes, a gente não percebe, mas algum amigo, familiar ou pessoa próxima está passando por algum problema. Então, é um modo de percebermos isso não só em nós, mas nas pessoas que nos circundam também", explicou.

 

Ansiedade

O psiquiatra informa que diversos transtornos acometem os brasileiros, mas a ansiedade é o principal. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) corrobora essa informação. Conforme o estudo, o Brasil tem o maior número de ansiosos do mundo: 9,3% da população sofre desse problema.

O País também é o quinto em casos de depressão, com 5,8% dos habitantes afetados pela doença. De acordo com Jorge, a ansiedade deixa de ser normal quando começa a prejudicar a vida. Alguns sinais da necessidade de tratamento são quando esse sentimento incomoda, atrapalha o dia a dia, as tarefas diárias e as satisfações usuais.

Além dos ansiosos, os eufóricos -- cujo cotidiano é baseado em pensamentos alegres, satisfações e felicidade o tempo todo -- também precisam de acompanhamento. Crises de pânico, entristecimento fora do normal e perda do sono, por exemplo, são indicativos de outros problemas e também requerem a busca por assistência. De acordo com o especialista, quando alguém observa e aponta um possível problema no comportamento da pessoa é outro indício.

Mesmo sem nenhuma adversidade, caso queira, que também quiser pode fazer psicanálise simplesmente para se autoconhecer.

 

Tratamentos

Os tratamentos estão mais complexos, não bastando somente terapia e medicação, segundo Jorge. Há maior dificuldade, esclarece ele, devido a três pontos principais da sociedade atual causadores de maior preocupação e abalo emocional. São eles: política, finanças e questões passionais, como as relações menos duradouras.

Jorge informa que a pessoa pode recorrer a auxílios periféricos e centrais. Os primeiros são de responsabilidade do próprio paciente. Englobam prática regular de exercícios físicos, alimentação saudável, tomar sol, ter sono adequado e fazer exercícios mentais, como palavras-cruzadas, xadrez, discutir notícias, ler poemas, dentre outros.

Uma forma importante de cuidar é fazer uso de terapia, após a avaliação psiquiátrica com profissionais. “São pessoas treinadas para isso, com ouvidos treinados para isso, que dão conselhos e, às vezes, até medicamentos”, destacou o médico. Para ele, a assistência é fundamental, inclusive, para uma melhor qualidade de vida. “A pessoa com saúde mental, com paz interna consegue relaxar, descansar, pensar com clareza, ser mais intuitiva, equilibrada, entra menos em crises”, citou.

Da mesma maneira, o professor informa que as redes sociais impactam diretamente na saúde das pessoas. Isso porque elas transmitem grande quantidade de informações, por vezes, negativas. Por esse motivos, conforme Jorge, para um tratamento mais eficaz, o trabalho deve ser em conjunto com terapeutas ocupacionais, arte-terapeutas, educadores físicos, bem como profissionais.

 

Pandemia

A pandemia de Covid-19 é outro fator recente com influência na saúde mental de muita gente. Segundo o psiquiatra, ela causou, principalmente, ansiedade geral, devido à gravidade do vírus, alto número de mortes, protocolos sanitários, quantidade de informações, dentre outras coisas.

Contudo, para ele, a crise sanitária não piorou o cenário no País, mas foi um gatilho para alguns. “As pessoas que tinham pré-disposição a desenvolver um quadro psiquiátrico, a pandemia auxiliou na expressão dessa patologia”, apontou. “A pandemia não foi a causa do aumento, foi a causa da expressão de quem já ia desenvolver. Ela só antecipou a expressão genética da pessoa”, completou.

Políticas públicas

Na avaliação de Jorge, juntamente com o preconceito, a falta de políticas públicas adequadas é outro entrave para a promoção da saúde mental no Brasil. Conforme ele, embora haja Política Nacional de Saúde Mental, criada pelo governo federal, ela avançou pouco, nos últimos anos. De acordo com o especialista, a iniciativa prevê, exclusivamente, estratégias de tratamento para transtornos já existentes. Dessa forma, não abrange medidas para evitar o desenvolvimento de problemas e a consequente precisão de tratamento. “Elas são políticas curativas, e não preventivas”, reforçou. (Vinicius Camargo)

 


Períodos difíceis podem, com ajuda, ser superados


Juliana Cristina Nunes teve os primeiros sinais de ansiedade em 2014, após a morte do pai. Mas foi em 2016 que ela passou pela primeira crise forte, por conta de problemas pessoais. À época, não hesitou em procurar auxílio e iniciou uma terapia. No entanto, por questões pessoais, precisou parar. Foram quatro anos sem acompanhamento. Nesse período, a ansiedade tornou-se verdadeira inimiga. Os sintomas apareciam com frequência e o problema atrapalhava a sua vida. “Tinha dias que eu tinha muita dor, ficava muito tensa, com insônia. Em outros, tinha aumento do apetite -- queria descontar na comia -- ou a falta dele. Sofria com os dois extremos”, disse. “Até questões no trabalho, eu acabava não sabendo lidar de forma mais simples, porque nós que temos ansiedade sofremos muito por antecipação e levamos os nossos pensamentos para lugares onde não aguentamos lidar”, contou.

Para sair desse abismo, Juliana sabia que precisava retornar à terapia e assim o fez em 2020. “Coube olhar para mim, entender que eu não conseguia lidar sozinha com o que estava passando e que precisava de ajuda”, explicou. Segundo ela, durante os quase dois anos de acompanhamento, a sua saúde mental se transformou. Nas sessões, aprendeu a se autoconhecer. A partir disso, soube como enfrentar e, principalmente, controlar a ansiedade e os gatilhos. Também foram trabalhados os traumas e demandas desencadeadores desses problemas, para impedi-los de tomar conta da sua vida novamente.

Juliana considera que, sem o auxílio profissional, não teria alcançado esses resultados. “A terapia não é só para contar coisas que não foram tão legais. É justamente aquele momento em que posso, literalmente, ser eu, expressar a Juliana que tem dentro de mim e conseguir levar isso para a minha vida de forma mais leve”, comentou.

Controlar a ansiedade

O publicitário Daniel Sousa, de 25 anos, teve a primeira crise de pânico em 2019, ao sofrer preconceito no trabalho. Após o episódio, começou, prontamente, a terapia. Logo no início, descobriu não se tratar de uma situação isolada, pois ele sofria de ansiedade.

Daniel Sousa - ARQUIVO PESSOAL
Daniel Sousa (crédito: ARQUIVO PESSOAL)

O quadro se acentuou quando Sousa mudou-se para Sorocaba, em 2022. “Parecia que eu era um ser novo no mundo de novo”, disse.

A novidade o fez torna-se inquieto, inseguro e com excesso de pensamentos. “Eu ficava agitado demais, principalmente, à noite, e não conseguia dormir. Atrapalhou no trabalho, porque eu não sabia se as coisas dariam certo e ficava inseguro”, completou.

Como contou com auxílio terapêutico por três anos consecutivos, o rapaz superou esse momento delicado relativamente rápido, em cerca de um mês. Hoje, ainda enfrenta alguns momentos de ansiedade, mas sabe como agir, graças ao apoio profissional. E é por isso que, para ele, a assistência profissional é fundamental.
“Quando eu sentia isso, não sabia como agir e agia mal com as pessoas. Hoje, eu entendo, sei o que estou sentido, que é um sintoma de que eu posso estar ansioso com algo e já tento me acalmar”, explicou. Os recursos dele para relaxar são caminhar, correr, olhar para o céu e “ir respirar em um lugar arejado”.

Juliana e Sousa afirmam ser primordial deixar o preconceito de lado e procurar ajuda, se necessário. De acordo com ambos, ao fazer isso, a pessoa beneficia a si mesma, à sua saúde e à sua vida. Os dois recomendam, inclusive, recorrer ao amparo diante dos primeiros sintomas, porque isso impede o desenvolvimento de transtornos graves e profundos. “Nós percebemos o nosso corpo, os nosso sinais, sabemos o que realmente está acontecendo", pontuou ele. "Não deixe que isso vire um buraco muito grande dentro de você”, aconselhou Juliana. (Vinícius Camargo)

 

 

 

Caps têm programação para prevenção e compreensão do tema

 

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Sorocaba promoverão, durante todo o mês, diversas ações em alusão à campanha “Janeiro Branco”. De acordo com a Prefeitura, o objetivo é, por meio da abordagem do assunto, mobilizar a população em favor da saúde mental e contribuir para a compreensão do tema na sociedade.

Placa na fachada do Caps AD III "Saca Só" - DIVULGAÇÃO/SECOM
Placa na fachada do Caps AD III "Saca Só" (crédito: DIVULGAÇÃO/SECOM)

Os “Caps AD III Roda Viva”, “CAPS III Alegria de Viver” e a “Unidade de Acolhimento Infantojuvenil Fabrica de Sonhos” realizarão atividades de conscientização sobre a importância do cuidado com a saúde mental nos dois terminais de ônibus da cidade. No dia 26 de janeiro, as ações serão no Terminal Santo Antônio, das 16h às 19h, e, no dia 27, das 9h às 12h, no Terminal São Paulo. Haverá entregas de panfletos e dinâmicas de abordagens lúdicas, além de canto de coral e decoração com painel de fotos.

As unidades “Caps AD III Roda Viva” e “CAPS III Alegria de Viver” farão atividades semanais sobre o tema. São elas: oficinas, palestras, rodas de conversas, bem como iniciativas de cultura e lazer.

O “CAPS III Viver em Liberdade” desenvolverá projetos durante todo mês, que englobam a confecção de folders e frases de incentivo à dádiva da vida. O material será distribuído para a vizinhança do Caps, no Jardim Prestes de Barros, na atividade da caminhada.

Já o “CAPS III Arte do Encontro” terá rodas de conversa semanais. Nos encontros, grupos vão falar sobre a importância do cuidado com a saúde mental, aderência ao tratamento e manutenção de hábitos de promoção da qualidade de vida. Além disso, o “CAPS AD III Saca Só” abordará o tema com os grupos realizados ao longo do mês.

O “CAPS IJ Aquarela”, por sua vez, elaborará material audiovisual sobre a importância do autocuidado e atenção aos sinais do adoecimento psíquico. Igualmente, entregará folders sobre os locais onde é possível buscar ajuda. E o “CAPS IJ Ser e Conviver” realizará oficinas acerca do tema: “Como cuidar da saúde no cotidiano por meio do fazer”. Promoverá, ainda, rodas de conversa, com reflexões a respeito do que é saúde mental.

As Residências Terapêuticas farão entregas de materiais confeccionados pelos residentes para a vizinhança. Elas também organização passeios e atividades externas, possibilitando o lazer e a socialização, como forma de cuidado em saúde mental.

Crianças e adolescentes

Para crianças, adolescentes e seus responsáveis, haverá atividades de lazer para estimuar o respeito às diferenças, interação entre pais e filhos e mostrar a importância do brincar na construção de indivíduos mais saudáveis e seguros. Já com os projetos ao ar livre, a ideia é possibilitar um espaço reflexivo sobre o cuidado com o outro e também ressaltar a importância de “cuidar de quem cuida”.

Jornada de Saúde Mental

Outro trabalho será a 3ª Jornada de Saúde de Sorocaba, promovida pela Coordenação de Saúde Mental da Secretaria da Saúde (SES). O evento será dia 31, das 8h às 18h, no salão de vidro do Paço Municipal. O encontro reunirá profissionais da rede pública de saúde, “para uma aproximação da Rede de Atenção Psicossocial e a conscientização sobre a importância dos cuidados em saúde mental”, informou o governo municipal em material divulgado à imprensa. (Vinícius Camargo)

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