Natal
Ser Papai Noel exige preparação e ‘coração’
Três sorocabanos contam como é se transformar no bom velhinho todo fim de ano

Os aposentados Osnival José Bufalo, de 71 anos, e Eddyriso Brito Corrêa, 80 anos, bem como o motorista Luciano Pereira de Brito, 50 anos, levam vidas comuns durante quase todo o ano. Mas, quando chega dezembro, eles aderem às roupas e gorros vermelhos, barbas brancas, botas, cintos e óculos. Os três trabalham como Papais Noéis, para complementar suas rendas. Eles dizem que interpretar o personagem não é tarefa das mais fáceis e exige uma série de requisitos.
Osnival Bufalo começou a dar vida a essa figura nos anos 1980, voluntariamente, em entidades assistenciais e bairros de Sorocaba, enquanto ainda era bancário. Essa atividade tornou-se sua profissão há mais de dez anos. Hoje, atua em shoppings, comércios, escolas e Organizações Não Governamentais (ONGs). Para ele, ser o bom-velhinho é um desafio, pois um de seus principais objetivos é conquistar a confiança das crianças.
Segundo o aposentado, o dom nato é o principal atributo de um Papai Noel. “Isso vem do coração”, revelou, com um sorriso que se manteve durante toda a entrevista. Ainda conforme ele, as crianças têm expectativas em relação ao bom-velhinho. Assim, para corresponder ao esperado por esse público, características específicas também são necessárias. “Não é só vestir a roupa. Primeiro, precisa ter paciência, segundo, espontaneidade”, citou. Ele apontou carisma e empatia como outras qualidades essenciais.
As características físicas também contam. Osnival tem olhos claros, bem como barba e cabelos brancos. Inclusive, para ficar o mais parecido possível com o personagem, começa a deixar a barba crescer já em julho. Porém, de acordo com ele, atualmente, o mercado está mais acessível, e este deixou de ser o único padrão procurado. “Hoje em dia, todo mundo que tem a roupa vermelha, uma barba e espontaneidade tem chance”, comentou.
Representatividade
Luciano Pereira é a prova disso. Mais do que alegria, ele leva representatividade para crianças e adultos negros. Pereira é um bom-velhinho novato; fez o seu primeiro trabalho em 2021, para uma prefeitura da região. Para fazer o seu melhor, estudou, por meio de pesquisas na internet, sobre como interpretá-lo. Nas buscas, identificou a necessidade de ser simpático, alegre, brincalhão, sociável e ter a capacidade de conquistar pessoas.
O seu principal obstáculo foi vencer a timidez, mas garante tê-lo superado. “Quando eu vestia a roupa, falava: ‘a partir de agora, sou Papai Noel. Então, vou abraçar todo mundo, tirar fotos, brincar’”, contou, também sorridente. No início, ficou receoso, mas afirmou não ter sofrido qualquer tipo de preconceito. Pelo contrário. Segundo ele, ao se virem representados, a facilidade tomava conta de crianças e, muitas vezes, até de adultos. “As crianças (em geral) não diferenciam Papai Noel branco ou preto, mas as crianças negras, sim, e gostaram da representatividade”, ponderou.
Para Pereira, representar uma figura tão emblemática e significativa é um caminho para se combater preconceitos. Além disso, mostra que qualquer pessoa pode ocupar todos os seus espaços de direito. “É importante. É uma maneira de a sociedade entender que personagens podem ser deficientes, magros, pretos, não têm padrão”, pontuou. Ele gostou da experiência e quer continuar trabalhando como bom-velhinho. Inclusive, neste ano, deixou a barba crescer desde fevereiro. Antes, como raspava a barba regularmente, usou uma postiça.
Rotina puxada
Eddyriso Brito Corrêa, de 80 anos, interpreta o papel há 18. Tudo começou quando, a pedido de um colega de trabalho, se fantasiou para entregar presentes a crianças em situação de vulnerabilidade social. Atualmente, trabalha em shoppings, clubes, empresas, festas, escolas, ONGs, estúdios de fotografia, vai a casas e até faz campanhas publicitárias. Inclusive, no dia da conversa com a reportagem, realizava uma sessão de fotos com crianças.
De acordo com ele, a rotina é puxada. “No dia 24, eu faço (visitas a) 15 a 16 casas, e, no dia 25, mais dez visitas”, exemplificou. Para aguentar essa carga, o preparo é fundamental. Além de deixar de cortar a barba e os cabelos, Corrêa começa a cuidar da saúde com antecedência. As precauções incluem alimentar-se saudavelmente; ingerir vitaminas; verificar se a vacinação está em ordem; e ampliar a frequência dos exercícios físicos. Nesse período, faz, pelo menos, de 20 a 30 minutos de caminhada, diariamente. Além disso, não toma bebidas alcoólicas. “Nessa época, se eu for convidado para tomar cerveja, não vou”, brincou.
Para o aposentado, o fortalecimento emocional é outro aspecto importante. Isso porque, conforme ele, as crianças encaram o Papai Noel como um símbolo de acolhimento, esperança e auxílio. Dessa forma, algumas vezes, realizam pedidos delicados, desabafos e confidências. E cabe ao intérprete tentar ajudá-las da melhor forma. Ainda é preciso saber lidar com essas situações do modo mais assertivo. “Uma criança disse: ‘Papai Noel, peça para Deus para o meu pai parar de beber, porque, quando ele bebe, bate na gente, na minha mãe’”, relatou, sobre um desses episódios. “Uma criança perguntou: ‘O senhor fala com Deus? Eu queria que o senhor pedisse para Deus para parar de ter bala perdida, porque perdi um irmão por bala perdida’”, mencionou outro diálogo.
Remuneração
Sobre remuneração, os três não revelam, mas são unânimes quando asseguram haver outras coisas tão importantes quanto o dinheiro. Para Osnival Bufalo e Luciano Pereira, o brilho nos olhos e os gestos de carinho, a exemplo de abraços e beijos, são os principais sinais de dever cumprido. “O brilho nos olhos das crianças quando veem o Papai Noel é diferente”, exprimiu Osnival. Já Eddyriso Correa elenca a felicidade dos pequenos como a sua maior recompensa. “Isso não tem preço”, resumiu. (Vinicius Camargo)
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