Operação La Casa de Papel
PF prende suspeito de integrar esquema de pirâmide financeira
Homem mora em Porto Feliz, mas foi capturado no Tocantins; ele era um dos principais alvos da ação
A Polícia Federal prendeu nesta quarta-feira (19) um homem suspeito de integrar uma quadrilha responsável por um esquema de pirâmide financeira em mais de 80 países. O suspeito mora em Porto Feliz, mas foi capturado no Tocantins, durante a Operação La Casa de Papel. O objetivo da ação foi desmantelar o grupo. Policiais cumpriram dois mandados de busca e apreensão na casa e em um sítio do investigado. Ele era um dos principais alvos da operação.
Ao todo, foram cumpridas 47 ordens judiciais, sendo seis de prisão preventiva contra os líderes da organização criminosa e 41 de busca e apreensão. Todas foram expedidas pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A PF atuou nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina.
Na ação, ainda houve o bloqueio de 20 milhões de dólares e o sequestro de dinheiro em contas bancárias, imóveis de alto padrão, gado, veículos, ouro, joias, artigos de luxo, mina de esmeraldas, lanchas e criptoativos em dos investigados. Os bens estão em nome de pessoas físicas e jurídicas. Nos imóveis em Porto Feliz, as equipes apreenderam celulares, dois veículos, documentos, relógios de alto valor, computador, cabeças de gado, dentre outros itens.
Os trabalhos contaram com o apoio da Receita Federal e a Agência Nacional de Mineração (ANP). Em Porto Feliz, a polícia também teve auxílio do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) de Sorocaba.
Investigação
A investigação começou em Dourados, Mato Grosso do Sul, em agosto de 2021, com a autuação em flagrante de dois dos acusados. Eles foram capturados quando iam para a fronteira com o Paraguai, acompanhados por escolta armada. Na abordagem, foram encontradas esmeraldas avaliadas em 100 mil dólares. Segundo a PF, as pedras preciosas não tinham origem legal, pois apresentavam nota fiscal cancelada.
Durante a apuração, descobriu-se a existência de esquema de pirâmide financeira. De acordo com a polícia, a fraude captou recursos de mais de 1,3 milhão de pessoas, em mais de 80 países. Os golpes tiveram início em 2019. O prejuízo aos investidores é estimado em R$ 4,1 bilhões. A polícia pretende recuperar os e devolvê-los às vítimas. Ainda conforme a Polícia Federal, até a deflagração da operação, o golpe estava em andamento.
O bando praticava crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato.
O esquema
Os investigados captavam recursos e, assim, geriam uma empresa que oferecia pacotes de investimentos, bem como aportes financeiros de 15 a 100 mil dólares. Prometiam ganhos diários em altos percentuais. Para captar interessados, usavam as redes sociais, estratégias de marketing, reuniões em diversos Estados e países, bem como centenas de “team leaders” (líderes de equipe, em tradução livre). Tinham, igualmente, o apoio de uma entidade religiosa pertencente a um deles.
Nas redes sociais, os membros da quadrilha informava terem sede na Estônia e serem sócios de duas instituições financeiras. Contudo, as empresas não existiam. Segundo a PF, eles não tinham autorização para captar e gerir recursos no Brasil, na Estônia, ou em qualquer outro país. Além disso, havia diversos alertas de órgãos financeiros em vários países, como Espanha e Panamá, quanto à ausência da permissão e de que se tratava de esquema de pirâmide financeira.
Por meio de sites e aplicativos nas plataformas, o bando prometia a multiplicação dos investimentos em ganhos diários, podendo chegar a 20% ao mês e mais de 300% ao ano. O grupo dizia que os lucros seriam obtidos a partir de transações no mercado de criptoativos feitas supostos “traders” (investidores) a serviço da empresa. Os “traders” teriam a missão de multiplicar o capital investido. Igualmente, incentivavam as vítimas a captar novos investidores. Nesse mecanismo, chamado pelos golpistas de “binário”, eles também prometiam aos investidores ganhos percentuais sobre os valores investidos pelas novas pessoas atraídas.
Crime sofisticado
A prática ilegal foi se tornando mais sofisticada, englobando supostos investimentos decorrentes de lucros oriundos de minas de diamantes. A empresa fictícia alegava ter esse patrimônio no Brasil e no exterior, em mercado de vinhos, de viagens, usinas de energia solar e de reciclagem, dentre outros. Os criminosos criaram, inclusive, duas criptomoedas, no final de 2021, sem qualquer garantia financeira. Eles pretendiam montar uma pirâmide bilionária, com planos de desenvolver até mesmo os próprios banco e ‘casa da moeda.‘
Na investigação, foi identificada manipulação de mercado para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500%, em apenas 15 horas. Dias depois, houve pico de até 38.000%. Tudo isso para manter o esquema o maior tempo possível, pois as criptomoedas também foram utilizadas para pagar as vítimas. Porém, após a alta suspeita das moedas, elas perderam todo o valor de mercado, e a cotação passou a romper em diversas casas decimais abaixo do centavo de dólar. Isso resultou em perda quase total da liquidez.
Para movimentar o dinheiro, foram utilizadas as contas bancária dos investigados, empresas de fachada, parentes, bem como terceiros ligados ao grupo. Apenas a entidade religiosa de um deles movimentou, sozinha, mais de R$ 15 milhões. A organização era usada, inclusive, para captar investidores, ocultar e lavar recursos.
As investigações mostraram que os acusados ostentavam nas mídias sociais, com milhões de seguidores em todo o mundo. Eles demonstravam o seu sucesso pessoal e de investimentos, por meio de viagens internacionais para Dubai, Cancún e Europa.
Fraude começou a desmoronar
Com a prisão de um dos líderes do esquema em Cuba, os “fundadores” do grupo suspenderam os pagamentos dos valores aos cubanos. Nas redes sociais, justificaram que o governo daquele país teria impedido a empresa de ajudá-lo. Depois, ante o volume de dinheiro subtraído pelas fraudes, começaram a impor dificuldades para efetuar os pagamentos aos investidores lesados. Assim, como forma de garantir seus lucros, passaram a estabelecer prazos cada vez maiores para o resgate. A demora impedia os saques dos valores aportados.
No decorrer da apuração, a Polícia Federal descobriu um ataque hacker montado pelo bando. No plano, implementado no final de 2021, os líderes alegaram imenso prejuízo financeiro com a ação e retiveram todo o dinheiro das vítimas. Dessa forma, propuseram a interrupção de todos os pagamentos, sob o argumento da necessidade de uma auditoria financeira.
Meses depois, eles comunicaram a conclusão da auditoria e anunciaram uma reestruturação da empresa, mantendo o esquema e migração para uma nova rede. O objetivo era fazer as pessoas realizarem novos aportes e seguir com o negócio. Com ameaças, o falso “CEO” (diretor executivo) da empresa falava que quem a processasse ou registrasse boletins de ocorrência seria identificado, processado e não receberia qualquer valor investido de volta.
A suposta investidora recebeu milhares de reclamações em inúmeros sites, dezenas de páginas sociais e grupos criados no País e em outras nações. Os reclamantes tentavam recuperar o seu dinheiro, sem sucesso. Como resposta, os golpistas criavam novas narrativas sobre problemas no mercado de criptomoedas, nos sistemas e sites da empresa, bem como prejuízos financeiros. Também se comprometiam a pagar os valores com um novo sistema em desenvolvimento. Além disso, divulgavam, constantemente, notícias falsas a respeito de dinheiro recebido normalmente por alguns investidores.
Penalidades
Os investigados irão responder, na medida de suas responsabilidades, por formação de organização de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bem mineral da União Federal, execução de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem autorização, permissão, concessão ou licença, falsidade ideológica e estelionato por meio de fraude eletrônica. Somadas, as penas máximas podem chegar a 41 anos de prisão. (Da Redação)
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