Cibersegurança
Vítimas relatam como foram enganadas no Golpe do Pix
Profissional de Segurança em Tecnologia da Informação dá dicas para se proteger dos golpistas
O Pix foi desenvolvido pelo Banco Central e seu processo evolutivo, que inclui as especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca, se deu entre 2019 e 2020. De lá para cá, a ferramenta se tornou um dos meios de pagamentos mais utilizado pelos consumidores no Brasil. A forma rápida e prática de fazer as transações atrai as pessoas, principalmente, por ser gratuito. Mas, a facilidade acaba fazendo com que golpistas também utilizem o meio para roubar os usuários através de golpes, os chamados Golpes do Pix. Com o aumento no número de usuários, os roubos na modalidade também sobem. Entre abril e maio deste ano, foi registrado um aumento de mais de 350% no número de tentativas de golpe, em comparação com os meses de fevereiro e março, segundo dados da Psafe, empresa líder em cibersegurança na América Latina.
Segundo a empresa, as suas soluções bloquearam mais de 424 mil tentativas de golpe no período, enquanto nos dois meses anteriores contabilizaram pouco mais de 92 mil detecções. Já a Secretaria de Segurança Pública não divulgou dados sobre o tema. O órgão informou que em muitos casos, os golpes do Pix são registrados como estelionato.
Uma médica, moradora de Sorocaba, de 66 anos, passou recentemente por essa situação. Ela perdeu R$ 8.800 após fazer duas transferências bancárias. O golpista entrou em contato com ela através do WhatsApp se passando por seu filho que está morando no exterior. Durante a conversa, ele informou que sua conta bancária havia sido bloqueada, assim, ficaria sem condições de se manter fora do País por um período.
A vítima não desconfiou, pois pouco tempo antes havia conversado com o filho e o rapaz disse que faria a troca do número. Além disso, no aplicativo de mensagens também havia a foto do rapaz. Logo a conversa foi evoluindo e o golpista solicitou dinheiro para comprar um computador. Ela aceitou e fez as transferências. “Ele passou um contato de e-mail, mas não deu certo. Pediu para esperar. Ele percebeu que eu estava disposta a pagar e me mandou um número de CPF e o nome dele. Questionei de onde era o número e ele disse que era do local onde estava fazendo a compra”, contou.
Só depois de enviar o dinheiro, a médica percebeu que havia sido vítima de um golpe e entrou em contato com o filho, que confirmou a suspeita. Com os dados enviados pelo golpista, ela abriu um boletim de ocorrência na delegacia em Sorocaba e descobriu que o criminoso mora em São Paulo. A vítima também tentou contato com o banco digital. mas ninguém atendeu as ligações. “Reaver o dinheiro vai ser muito difícil, mas que peguem o culpado para que mais nenhuma mãe caia no golpe”, desabafou.
Maria Zuleide Madeiro, de 70 anos, também foi vítima do Golpe do Pix, no dia 29 de agosto. Porém, a tática usada pelo criminoso foi diferente. Maria é professora aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e recebeu em sua conta um valor de R$ 6.711,35. No dia seguinte, a vítima recebeu uma mensagem de um banco digital, o mesmo do caso anterior, informando que um empréstimo consignado em seu nome havia sido aprovado. O pagamento do empréstimo foi dividido em 84 mensalidades de R$ 150,79. Na mensagem também dizia que o valor seria descontado todo mês do seu pagamento do INSS.
Maria retornou o contato ao banco informando que não reconhecia o empréstimo e foi orientada a devolver o dinheiro. Para fazer a devolução foi apresentada a ela duas formas de pagamento: boleto bancário e Pix. Mas, através do boleto o sistema identificaria o pagamento em um dia útil, já através do Pix a identificação aconteceria em apenas 30 minutos, o que fez Maria optar por essa alternativa. Porém, tudo ainda se tratava de um golpe e a vítima não teve mais retorno, permanecendo com a dívida. “Isso precisa acabar, não podemos ficar na mão dessas pessoas”, enfatizou a vítima.
Verificando os dados bancários do empréstimo, Maria descobriu que o banco digital foi usado pelo golpista para receber o dinheiro, porém o empréstimo foi realizado através de uma plataforma digital que tem parceria com uma financeira que faz empréstimo consignado. A vítima enviou então um e-mail à plataforma responsável. Eles disseram que a empresa não tem relação com banco digital, mas confirmaram o empréstimo. A plataforma informou ainda que no ato da contratação foram encaminhados frente e verso do RG e a assinatura biométrica da vítima. Agora, Maria precisará provar que não foi ela quem fez o acordo. “Ninguém entrou em contato comigo para pedir documentação e confirmar endereço, inclusive, no contrato que me mandaram depois que comecei a investigar, aparece o endereço em que eu morei há 12 anos, o e-mail eu nunca ouvi falar, então eles não comprovaram absolutamente nada para fazer esse empréstimo”, contou.
Alerta
O professor da área de segurança em Tecnologia da Informação (TI) da Fatec de Sorocaba, Fernando Cesar Miranda, explicou que os golpistas estão utilizando o Pix para os golpes porque é um tipo de transação instantânea. Através dela, dificilmente o banco consegue reverter um pagamento, diferentemente de antigos métodos, como a transação por DOC, por exemplo, que tem o prazo de um dia útil para ser finalizada.
O profissional ressalta que é preciso ter bastante cuidados, já que muitas vezes os golpistas conseguem informações preliminares das vítimas através das redes sociais, principalmente as relações de parentescos. Por outro lado, por ser pega de surpresa e não desconfiar que está sendo vítima de um golpe, a própria vítima pode entregar ao criminoso alguma informação, chamando quem está do outro lado do celular de filho, antes mesmo do golpista mencionar o grau de relação.
Além disso, o professor explicou que os métodos utilizados pelo golpistas sempre são muito parecidos, pois eles precisam envolver a vítima emocionalmente de alguma maneira. “Eles pegam algum tipo de fraqueza, como a preocupação da mãe com o filho que está longe e às vezes até a honestidade da pessoa com um dinheiro que caiu na conta e não é dela. Em algumas situações não dá tempo nem da pessoa verificar de onde é o dinheiro que caiu na conta. Ela tem uma preocupação tão grande de que aquilo é errado e precisa corrigir, que ela faz a transferência de maneira voluntária”.
Para evitar cair em golpes, o profissional ressalta que, a princípio, a pessoa precisa ter conhecimento que aquele tipo de golpe existe, pois quando ela é acionada pelo golpista já deve ficar desconfiada. Segundo o professor, o mais comum é receber uma mensagem de algum conhecido no WhatsApp dizendo que trocou de número. Por isso, é necessário verificar sempre com outra pessoa, um amigo ou parente, para ter certeza se a troca do contato realmente aconteceu. Porém, se a conversa evoluiu, no momento em que a pessoa passar os dados do Pix, é importante conferir os dados da conta e questionar porque as informações são de uma pessoa desconhecida. “É necessário se questionar porque eu estou enviando dinheiro para uma pessoa desconhecida, que tipo de relacionamento essa pessoa tem com meu parente, meu irmão, meu filho, etc”.
O professor disse que é muito comum esses golpes acontecerem através de bancos digitais, pois é mais fácil abrir uma conta através desses aplicativos, já que eles têm uma verificação mais fraca do cliente. “Isso me perturba um pouco, acredito que seja necessário voltarmos atrás nesse sentido para que haja uma verificação mais efetiva dos clientes”, opinou. “É muito fácil você obter dados de CPF e endereço de uma pessoa e usar esses dados para abrir uma conta falsa”, disse.
Porém, se cair no golpe, a vítima precisa acionar o seu banco, acionar o banco da conta para onde o dinheiro foi enviado e fazer um boletim de ocorrência. Também é importante guardar as conversas com os dados da transação, pois muitas vezes depois de aplicar o golpe, o criminoso exclui a conta.
Respostas
O jornal Cruzeiro do Sul questionou as empresas usadas para a aplicação dos golpes, informadas pelas entrevistadas. O banco digital utilizado pelos criminosos para receber o dinheiro das vítimas informou que o primeiro golpe apresentado pela reportagem trata-se de resultado de engenharia social -- técnica usada pelos golpistas para induzir as pessoas. Segundo o banco, o cliente deve desconfiar quando alguém que tem um número de telefone desconhecido entra em contato pelo WhatsApp pedindo transferência de recursos. Antes de fazer o Pix, o cliente precisa se certificar de que está de fato conversando com a pessoa certa.
O banco ressaltou que não liga para o cliente avisando que um empréstimo foi aprovado e orientou que, ao receber ligações de pessoas que dizem trabalhar para bancos e instituições financeiras, o cliente desligue o telefone e procure os bancos por meio dos canais oficiais de atendimento. A empresa não respondeu sobre a segurança dos aplicativos usados para abrir contas e nem o motivo pelo qual as vítimas não conseguiram contato com o banco para informar o golpe.
Já o INSS esclareceu que a contratação de qualquer empréstimo é uma transação comercial privada, realizada exclusivamente entre a pessoa e a instituição financeira. O órgão informou que para fazer esse tipo de operação, o segurado precisa desbloquear seu benefício para empréstimos. A pessoa consegue realizar essa operação pelo aplicativo Meu INSS usando a conta gov.br (selo ouro ou prata), ou por meio de agendamento pelo telefone 135 para realizar esse serviço em uma agência. Em nota, o INSS informou ainda que se o beneficiário identificar empréstimos não solicitados, ele deve acessar o site www.consumidor.gov.br e registrar a reclamação. Este site é mantido pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, que desde 2019 cuida deste tipo de situação. Cabe à Senacon determinar o cancelamento do empréstimo.
O Cruzeiro do Sul também questionou a plataforma de empréstimos, a financeira responsável pelo consignado, mas até o fechamento da reportagem não teve retorno. (Vanessa Ferranti)
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