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Crime

Cresce o número de estupro de vulnerável em Sorocaba

Dados são oficiais. Fim do confinamento causado pela pandemia é um dos motivos do aumento das denúncias

28 de Agosto de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
"Infelizmente, muitos dos agressores estão dentro da própria família da vítima", lembrou a juíza Cecília de Carvalho Contreira Massaglia (Crédito: DIVULGAÇÃO / 123 RF / TJ-SP / CONJUR)

Os casos de estupro de vulnerável cresceram em Sorocaba: passaram de 125 em 2020, para 150 registros no ano passado. A informação é da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). A legislação brasileira caracteriza o crime como “conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso” com menores de 14 anos, com ou sem consentimento, e com pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuem o discernimento necessário para a prática do ato, bem como, por qualquer outra razão, não possa oferecer resistência.

Na Vara da Família e Violência Doméstica da Comarca de Sorocaba passaram 91 inquéritos desse tipo de crime no ano passado. Neste ano, só até meados de agosto, já são 84 casos. “Aumentou sim o número de distribuições de estupro de vulneráveis, principalmente por causa da pandemia e do confinamento vividos em 2020, e esta situação pode ter havido subnotificação, ou seja, haviam casos, mas esses não paravam na Justiça. Outra questão importante é que crianças e adolescentes ficaram longe da escola e o ambiente escolar é uma proteção contra ou um canal de recebimento de denúncias já que, infelizmente, muitos dos agressores estão dentro da própria família da vítima”, disse a juíza auxiliar da Vara da Família, Cecília de Carvalho Contreira Massaglia.

“A dificuldade para fazer denúncia durante a pandemia, a voltas das aulas presenciais e o aumento da divulgação sobre os canais para receber denúncias são as causas do aumento de ocorrências de estupro de vulneráveis”, apontou Alessandra Reis dos Santos Silveira, delegada de polícia há 20 anos, e que desde 2004 está na DDM, há dois meses como titular.

As ocorrências registradas na Delegacia de Defesa da Mulher e Plantão da Delegacia de Defesa da Mulher de Sorocaba, de janeiro a julho de 2021, somam 109 de estupro de vulnerável e no mesmo período em 2022, chegaram a 110. “Durante o início da pandemia, houve uma diminuição no número de registros de casos de violência sexual. Acabado este período, as vítimas puderam denunciar o abuso e muitos casos que estavam ocorrendo passaram a ser registrados”, explicou a delegada.

Prevenção

“É muito importante que se atue na prevenção e na informação. A maioria dos casos ocorre em ambiente familiar, e muitas vezes a vítima, normalmente uma criança, não tem consciência do que está acontecendo com ela é abuso. É preciso conversar, orientar para se prevenir. O mesmo vale para qualquer cidadão que tenha conhecimento ou desconfie de uma situação de abuso sexual: deve fazer a denúncia a fim de que seja averiguado”, orientou a delegada Alessandra.

A juíza Cecília aponta a maior participação da família e dos profissionais da educação, na escola, “no sentido de passar informação e conscientizar”, como pontos positivos para tentar diminuir o número de caso: “A criança tem de ser informada onde pode ser tocada, onde não pode, saber identificar quando é uma situação de risco. Sabendo disso, pode pedir socorro à mãe ou a uma professora”, enfatizou a magistrada.

A delegada Alessandra lembrou que casos de violência sexual contra vulneráveis devem ser denunciados em qualquer delegacia de polícia ou pelo Disque 100, ou mesmo junto ao Conselho Tutelar e escolas. “Todas essas instituições fazem parte dessa rede de apoio e possuem profissionais capacitados para acolher as vítimas e encaminhar para os devidos procedimentos”, contou. Todos os casos são apurados através de inquérito policial.

Realidade infeliz

Para a presidente do Conselho Municipal de Direito da Mulher (CMDM) de Sorocaba, a advogada Emanuela Barros, a situação vivida na transição do confinamento da pandemia para a pós-pandemia é uma “realidade infeliz” e lembra que “a ONU Mulher já havia alertado para a atenção aos números dado ao confinamento em relação à pandemia (Covid)”.

Emanuela disse que os números de Sorocaba estão na média nacional. Mas alerta que muitas notificações acabam não chegando de forma oficial e não somam às estatísticas: “Há a chamada Síndrome do Segredo, já que é uma situação tão triste e absurda. As vítimas e seus familiares não querem falar sobre o caso. Virando um tabu”, disse.

Enfrentamento

Em 2013 foi elaborado o Plano Municipal de Enfretamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, feito por variados segmentos da sociedade civil organizada, “mas os últimos governos não enfrentaram o problema e não colocaram o plano em atuação”, reclamou Emanuela.

A Prefeitura de Sorocaba contesta e diz que casos de violência contra criança e adolescente passam por um protocolo de atendimento, que envolve vários serviços do município. “Essa situação pode ser identificada e encaminhada de diferentes formas: pelo Conselho Tutelar, que verifica os casos de denúncia; pela Delegacia de Defesa da Mulher, que atende também ocorrências dessa natureza; pela escola, nos casos em que esse tipo de situação é identificado, entre outras. Em seguida, é feito o encaminhamento para atendimento médico, sempre que necessário, além do exame no Instituto Médico Legal”, disse o secretário municipal de Cidadania, Clayton Lustosa.

Sorocaba dispõe de um atendimento inédito na região, que é a chamada Escuta Especializada, realizada no Hospital do Gpaci por profissionais capacitados para atuar nesses casos.

Depoimento especial

A psicóloga Ana Carolina Garcia Gayotto atua há 10 anos no Judiciário, analisando e amparando vítimas de estupro e outras situações. Ela disse que percebeu o aumento no número de caso de estupro de vulneráveis e aponta mais um motivo para o aumento de casos registrados: “A Lei 13.42, de 2017, instituiu o depoimento especial, oferecendo melhores cuidados e proteção às vítimas que, mais a vontade e em segurança, acabam depondo com mais convicção e ajudando a aumentar a elucidação dos casos; a demanda reprimida causada pela pandemia da Covid, que retardou os processos e o trabalho dos profissionais; e a precarização da situação econômica e social sentida no País”.

Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público, quando a criança ou o adolescente é vítima ou testemunha de violências, faz-se necessário que participe da persecução penal, narrando o que viu ou o que vivenciou. Atento à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a lei estabelece um microssistema de normas para oitiva dos menores, implementando metodologia de escuta a fim de assegurar-lhes a proteção integral exigida pelo Estatuto da Criança e Adolescente. Na rotina profissional de Carolina e de mais cinco profissionais, há a análise de 10 processos por mês, em média. (Pedro Courbassier)