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Sorocaba

Pai de santo é condenado a 136 anos de prisão por estuprar fiéis

Segundo as testemunhas, além de afirmar a incorporação de espíritos e das relações sexuais não consensuais, ele ainda cobrava quantias em dinheiro para a realização de trabalhos espirituais com promessas milagrosas

03 de Agosto de 2022 às 19:59
Cruzeiro do Sul [email protected]
O Judiciário considerou uma pena inicial de 8 anos por vítima e adicionou outros 2 anos pela continuidade
O Judiciário considerou uma pena inicial de 8 anos por vítima e adicionou outros 2 anos pela continuidade (Crédito: Fábio Rogério (16/3/2020))

Saiu ontem (3) a sentença judicial do caso do pai de santo acusado de estuprar fiéis frequentadores do terreiro que ele mantinha há mais de uma década, no Jardim Zulmira, zona oeste de Sorocaba. Vagner Meleiro, de 40 anos, foi condenado a 136 anos de prisão.

Apesar dos mais de cem anos de condenação, a pena máxima em cárcere no Brasil é de 40 anos.

“Foram 12 vítimas comprovadas que sofreram o estupro. Dez delas mais de uma vez, continuamente. O Judiciário considerou uma pena inicial de 8 anos por vítima e adicionou outros 2 anos pela continuidade. Outras duas vítimas disseram que foram abusadas apenas uma vez, acumulando assim os 136 anos de reclusão”, informou o promotor Wellington dos Santos Veloso.

O caso foi apresentado pela polícia em 18 de março. O pai de santo foi capturado pela operação Hemera. Segundo as testemunhas, além de afirmar a incorporação de espíritos e das relações sexuais não consensuais, ele ainda cobrava quantias em dinheiro para a realização de trabalhos espirituais com promessas milagrosas.

O promotor Wellington Veloso considerou o trabalho da Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic), “rápido e eficiente” e ainda o testemunho das vítimas como principal prova a convencer o juiz do caso. “As vítimas relataram que o acusado aplicava terror psicológico. Primeiro, abusava da fé delas dizendo que quem pediu os favores sexuais era uma entidade profissional, e pressionava afirmando que se não se submetessem, uma tragédia ocorreria com elas ou alguém da família”.

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) ofereceu a denúncia em março. A última audiência de julgamento ocorreu no dia 23 de julho. Logo após, tanto o MP quanto a defesa -- que alegou que os atos foram consentidos “ou mais leves do que afirmaram as vítimas” -- apresentaram as alegações finais.

Desde a prisão, Vagner Meleiro estava detento no Centro de Detenção Provisória (CDP) e, após o julgamento, foi encaminhado a uma penitenciária. Os advogados de defesa, Márcio Augusto Magalhães e Edson Alves Trindade, disseram que vão recorrer da decisão. Mas para o promotor, mesmo com a apelação da defesa, a culpa ficou comprovada: “Acredito que na 2ª instância haverá apenas duas possibilidades, de pequena diminuição da pena ou de manter a sentença”, analisou.

Casos acumulados

Outros líderes espirituais e religiosos já se viram envolvidos em escândalos. Na Igreja Católica, por exemplo, o próprio Papa Francisco pediu recentemente perdão por casos envolvendo padres e pedofilia. Em 2019, a Polícia Civil e o Vaticano investigaram como Dom Vilson Dias de Oliveira, bispo emérito da Diocese de Limeira, atuou de forma a permitir e acobertar que padres praticassem crimes de abuso sexual.

Talvez o caso mais famoso seja o de João de Deus. Acusado por mais de 350 mulheres, brasileiras e estrangeiras, João Teixeira de Faria foi condenado a mais de 60 anos de prisão em regime fechado por estupro e posse ilegal de armas. Segundo o livro A Casa -- sobre o guru de Abadiânia (GO), de autoria de Chico Felitti, pelo menos outros 11 processos por crimes sexuais, desvios financeiros, extorsão e formação de quadrilha correm contra o líder da Casa Dom Inácio de Loyola, sediada na pequena cidade goiana.

Outro caso é do terapeuta Harry Tadashi Kadomoto, conhecido como guru da meditação. Em outubro de 2020, ele se tornou réu por estupro de vulnerável. Em novembro daquele ano, uma nova investigação foi aberta para apurar denúncias de outras quatro vítimas. No processo, sete mulheres acusam o terapeuta de abuso sexual. O MPSP montou uma força-tarefa, semelhante à que atuou no caso do médium João de Deus.

Do circuito do uso da planta amazônica ayahuasca, alguns casos de abuso sexual apareceram na Justiça. Entre eles, o de Antônio Alves Marques Júnior, conhecido como Gê Marques, fundador da igreja Reino do Sol, que misturava a doutrina do santo daime com a umbanda, linha que ficou conhecida como umbandaime. Os abusos passaram a ser revelados por ex-integrantes no final de 2015.

Depoimentos revelaram um padrão de comportamento que envolve estratégias de manipulação das mulheres e uso de drogas como LSD e MDMA disfarçado de terapia. “As vítimas eram mulheres jovens e a abordagem sempre envolvia a oferta de algum trabalho espiritual”, disse uma ex-integrante do grupo. (Pedro Courbassier)