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Questão de Saúde

Doentes esperam por tratamento em hospitais da região de Sorocaba

Falta contraste para exames e procedimentos; paciente revela que há 2 meses não consegue insulina basal

03 de Julho de 2022 às 00:01
Denise Rocha [email protected]
Contraste é necessário para a realização de exames de imagem e procedimentos de cateterismo.
Contraste é necessário para a realização de exames de imagem e procedimentos de cateterismo. (Crédito: DIVULGAÇÃO AI HSV)

A dentista Erika Comitre Vieira mais uma vez ficou sem 6 canetas de insulina basal (marca Levemir) que retira todo o mês na farmácia de alto custo do Estado. Há dez anos ela conseguiu na Justiça o direito de receber a medicação, que custa cerca de R$ 300 por mês. Durante a pandemia, faltou por um semestre, depois o fornecimento chegou a ser regularizado, mas há 2 meses novamente parou de ser entregue. A última vez que retirou os dois tipos de insulina a que tem direito, a ultrarápida e a basal, foi em 2 de maio deste ano. “Se for em qualquer farmácia tem para vender, me sinto lesada. Para eu sobreviver, trabalhar e cuidar do meu filho, eu preciso estar bem e para isso, necessito da medicação”, explica a profissional que tem diabetes tipo 1 e usa o medicamento para manter a glicemia estável. “Para fazer valer o direito, teria mais uma vez que entrar na Justiça, mais um custo, além do que já estou tendo”, lamenta.

Sem ter outra alternativa, a via judicial foi a escolha de dois clientes, de 63 e 69 anos, do advogado Anselmo Bastos. Eles precisavam realizar um cateterismo, mas não podiam por falta do contraste. Há 20 dias o pedido liminar foi deferido pela Justiça e eles realizaram o procedimento. “Está em falta sim, mas os hospitais particulares tem mais vantagem por falta de articulação do poder público, por isso, dizer que não existe no mercado é mentira”, afirma o advogado. Um dos clientes chegou a fazer um orçamento, no valor de R$ 3.500, num hospital da rede privada, que tinha o produto.

Segundo o padre Flávio Jorge Miguel Júnior, gestor da Santa Casa de Misericórdia, os pacientes que aguardam o procedimento na unidade são do Hospital Santa Lucinda, que não tem enfermaria. No momento, 10 pacientes encontram-se na Santa Casa, para acompanhamento, enquanto outros 20, também cardíacos, foram liberados.

O Hospital Santa Lucinda, referência em cardiologia para Sorocaba e região, informou que os contrastes são utilizados durante a realização dos cateterismos, arteriografia, colangiografia, entre outros tipos de exames e procedimentos. A unidade confirmou que há falta de contraste para a realização de exames e diagnóstico, uma situação que se acentuou em junho. Porém, para suprir a demanda, a instituição conta com empréstimos provenientes de outros serviços hospitalares que possuem estoque. “A falta do produto vem afetando a nossa rotina. Um fato a se destacar é que os pacientes com suspeita de infarto não podem ter esse diagnóstico confirmado, ocupando, assim, um leito daqui ou de outro hospital até que o problema (suspeita de infarto) seja confirmado e o tratamento adequado possa ser definido. A situação gera prejuízos ao hospital, uma vez que leitos que poderiam ser ocupados e rodiziados para atender pacientes que realmente precisam de internação, estão sendo utilizados para esta finalidade pontual. Mas, sem dúvida alguma, o maior prejuízo é imposto ao paciente com a suspeita de infarto, pela demora no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento”, informa a nota.

Contudo, a Santa Casa de Misericórdia também vem sendo impactada pela falta do produto, nesse caso, para realização de tomografias. O médico Mauricio Sante Bettio Mod, do Centro Médico São José, responsável pelo gerenciamento da área de diagnóstico da Santa Casa, explica que o desabastecimento do produto é um fenômeno mundial.

O Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR) chegou a emitir um comunicado em maio sobre a preocupação com a provisão de meios de contraste, iodados e à base de gadolínio. De acordo com o órgão a escassez do produto no mercado tem relação com alguns fatores: aumento da demanda de exames de imagem; comércio mundial altamente interligado e isto pode ter impactado as matrizes, em seus países de origem; escassez do iodo, no mundo, sendo o elemento químico essencial nas formulações dos meios de contraste usados em tomografia; e, por fim, houve interrupção, provisória, do fornecimento dos meios de contraste por uma das empresas responsáveis por abastecer importante fatia deste mercado. A previsão, segundo o CBR, era normalização do fornecimento no mês passado, o que não ocorreu.

De acordo com Maurício Sante numa conversa com um fornecedor há poucos dias, o mercado prepara-se para escassez do produto até o fim do ano. Com isso, o racionamento e a priorização de casos urgentes deve permanecer. Normalmente ele comprava para a Santa Casa de 300 a 400 frascos por mês. Agora, a compra se limita a 25% do que deveria receber; cada frasco permite a realização de um procedimento. Ele ainda afirmou que o corpo clínico vem discutindo caso a caso para encontrar alternativas. “É uma conversa entre médicos e radiologistas para descobrir se é possível substituir o exame com contraste, por exemplo, por uma ressonância, para evitar um agravamento do quadro do paciente”, explica.

A farmacêutica Caroline Camila Bergamo Alonso responsável pela compra de suprimentos para a Santa Casa conta que os últimos meses estão exigindo muita negociação. Isso por que não é só a dificuldade para a compra de contraste. Outros produtos também sumiram do mercado ou estão com preços muito altos. “O soro fisiológico, na apresentação de 1.000 ml, não se encontra para comprar, estamos buscando alternativas”, diz a profissional que também identificou a falta de medicamentos para inalação há 3 meses. O preço acima do normal também dificulta a negociação. “Há alguns meses, a dipirona injetável, que custava R$ 0,90 passou para R$ 4; como estamos falando de uma compra de 10 mil unidades, fica inviável”, diz ao explicar que medicamentos básicos passaram de centavos para alguns reais.

Resposta do Estado

O jornal Cruzeiro do Sul questionou Governo do Estado sobre a falta de medicamentos na farmácia de alto custo. Na nota a Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF) informou “que não ocorre falta de insulinas para distribuição nas Farmácias de Alto Custo entre os componentes especializados, mas o Departamento Regional de Saúde entrará em contato para informações e esclarecimentos sobre o caso da paciente”, diz. Sobre os contrastes, “os hospitais da região estão priorizando a utilização dos produtos em estoque para atendimento a casos de urgência, fazendo remanejamento entre as unidades quando necessário. Há indisponibilidade destes produtos no mercado nacional, afetando todo o país”, finaliza a nota. (Denise Rocha)