Sorocaba
Prefeitura pretende desapropriar áreas ocupadas irregularmente
Para advogada e proprietário, medida favorece ocupações clandestinas e aumento de favelas na cidade

Uma batalha jurídica envolvendo áreas particulares na região da avenida Antonio Silva Saladino, próximas ao corredor Itavuvu, ganhou um capítulo novo -- ainda mais emblemático --, recentemente. A Prefeitura de Sorocaba decidiu declarar de utilidade pública as glebas ocupadas e urbanizadas de forma irregular na região, ao menos desde 2017. A situação se agrava ainda mais na medida em que há decisão para que o local seja reintegrado aos seus donos, o que só não ocorreu até agora em função da pandemia.
A reportagem apurou que são, pelo menos, cinco decretos que tratam dos locais definidos como de utilidade pública. O primeiro deles tem cerca de 12 mil metros quadrados. O segundo compreende 40,4 mil metros quadrados de área. Há ainda o segundo, com 80,9 mil metros quadrados. Já o quarto decreto trata de uma área de mais 120 mil metros quadrados. Por fim, há o decreto para a quarta e maior área, com cerca de 154 mil metros quadrados. O total desses terrenos passa de 400 mil metros quadrados.
Os decretos são claros. A declaração de utilidade pública é para desapropriação para moradia social. Os quatro decretos foram assinados em 1º de outubro do ano passado, pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos).
Novas favelas
O maior deles, o de 154 mil metros quadrados, já tem reintegração de posse pronta, que não foi executada em função da pandemia. “O mandado já está expedido”, conta Paulo Henrique Luiz, administrador da área. A situação, caso não haja mudança, deverá ocorrer a partir de abril. Ele diz ainda que o local está tributado e com todos os impostos pagos. “Eu nunca vi isso. É surreal. É uma forma de aumentar as favelas de Sorocaba”, diz.
Ele comenta, ainda, que há ao menos dois procedimentos no Ministério Público que tratam do caso. O primeiro, do dono do terreno. Para ele, o caso é de improbidade administrativa. “É como você incentivar o indivíduo a invadir propriedade particular”, comenta. “Você vai tirar o dinheiro da Prefeitura para criar favela”, questiona. O segundo é da própria Prefeitura de Sorocaba, que questiona as invasões.
A advogada Darlise Elmi, que cuida do caso, ressalta que já há mandado de reintegração de posse. Conforme ela, o caso está com trânsito em julgado, ou seja, não cabe mais qualquer tipo de recurso. “O mandado já foi expedido. Só está suspenso por causo da pandemia”, acrescenta. “É uma forma de estimular invasões espúrias. Não se trata de área improdutiva, de área rural. A opção que a gente vê é a de regularizar favela”, opina.
Guinada
Mas nem sempre foi esse o posicionamento da Prefeitura de Sorocaba com relação a essas áreas. Aliás, uma parte dessas terras deveria ser a garagem do BRT do corredor Itavuvu. Foi exatamente pelas ocupações irregulares que o Executivo decidiu mudar o local, para o outro lado da avenida, ao lado da Estação de Tratamento de Água (ETA), do bairro Vitória Régia. Em outras oportunidades, ao ser questionado sobre que medidas que poderia tomar com relação à área, o Executivo afirmou reiteradas vezes que invasões ou ocupações irregulares em áreas privadas seriam de responsabilidade de seus donos.
Todavia, neste momento, o posicionamento é completamente o oposto. O Executivo diz que a Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária (Sehab) informa que o objetivo da demarcação de interesse público “é cessar o processo de invasão nessas áreas particulares, ocorrido principalmente entre 2017 e 2020”. “Desde o início de 2021, ao recepcionar esse conflito territorial e com o intuito de não desamparar as famílias que ocuparam as áreas de forma irregular e para que não haja aumento das ocupações, a atual administração reúne-se periodicamente com os herdeiros que disputam judicialmente a comprovação da propriedade, sendo essa a grande dificuldade para que o Município possa inibir as invasões”, garante.
“Dessa forma, os decretos de interesse público tornaram-se necessários para uma possibilidade de a Prefeitura de Sorocaba manifestar-se perante o juiz quanto às inconsistências presentes nessa porção territorial e demonstrar que o município tem preocupação com a condição socioambiental existente na área e a expansão do processo de irregularidade, que se arrasta há mais de 60 anos, com consequente prejuízo ao erário, além de entender que o passivo existente na área se torna objeto de discussão entre proprietários e o Judiciário”, alega.
Com relação às famílias que ocupam essas áreas, a Sehab está trabalhando, segundo a resposta, paralelamente, em conjunto com a Secretaria da Cidadania (Secid), para o acolhimento delas via auxílio-moradia emergencial. Posteriormente, seriam destinadas ao programa Lotes Sociais, instituído pela Lei Municipal nº 12.486, de 7 de janeiro de 2022. Não fica claro se esses lotes sociais são os das áreas citadas pelo reportagem.
Os Lotes Sociais correspondem a uma iniciativa municipal que faz parte do programa Casa Digna Sorocaba, que visa indicar famílias em situação de vulnerabilidade social para receberem lotes, com toda a infraestrutura necessária, como água potável, saneamento básico, iluminação, coleta de lixo, dentre outros serviços, e auxiliá-las na execução de moradias salubres. Isso inclui protótipos de plantas sociais, que variam conforme o perfil de cada família, para que elas já tenham uma base de edificação para ser construída.
O valor dessas áreas, segundo a Prefeitura de Sorocaba, está em fase de análise pela Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (Seurb), junto a especialistas em perícias e avaliações. “Ainda, há o programa Casa Nova Sorocaba. As famílias podem se inscrever e serem sorteadas, conforme os critérios estabelecidos”, finaliza.
Área “urbanizada”
A reportagem esteve nas imediações da área ocupada, na sexta-feira (11). Com o aumento das construções no local, grande parte em alvenaria, é difícil ter a dimensão de como está o miolo da área, onde está o maior número de famílias. Sabe-se que no local não há infraestruturas básicas e algumas foram colocadas de forma ilegal, conforme Paulo Henrique Luiz, como água e energia elétrica. Além disso, não há definição clara do que é rua e do que é terreno, muito menos há asfalto ou rede de esgoto.
Porém, inegavelmente. os dois principais núcleos das áreas ocupadas de forma irregular cresceram de maneira exponencial nos últimos anos. Há comércio estabelecido em vários pontos, onde é quase impossível retratar se todos funcionam de forma regular, dentro do ordenamento econômico, urbano e legal. (Marcel Scinocca)
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