Sorocaba
Bebê vacinada por engano com a Pfizer recebeu 'kit Covid'
Pneumologista receitou hidroxicloroquina e azitromicina para Liz Vitória, com dois meses de idade na época; Associação Brasileira de Pediatria (SBP) não recomenda a medicação para crianças
Um dos bebês vacinados por engano contra o coronavírus recebeu o “kit Covid”, composto por hidroxicloroquina e azitromicina. O tratamento foi indicado por uma pediatra pneumologista três semanas após a aplicação do imunizante, conforme apurou o Cruzeiro do Sul.
A prescrição vai contra a orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que não recomenda o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina em crianças e adolescentes com Covid-19. A Associação Médica Brasileira (AMB) também condena o uso dos remédios. Além disso, a mãe da criança diz ter gasto quase R$ 300 em medicações.
A pequena Liz Vitória tinha apenas dois meses de idade quando tomou a vacina da Pfizer no lugar da pentavalente. O erro ocorreu em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro Nova Sorocaba, zona norte de Sorocaba, no dia 1º de dezembro de 2021. O bebê Miguel Monteiro, com quatro meses na ocasião, também tomou o imunizante errado, mas não recebeu nenhum tipo de prescrição médica.
As duas crianças passaram mal e precisaram ser internadas no Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil (Gpaci) por aproximadamente uma semana. Atualmente, o menino está recuperado e não tem mais nenhum sintoma. Já, a Liz precisa realizar alguns exames e ainda apresenta algumas sequelas, como infecções respiratórias e dores no pescoço.
Ana Cláudia Mugnos Riello, mãe da menina, contou que a filha precisou tomar muitos remédios por causa das reações à vacina. Fora os medicamentos que já são oferecidos no Sistema único de Saúde (SUS), Ana precisou desembolsar um bom dinheiro para dar conta do tratamento de Liz. Ela gastou R$ 284,44 e, devido a urgência da situação, não conseguiu obter as medicações pela farmácia de alto custo. As receitas datam o dia 23 de dezembro.
“Não me deram um real desse valor. Alguns remédios, eu ainda consegui pegar no posto. Já, a hidroxicloroquina, a azitromicina, a injeção anticoagulante... tudo eu tive que pagar. E para pegar no alto custo, teria que dar entrada no procedimento e ia demorar muito. Era uma urgência, eu não podia esperar. A médica falou que a Liz corria risco de ter uma embolia pulmonar, porque ela estava com uma inflamação no pulmão. Atacou as vias respiratórias da minha filha, ela começou a usar bombinha e tudo”, relatou.
Sem eficácia comprovada
No desespero de salvar a vida da menina, Ana não se atentou que na receita médica constava o “kit Covid”. Mesmo sem estar infectada, a criança seguiu o tratamento por cinco dias. Segundo a SBP, o uso de cloroquina e hidroxicloroquina “não possui efeito profilático confirmado, ou seja, não devem ser recomendadas como medida preventiva para evitar contaminação pelo novo coronavírus”. A entidade ainda destaca que não há trabalhos científicos reconhecidos que apontem essa possibilidade.
Apesar da prescrição controversa da pneumologista, Ana afirmou que a filha só melhorou depois de tomar os remédios. Ela também destacou que não quer que a profissional seja prejudicada, pois diz ter sido “muito bem atendida”. “A médica disse que precisava combater a ‘anteninha’ do vírus, porque a vacina da Pfizer solta uma proteína no organismo que fica se multiplicando”.
A pneumologista ainda teria perguntado para a mãe da criança se ela autorizava a prescrição. “Se a médica está falando que é bom e que vai resolver o problema da minha filha, como que eu não vou dar? Eu dei porque a médica estudou. Eu não sou médica, naquele momento era a única pessoa que estava me ajudando e que sabia o que seria melhor para a Liz. E realmente a minha filha só melhorou depois dessa quantidade medicamentos”, ponderou Ana.
O pediatra Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento Científico da Infectologia da SBP, salientou que a cloroquina traz conhecidos efeitos adversos, como arritmia cardíaca. “A gente não se sente confortável em embasar uma recomendação rotineira de algo que desconhecemos as consequências e que pode até trazer danos”, pontuou.
A reportagem questionou a Secretaria da Saúde (SES) sobre o caso. Em uma breve resposta, o órgão alegou que a prescrição de medicamentos é “um documento com valor legal, pelo qual o médico que realizou o atendimento se responsabiliza perante o paciente”. Ainda conforme a pasta, a receita “pode ser aceita ou não pelo paciente ou responsável” e as dúvidas sobre o que foi receitado podem “ser sanadas no momento da consulta ou posteriormente com o profissional responsável pela prescrição”.