Buscar no Cruzeiro

Buscar

Sorocaba

Onda de ‘boa, noite cinderela’ preocupa polícia

17 de Dezembro de 2021 às 00:01
Wilma Antunes [email protected]
Delegado Acácio Leite investiga um dos possíveis casos.
Delegado Acácio Leite investiga um dos possíveis casos. (Crédito: WILMA ANTUNES (16/12/2021))

Uma onda de golpes “boa, noite cinderela” tem chamado a atenção da Polícia Civil de Sorocaba. De acordo com as autoridades, os boletins de ocorrência, que narram crimes como esse, sempre têm dois pontos em comum: uma pessoa de confiança e um copo cheio de bebida. Em muitas vezes, a vítima se quer imagina que está sendo dopada, pois, as substâncias usadas no coquetel não apresentam sabor, cheiro e cor. As chamadas “drogas facilitadoras de crimes” deixam a pessoa que as ingeriu em situação de vulnerabilidade, além disso, também é comum o bloqueio de memória. A polícia investiga o caso do ex-diretor de área da Prefeitura de Sorocaba, Rafael Pinheiro do Carmo, que pode ser uma das vítimas desse tipo de golpe. Rafael foi exonerado do cargo público após se envolver em uma polêmica em um drive-in da cidade. Um exame toxicológico apontou a presença dos medicamentos cetamina (anestésico para uso humano e veterinário), clonazepan (popularmente conhecido como Rivotril) e midazolan no corpo do ex-diretor.

O caso de Rafael teve uma grande repercussão em Sorocaba, pois, o servidor público foi encontrado em um drive-in com uma mulher transsexual, no dia 29 de julho deste ano. Ela teria pego a arma do ex-diretor e ameaçado um atendente que os cobrou por terem extrapolado o limite de permanência no estabelecimento. A mulher foi desarmada pelo próprio funcionário, que acionou a Polícia Militar (PM) para controlar a situação. No entanto, na ocasião, a PM não conseguiu o depoimento da autora da ameaça, em função dela estar, em “aparente estado de embriaguez ou uso de entorpecente”. A arma tinha registro e estava legalizada. Mesmo sem haver disparo, a arma foi apreendida para perícia e depois devolvida ao dono. O episódio causou impactos negativos na vida de Rafael em diferentes aspectos, segundo o advogado Germano Marques. “Foi uma situação muito complicada, porque ele virou motivo de chacota, as pessoas olhavam para ele e riam. Ele desenvolveu danos psicológicos e, por muito tempo, não conseguia nem comparecer a eventos, precisou fazer terapia”, diz.

O delegado do 8º Distrito Policial, Acácio Leite, informou ao Cruzeiro do Sul que os casos de “boa noite, cinderela” são crimes em que os golpistas se aproveitam da confiança ou de um momento de distração da vítima, para praticar o delito. Além disso, também destacou que a maioria das pessoas que caem nesse tipo de golpe são homens. “Em alguns casos, a vítima tem uma proximidade com o autor do crime. Já vimos casos em que a vítima conhecia a autora há muitos anos, eram vizinhos e iam à igreja. Podemos dizer que o crime lembra o estelionato, em que pessoa dissimula e ganha a confiança da vítima na lábia... Na maioria das vezes, os homens são as vítimas e isso envolve muitos fatores. Alguns podem ter o perfil mais galanteador e acreditam que terão um relacionamento com alguém, quando, na verdade, serão mais uma vítima”.

O delegado disse que, no dia em que ocorrência da Rafael foi registrada, ele estava inconsciente e “não falava nada com nada”. “Ele não estava em condições de depor, recuperou a lucidez uns dias depois”. Germano também disse à reportagem que o ex-diretor só conseguiu recobrar a consciência dois dias após o ocorrido. “Ele estava totalmente alterado, para termos noção, Rafael só conseguiu distinguir o que estava acontecendo já no hospital, enquanto recebia atendimento médico. Tanto que a sindicância que foi aberta na Prefeitura para apurar a conduta dele foi arquivada. Nenhuma outra substância, além das “drogas facilitadoras de crime”, acusaram no exame toxicológico. As investigações mostrarão que ele também é uma vítima do “boa noite, cinderela”.

Efeitos colaterais

O professor e doutor em toxicologia, Eric Barioni, explica que substâncias como clonazepam e cetamina são fármacos depressores e perturbadores do sistema nervoso central. “A prática do ‘boa noite, cinderela’ encontra justamente nos efeitos adversos e colaterais de fármacos como a cetamina e os benzodiazepínicos, incluindo o clonazepam e midazolam, a oportunidade para o abuso e demais tipos de crimes. Como efeitos colaterais, esses fármacos podem causar diferentes graus de sonolência, sedação, letargia, falta de coordenação motora e alteração de memória”, explicou.

Os efeitos colaterais são agravados devido a misturas e dosagens desconhecidas, utilizadas pelos criminosos. “Estas substâncias podem causar quadros graves de intoxicação e até mesmo morte”, disse Eric. Além disso, a vítima não se lembrará de praticamente nada, mantendo-se sonolenta e letárgica durante o efeito dos medicamentos, “respondendo facilmente aos comandos dos bandidos e pode até ser conduzida sem resistência pelos criminosos”. A cetamina é um anestésico dissociativo. “É indicada para uso humano e em animais, porém, dependendo da dosagem, tem efeitos alucinógenos, por isso se consolidou como a droga do estupro”. O especialista explicou que a pessoa pode estar acordada, mas fora de si, fazendo o que o outro pedir.

Eric esclarece que, para análises toxicológicas, o cabelo é a melhor amostra ou matriz biológica. O crescimento do cabelo é de aproximadamente um centímetro ao mês, e isso permite realizar análises totais ou de forma segmentar (mês a mês). O Brasil conta com vários laboratórios de toxicologia certificados, e alguns deles estão localizados em Sorocaba e região. O especialista finaliza deixando um alerta: “estas drogas são muito fáceis de serem colocadas nas bebidas, pois não têm cheiro, cor ou sabor, portanto, especialmente em festas, bares e eventos diversos, cuide do seu copo e da sua bebida”. (Wilma Antunes - programa de estágio)