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Violência doméstica

Em briga doméstica, condomínio vai ter que meter a colher

Lei obriga síndicos a notificar violência contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos

10 de Outubro de 2021 às 00:01
Virginia Kleinhappel Valio [email protected]
(Crédito: MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL)

Publicada no Diário Oficial do Estado em 16 de setembro, a Lei 17.406/2021 obriga os condomínios residenciais e comerciais de todos os municípios paulistas a denunciarem casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. A nova regra começa a valer 60 dias a publicação.

Os síndicos ou responsáveis dos condomínios ficam obrigados a comunicar aos órgãos de segurança pública, qualquer indício de violência doméstica e familiar. De acordo com a proposta, a comunicação deve ser feita em até 24 horas após o fato ocorrido. Além disso, as informações devem contribuir para identificar as vítimas e o possível agressor.

A norma também obriga a fixação de cartazes, placas ou comunicados nas áreas de uso comum dos condomínios, divulgando a lei e incentivando os moradores a notificarem o síndico e/ou administrador quando houver conhecimento da ocorrência ou de indícios de episódios de violência doméstica no interior do condomínio.

Administradora de condomínios já orienta clientes sobre as novas exigências. - FÁBIO ROGÉRIO (7/10/2021)
Administradora de condomínios já orienta clientes sobre as novas exigências. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (7/10/2021))

Patrícia Del Rios, 44 anos, é sócia-proprietária da Del Rios Administradora e está acompanhando o projeto há algumas semanas. “Imprimimos o aviso em formato de folder, mandamos plastificar e colocaremos, ainda nos próximos dias, nas portarias de nossos clientes”. Ainda de acordo com a empresária, todos os clientes receberam um comunicado, através de e-mail, para orientar e explicar a responsabilidade que os mesmos devem ter.

O aviso pode ser feito de forma anônima por qualquer condômino. Se o síndico, por alguma razão, não se sentir confortável em levar o caso diretamente às autoridades, tem a prerrogativa de encaminhá-lo à administradora do condomínio, que deverá concluir o trâmite.

A multa para o descumprimento da lei seria de até R$ 2,9 mil, mas foi vetada pelo governador João Doria. Os comunicados previstos na lei estadual podem ser feitos à Polícia Militar (190), Central de Atendimento à Mulher (180) ou ao Disque Direitos Humanos (100).

Um terço das mulheres paulistas é vítima de violência física ou sexual

Uma em cada três mulheres é submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro, ao longo da vida. É o que mostra o Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O documento descreve a violência contra a mulher como um problema endêmico e grave.

A pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre a vitimização das mulheres no Brasil em 2019 apontou que, em 76,4% dos casos, a agressão foi cometida por conhecidos - pessoas do círculo social e afetivo da vítima. Os resultados do relatório Jusbarômetro, confirmam esse cenário para o Estado de São Paulo em 2021. Ele mostra ainda que o percentual de menção à violência em casa é mais alto no interior do Estado de São Paulo, chegando aos 72%.

Entre os órgãos oficiais, a Delegacia da Mulher é citada como a mais procurada pelas vítimas, segundo os relatos das entrevistadas (55%). Entretanto, a procura pela Delegacia da Mulher, praticamente empata com a busca de ajuda informal, entre amigos e familiares, que juntos somam 56% das menções.

Problema ampliado

Segundo a delegada da DDM de Sorocaba, Veraly de Fátima Bramante Ferraz, a pandemia intensificou o convívio familiar e isso afetou o emocional das pessoas, que aliado à falta de tolerância e paciência, geram brigas e discussões por motivos banais, que acabam em violência.

A autoridade policial confirma que houve um aumento do registro de violência doméstica na cidade. “Com relação ao ano passado, tivemos um aumento de 30% a 40% de medidas protetivas de urgência, que já passaram de mil, sendo que no mesmo período do ano passado não chegava a 700”.

Delegada Veraly diz que as mulheres estão mais conscientes dos seus direitos. - FÁBIO ROGÉRIO (8/10/2021)
Delegada Veraly diz que as mulheres estão mais conscientes dos seus direitos. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (8/10/2021))

Com relação a atendimentos e registros de boletins de ocorrência, há uma média de 3 mil a 3.320 atendimentos, desde janeiro de 2021. “Algumas mulheres que foram agredidas em outra cidade acabam vindo para Sorocaba, para a casa de algum parente ou para viver longe do parceiro e, então, fazem o B.O em Sorocaba. São números que não refletem a realidade somente de Sorocaba”.

Para ela, o aumento ocorre porque a mulher percebeu o poder que possui dentro de si. A denúncia vêm quando a vítima não deseja mais viver naquela situação. Para a delegada, as propagandas, campanhas e até mesmo reportagens, encorajam as vítimas. “A lei existe e é aplicada com muito sucesso, por isso esse aumento. Também demonstra esperança para as vítimas, para que elas possam sair de um ambiente de violência, denunciar e viver com felicidade e liberdade”.

Jusbarômetro

A segunda edição do Jusbarômetro SP foi realizada entre 21 e 24 de agosto de 2021 e ouviu mil mulheres residentes em todo o Estado. Pela natureza sensível do tema, o questionário recorreu à técnica projetiva de third-party: as perguntas foram feitas em referência à terceira pessoa, sem que a entrevistada fosse levada a se incluir explicitamente entre as vítimas.

Entre as mulheres ouvidas, 88% percebem que esse tipo de violência vem aumentando no Estado de São Paulo; 54% indicam a violência doméstica contra a mulher como a principal preocupação das paulistas hoje; 66% acreditam que a casa é o principal local das agressões; e 63% apontam como autor do crime o cônjuge, companheiro ou o namorado.

Ao descrever o cenário da violência doméstica, o Instituto Maria da Penha identifica uma espécie de espiral do silêncio: as vítimas, por medo, vergonha ou constrangimento, calam-se sobre o assunto; com isso, os agressores não são responsabilizados e a violência se reproduz. Os motivos indicados pelas entrevistadas no Jusbarômetro SP para o silêncio das vítimas corroboram essa tendência: 73% das entrevistadas apontam o medo como o principal motivo. Esse resultado é homogêneo nos diversos segmentos de público. (Virgínia Kleinhappel Valio)

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