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Clubes de tiro têm alta procura na região

RMS registra mais de 4,3 mil sócios; interesse por armas reflete sensação de insegurança da população

13 de Setembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Só o Black Beard, em Salto de Pirapora, tem 3.600 sócios; dos cinco clubes da região, dois não revelaram o número de associados.
Só o Black Beard, em Salto de Pirapora, tem 3.600 sócios; dos cinco clubes da região, dois não revelaram o número de associados. (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO)

A posse de armas é um tema que divide opiniões quando o tema é segurança pública e o direito de proteger a si mesmo, sua família e propriedades. Em relação a esse assunto, o Estatuto do Desarmamento de 2003 implementou, via lei, um controle mais rígido de armas. Desde então, a venda de armas para civis não foi proibida, mas passou a ter critérios baseados em avaliação de risco.

Em 2005, a população foi consultada por meio de um referendo se desejava a proibição total do acesso de armas por civis e a maioria votou não. No decorrer desses 18 anos, as alterações feitas na Lei do Estatuto foram aprovadas pelo Congresso Federal ou por decretos do Executivo Federal.

Hoje, o acesso a armas pela população em geral é permitido por dois caminhos: pela Polícia Federal ou pelo Exército. Com a PF, é possível adquirir a posse para defesa pessoal. Já pelo Exército, é para transportá-la somente entre a residência e o clube de tiro, desde que a pessoa esteja dentro da categoria CAC (colecionador, atirador e caçador) e possua CR (certificado de registo).

Um meio de entender como as pessoas enxergam a questão armamentista e o perfil de quem se interessa pelo assunto é olhar para os clubes de tiro. A região de Sorocaba possui cinco, três deles na cidade, um em Salto de Pirapora e outro em Araçoiaba da Serra.

Dentre eles, três aceitaram revelar o número de filiados. Somados, são 4.300 sócios, 3.600 só no Black Beard de Salto de Pirapora, fundado em 2015 por Newton Ramos, ex-chefe de segurança da Schaeffler.

Normalmente, os frequentadores vão aos clubes praticar com a própria arma, mas quem quiser, pode usar uma das armas do estabelecimento.

  - FÁBIO ROGÉRIO
(crédito: FÁBIO ROGÉRIO)

O mercado das armas é lucrativo. Para ter acesso a esse tipo de atividade, a pessoa precisa desembolsar um valor entre R$ 720 e R$ 1.100 por ano para manter a filiação a um clube, requisito exigido pelo Exército para manter o CR e certificado CAC, além dos valores desembolsados com taxas para permissões e laudo psicológico. Esse último pode custar pelo menos R$ 400,00 e era realizado a cada cinco anos, mas em 2019 passou a ter um intervalo de 10 anos.

O acesso a esse mundo, que pode ser considerado um “estilo de vida”, ocorre principalmente por pessoas de classe média a alta, normalmente homens entre 30 e 60 anos. A parcela feminina costuma ser 30% dos frequentadores. Para o dono do Black Beard, o tiro é um anti-estresse. “Um médico, advogado que tem uma semana cheia, sai desestressado. Porque o anti-estresse do tiro está relacionado à condição de você ter concentração no tiro. Isso faz com que ele esqueça todo mundo lá fora”.

Para a psicóloga Cristiane Abreu, credenciada pela Polícia Federal para a expedição desses laudos, o fato da maioria dos interessados serem homens “talvez seja uma questão sócio-cultural, onde a arma pode ser um objeto de empoderamento e até de virilidade.”

A avaliação psicológica é uma das partes mais importantes no processo para se obter uma arma, e segue uma estrutura e procedimentos pré-determinados e pode ser feita de forma individual ou em grupos de 15 pessoas. “Eu trabalho individualmente. Já fiz avaliações coletivas, mas me sinto mais segura fazendo avaliações individuais”, explica a psicóloga. Ela faz um comentário sobre a segurança da avaliação: “Todas as leis garantem que se passe uma ‘peneira’, porque você vai avaliar a pessoa. Mas 100% de segurança eu acho impossível”.

Flexibilização

As leis de controle de armas precisam ser revistas pelo Congresso Federal para serem alteradas. E o tema tem voltado ao interesse público cada vez mais desde 2016. Desde esse período, alterações pontuais foram feitas na legislação, mas a partir de 2019, mudanças mais substanciais foram feitas via decreto do Executivo Federal. Até o momento, conta-se com 34 decretos e portarias.

Especialista em segurança pública, Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz (ISP), cita dois exemplos de flexibilizações vistas com preocupação: “O aumento muito grande do número de armas autorizadas de imediato para qualquer CAC e a retirada de produtos da lista de controlados pelo Exército, porque são partes e acessórios das armas que hoje são produtos comuns. Aqui vale a ressalva de que a gente não tem nada contra a existência da categoria, ela está prevista em Lei e não temos nada contra quem pratica o esporte de forma responsável”, diz.

Mesmo entendendo que os critérios estabelecidos na Lei são adequados para a diversidade que existe dentro do Brasil, o ISP vê algumas fragilidades envolvendo a operação dos sistemas da PF e do Exército para processar as solicitações.

“A maior fragilidade que a gente vê via CACs é a precariedade da fiscalização do Exército, porque de fato ele não tem meios adequados para fazer isso”, explica Natália, ao se referir ao sistema Sigma, que tem 20 anos -- auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) já apontaram de fragilidades a erros operacionais.

Segurança pública

O sentimento que leva muitas pessoas a se armarem é a sensação de insegurança. Elas buscam preencher uma falha na segurança pública que, muitas vezes, é vista exclusivamente como a falta de equipamento das polícias. Mas a especialista do Sou da Paz ressalta a fragilidade na inteligência das investigações da Polícia Civil, o que evitaria parte dos confrontos policiais diretos.

“A gente fala muito da Polícia Militar quando pensa na segurança. A política de segurança muitas vezes é feita no flagrante. O confronto é ruim para todo mundo. Em primeiro lugar, para o policial. O confronto deveria ser a exceção, porque está colocando a vida dele em risco. Os suspeitos deveriam ser processados e investigados, as pessoas em volta também estão em risco”. (Ana Montoro)

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