Artistas do circo Portugal voltam ao picadeiro
É quase como uma nova estreia, com direito a frio na barriga, nervosismo e até um pouco de medo, dizem
Após cerca de um ano e meio fechados por conta da pandemia de Covid-19, os circos puderam, finalmente, reabrir no início de agosto. Para os artistas, subir ao palco e se apresentar para a enorme plateia, depois de tanto tempo, teve a mesma emoção de quando o fizeram pela primeira vez na vida. É quase como uma nova estreia, com direito a frio na barriga, nervosismo e até um pouco de medo.
Alívio é a palavra que define a retomada das atividades para a diretora artística do circo Portugal, Michelle de França Portugal, de 37 anos. Fundado em 1862, o circo nunca havia ficado tanto tempo parado. Quando fechou, em março de 2020, início da pandemia, estava em Sumaré, em São Paulo. Lá, ficou até o dia 6 de agosto, quando veio para Sorocaba. A cidade é o primeiro destino do picadeiro após a reabertura.
Durante a suspensão dos espetáculos, toda a estrutura chegou a ser desmontada. Sem renda, os artistas tiveram de encontrar outras formas de ganhar dinheiro. “A gente se virou. No começo, uns arrumaram emprego em Sumaré. Outros trabalharam em restaurantes. Outros foram para as ruas vender brinquedos que vendiam no circo”, conta Michelle.
Outra solução encontrada pela trupe foi se adaptar à nova realidade. Como a maioria dos setores, os artistas apostaram na tecnologia e organizaram duas lives pelo Youtube. Os espetáculos on-line, exibidos gratuitamente, tiveram como objetivo arrecadar recursos. “O intuito da live foi ajudar os artistas. Nós deixamos uma conta para quem quisesse e pudesse ajudar” diz Michelle.
Os artistas Valéria, Michel e Michele: "agora, estamos tendo a nossa vida de volta". (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (20/8/2021))
Nesse período, as dificuldades financeiras tiraram a alegria de quem está acostumado a levá-la para os outros. O fato dos artistas não poderem fazer o que amam, talvez, tenha causado tristeza maior do que a falta de dinheiro. “Cada um teve que buscar uma motivação para não entrar em depressão”, revela Michelle, atuante, também, como “mulher laser”, ilusionista e bailarina.
Hoje, passado o período de maior dificuldade, a alegria impera novamente no circo. Ele ainda não funciona com capacidade total, mas, sim, com 80%. O picadeiro tem capacidade para duas mil pessoas. Porém, tem liberado a entrada de mil a 1.300. Os espetáculos ocorrem diariamente, sendo um em dias úteis, dois aos sábados e três aos domingos. A quantidade de apresentações diárias é a mesma de antes da pandemia.
O distanciamento de cerca de um metro entre as cadeiras e obrigatoriedade do uso de máscara também continuam. Outra medida é a disponibilização de frascos de álcool em gel em diversos pontos das instalações. Apesar da restrição de público, Michelle afirma que já foi possível recuperar o movimento e o faturamento regulares. “Agora, estamos tendo a nossa vida de volta”, comemora ela.
A felicidade é compartilha por Michel Disney Kikuchi, 43 anos. Um dos integrantes do globo da morte e equilibrista, Kikuchi nasceu no circo, como ele mesmo conta. Com a pausa na carreira pela primeira vez em todos esses anos, teve de se adaptar. Trabalhou em madeireira, serraria, com embuchamento de máquina agrícola e torneiro.
Durante a pausa, Kikuchi vivenciou a dor de não poder exercer a sua vocação. Porém, o sorriso no rosto dele e a empolgação ao falar do seu trabalho confirmam a passagem dessa fase ruim. “A sensação de voltar é maravilhosa. A gente se sente vivo de novo”, explica.
A acrobata e bailarina Valéria Farfan, 43 anos, enfrentou a mesma agonia de Kikuchi. Artista circense desde criança, precisou trabalhar como cozinheira, enquanto o marido atuava como caminhoneiro. Nesse período, o casal também vendeu maçãs do amor, pipoca, algodão doce, dentre outras guloseimas, para prover o sustento deles e das filhas, de 5 e 13 anos. Todos são da trupe. “Quando perdem o emprego, as pessoas podem procurar outro. No nosso caso, não tínhamos como procurar outro, porque todos os circos pararam”, relata.
Agora, como para os colegas, essa época virou apenas uma lembrança para Valéria. “Quando voltamos, parecia a primeira vez. É muito gostoso e muito gratificante, porque eu nasci para isso”, comenta, empolgada.
Distanciamento deve ser mantido
O funcionamento dos circos no Estado de São Paulo obedece às mesmas regras para eventos sociais, feiras e museus. Apesar de o governo estadual ter liberado a operação com 100% da capacidade, o distanciamento social tem de ser mantido e não pode haver aglomeração nos picadeiros.
Por isso, de certa forma, os circos ainda não podem funcionar com lotação máxima. Assim, as atrações devem calcular quantas pessoas podem receber, de maneira a conseguirem manter a distância necessária entre as cadeiras. Os demais protocolos sanitários de prevenção à Covid-19, como o uso da máscara, continuam obrigatórios. (Vinicius Camargo)
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