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Sorocaba

Pandemia: pressão sobre profissionais

14 de Julho de 2021 às 00:01
Vinicius Camargo [email protected]
(Crédito: China OUT / AFP / STR)

Atualizada em 14/07/2021, às 10h46 

“Em primeiro lugar, tenho fé e também acredito que tudo vai passar. Isto é o mais importante, porque tudo na vida passa”. Pensar positivamente é a estratégia do médico Fernando Brum, de 57 anos, diretor-técnico da Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba, para manter a estabilidade emocional na pandemia. Brum se sente psicologicamente abalado, em diversos momentos. Ele não é exceção. A pandemia de Covid-19 aumentou, de forma geral, a pressão sobre profissionais de saúde. Consequentemente, a carga emocional vivenciada por eles também.

Brum conta se sentir mais ansioso e angustiado desde o início da crise sanitária. Segundo o infectologista, os sentimentos se afloraram, principalmente, por se tratar de um vírus desconhecido. Em 31 anos de exercício da medicina, o médico diz nunca ter vivido quadro parecido com o atual.

Com o passar do tempo, respostas sobre o novo coronavírus apareceram. Mesmo assim, a ansiedade de Brum prevalece. Embora as descobertas tenham gerado alívio, também trouxeram medo, pois revelaram a gravidade da doença. “Acho que o que mais me causa ansiedade, primeiramente, é essa coisa cíclica . Quando pensamos que está acabando, volta”, relata Brum, referindo-se às oscilações entre melhora e piora da pandemia. Ele afirma não conseguir desligar do trabalho, mesmo quando está fora do hospital.

Fernando Brum diz pensar positivo, para conseguir manter a sua saúde mental em meio à pandemia  - Divulgação
Fernando Brum diz pensar positivo, para conseguir manter a sua saúde mental em meio à pandemia (crédito: Divulgação)

Parar de pensar nas suas funções também é um desafio para a enfermeira Daniela Serrão, 42 anos, coordenadora do setor Covid da Santa Casa. Por estar na linha de frente, ela lida diretamente com pacientes graves e convive de perto com a morte. Além desses fatores, há, é claro, o medo da própria doença. “Como vejo (a gravidade da doença) muito de perto, tenho medo de estar lá do outro lado (como paciente), ou de algum familiar, algum conhecido, ou algum colega estar do outro lado”, fala.

Daniela relata estar frequentemente agoniada. Assim como Brum, ela aponta a incerteza quanto ao fim pandemia como a principal causa de sua angústia. Segundo a enfermeira, os números indicam, em alguns momentos, melhora na crise. Mas, na prática, ainda é difícil perceber a regressão. “Nós, que trabalhamos na linha de frente, ainda não conseguimos ver muito conforto. (Os hospitais) estão sempre cheios, desde o início da pandemia”, pontua.

Daniela Serrão conta não conseguir desligar do trabalho, mesmo quando está fora do hospital - Divulgação
Daniela Serrão conta não conseguir desligar do trabalho, mesmo quando está fora do hospital (crédito: Divulgação)

A gerente de enfermagem do Hospital Evangélico de Sorocaba (HES), Thais Muniz, 42 anos, vivenciou justamente a situação descrita pela colega de profissão. Em março deste ano, perdeu a mãe para a doença contra a qual luta diariamente. O luto se somou à responsabilidade de administrar uma equipe com cerca de 250 pessoas e de lidar com todos os desafios impostos pela pandemia. Também se integrou às longas jornadas de trabalho durante a pandemia. “Eu cheguei a um grau de ansiedade muito grande e eu sei que preciso estar bem, para que a minha equipe esteja bem. Então, eu fui buscar ajuda de um profissional”, conta.

Hoje, ela faz terapia, pratica beach tennis e mantém a sua fé, por meio das idas constantes à igreja. Tudo com o objetivo de estar fortalecida. “Essas três coisas me dão energia para vivenciar o meu dia a dia e fazer o que mais amo, que é cuidar de pessoas”, diz.

Thais Muniz se sente mais ansiosa, por conta do aumento de suas demandas na pandemia - Divulgação
Thais Muniz se sente mais ansiosa, por conta do aumento de suas demandas na pandemia (crédito: Divulgação)

O Cruzeiro do Sul tentou levantar dados sobre o número de afastamentos de profissionais de saúde de Sorocaba durante a pandemia, por conta de problemas psicológicos. Porém, não foi possível. As informações foram pedidas à Secretaria da Saúde (SES) da cidade; à Secretaria de Estado da Saúde; ao Sindicato Único Empregados de Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Sorocaba Região (Sinsaúde); às assessorias de imprensa dos hospitais da cidade; ao Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e ao Conselho Regional Medicina Estado São Paulo (Cremesp).

A pasta estadual, o Sinsaúde e o Coren afirmaram não terem os dados. Já a SES e o Cremesp não retornaram. Dos cinco hospitais particulares do município, três informaram não divulgar essas informações. Os outros dois não se manifestaram. As duas unidades de saúde públicas que foram questionadas também não responderam. 

Psicóloga orienta a procurar ajuda

Tatiane Pereira, especialista em saúde e psicologia hospitalar. - FÁBIO ROGÉRIO (21/7/2020
Tatiane Pereira, especialista em saúde e psicologia hospitalar. (crédito: FÁBIO ROGÉRIO (21/7/2020)

A psicóloga Tatiane Guimarães Pereira, especialista em saúde pública e psicologia hospitalar, afirma que os profissionais de saúde devem buscar auxílio quando atingem os seus limites emocionais. O conselho se torna ainda mais essencial na pandemia. “Se fortalecer é reconhecer os seu sentimentos, os seus limites, expressar esses sentimentos e falar sobre eles com profissionais de confiança”, diz ela sobre a importância de se realizar acompanhamento psicológico.

Conforme Tatiane, atuar com o sofrimento, a responsabilidade de cuidar e a pressão são traços comuns na área da saúde. Esses fatores, completa ela, geram, naturalmente, estresse, bem como desgaste físico e emocional. Com a pandemia, as exigências sobre os profissionais aumentaram. Automaticamente, essas características da rotina também.

Atualmente, elenca a psicóloga, os trabalhadores se dedicam ao outro de forma mais intensa. O trabalho se intensificou devido à gravidade da doença, pois os pacientes demandam atenção frequente e pormenorizada, e à quantidade de pacientes em si. Desta forma, há excesso de trabalho. Os profissionais ainda devem estar mais atentos, por conta dos riscos de contaminação, o que gera medo, sensação de ameaça e vulnerabilidade. As mesmas sensações são despertadas por ser uma doença nova. Tudo isso, pontua ela, sobrecarrega o sistema emocional. “Essa rotina, em excesso, durante muito tempo, pode trazer algumas repercussões, como (síndrome de) burn out, que é uma doença ocupacional, ou fadiga por empatia”, informa.

Outras consequências, acrescenta, podem ser o agravamento de quadros de ansiedade e o desenvolvimento de depressão. Por isso, “nessa situação tão intensa, que é trabalhar na linha de frente da pandemia, (é importante o profissional) ter alguns momentos para cuidar de si, fazer exercícios físicos, ler, fazer videochamada com pessoas que ama, lembrar do seu objetivo (enquanto profissional)”, recomenda. (Vinicius Camargo)

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