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Aos 31 anos, ECA ainda não é respeitado integralmente

Conjunto de normas é essencial na proteção de crianças e adolescentes

13 de Julho de 2021 às 00:01
ECA reconheceu, pioneiramente, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.
ECA reconheceu, pioneiramente, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. (Crédito: AGÊNCIA BRASIL)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje 31 anos de promulgação. Segundo especialistas do setor, a implementação do instrumento jurídico foi fundamental para o reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente. Mesmo após mais de três décadas, o conjunto de normas é considerado adequado e essencial. Porém, o seu cumprimento efetivo e integral ainda não é uma realidade.

Conforme Angélica Lacerda Cardoso, presidente do Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente de Sorocaba (CMDCAS), o ECA reconheceu, pioneiramente, a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e em desenvolvimento. Antes, lembra ela, havia apenas leis voltadas à penalização criminal, como o Código de Menores. “Era como se a criança sequer existisse, não pensasse e não tivesse nenhuma prerrogativa”, diz.

Instituído em 13 de julho de 1990, o ECA estabelece como “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

De acordo com a promotora de Justiça Cristina Palma, atuante há 27 anos com esse público, o estatuto assegurou aos mais jovens direitos específicos, levando em conta as suas particularidades. “O que o ECA trouxe de fundamental foi o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Ele apresenta que esse público tem que ser atendido em todas as suas necessidades e em todos os seus direitos e com prioridade absoluta”, informa.

Segundo Cristina, a legislação trouxe diversos benefícios, na prática. Conforme exemplifica, por meio da lei, foram criados os Conselhos Tutelares e os Conselhos e os Conselhos Municipais de Defesa da Criança e do Adolescente. Igualmente passou a permitir a retirada, pela Justiça, de menores de idade de lares disfuncionais. Também auxiliou na proibição do trabalho infantil e na fomentação de processos de adoção dentro da legalidade, dentre outras contribuições.

Apesar das colaborações, Angélica e Cristina são unânimes ao afirmar que o estatuto não é integralmente cumprido, pois crianças e adolescentes têm vários dos seus direitos violados. Segundo ambas, para a lei ser definitivamente executada, é preciso possibilitar, sobretudo, acesso à educação e à saúde de qualidade; atendimento psicossocial; atendimento especializado para casos de violência; segurança alimentar; inclusão de crianças e jovens com deficiência; e erradicação do trabalho infantil. “Em termos de documentos (garantidores dos direitos das crianças e dos adolescentes), o Brasil está bem amparado. O que falta é aplicar esses documentos na sua integralidade”, fala Angélica.

Dados corroboram os argumentos das especialistas. De acordo com o relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2021, realizado pela Fundação Abrinq, 9,1 milhões de crianças e adolescentes brasileiros vivem na extrema pobreza. Outros 9,7 milhões estão em situação de pobreza. Além disso, quase 1,1 milhão em idade escolar obrigatória (de 4 a 17 anos) estão fora da escola, conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Para ambas, a transformação desse cenário e a aplicação concreta do ECA dependem, especialmente, da mudança de olhar do Poder Público, em todas as esferas. “Os governos precisam colocar a criança e o adolescente como prioridades, inclusive, dentro dos orçamentos governamentais, dentro das próprias políticas públicas”, destaca a presidente do CMDCAS. “As crianças e adolescentes têm o direito de terem orçamento próprio, para serem atendidos e contarem com serviços específicos”, acrescenta Cristina Palma.

A promotora destaca que os investimentos precisam ser constantes porque o auxílio às crianças e adolescentes, por meio do cumprimento da legislação, nunca é interrompido. Com a pandemia de Covid-19, acredita ela, os investimentos são ainda mais imprescindíveis. “A vulnerabilidade aumentou muito. Hoje, as crianças correm risco até de passar fome, por conta do desemprego. A questão escolar também ficou muito defasada, porque elas estão há quase dois anos fora das escolas. Também podem estar ocorrendo violências ocultas dentro dos lares, como insegurança alimentar, violência psicológica, física, emocional e sexual”, elenca.

Pastoral do Menor faz atividades para reflexão

A Pastoral do Menor de Sorocaba, entidade que atende a crianças e adolescentes em vulnerabilidade social, promoverá uma série de atividades em comemoração aos 31 anos do ECA. Hoje, às 19h, haverá a live Conversando sobre o ECA, no canal da Pastoral do Menor no Youtube. O convidado é José Roberto Rosa, coordenador-geral da entidade. A conversa será medida por Andreia Cristina Modesto, coordenadora do projeto Girassol e articuladora da Secretaria de Igualdade e Assistência Social (SGDCA). A transmissão é aberta ao público.

Além disso, os atendidos vêm estudando diversos aspectos do estatuto. “Incluímos o olhar para o ECA no intuito de fortalecer, informar, desmistificar preconceitos quanto ao documento e trazer valor a este estatuto, afinal, muitos países ainda não chegaram nem perto de ter algo assim”, comenta Lucinha Zaneti, responsável pela comunicação da pastoral.

Segundo Lucinha, as crianças e adolescentes foram orientados, nesta semana, a conhecer e refletir sobre os artigos da legislação, por meio de pesquisas e gravações de conteúdo em vídeos. Depois, devem compartilhar os seus pensamentos, ideias e sentimentos entre si e com as famílias. “As crianças precisam conhecer os seus direitos e deveres e, também, sentir que são importantes no mundo. Devem saber que, no Brasil, por mais difícil e desafiador que ainda seja, são protegidas por lei, pelo Estado, sociedade e família”, pontua.

As discussões resultaram em atividades produzidas pelos alunos, como desenhos e redações. Os trabalhos serão divulgados em todas as redes sociais de cada um dos 11 Centros Educacionais da Pastoral do Menor em Sorocaba. Posteriormente, haverá um concurso para eleger a melhor atividade de cada categoria. (Vinicius Camargo)