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Eleições

Mudança na Lei da Ficha Limpa divide deputados federais eleitos na cidade

Capitão Derrite e Guiga Peixoto votaram contra; Vitor Lippi e Jefferson Campos se posicionaram a favor

02 de Julho de 2021 às 00:01
Marcel Scinocca [email protected]
A Lei de Improbidade Administrativa quando aplicada determina se um candidato é elegível ou não.
A Lei de Improbidade Administrativa quando aplicada determina se um candidato é elegível ou não. (Crédito: FÁBIO ROGÉRIO / ARQUIVO JCS (23/11/2020))

O projeto de lei que modifica a chamada Lei de Improbidade Administrativa, aprovado pela Câmara dos Deputados, em 24 de junho, dividiu deputados federais de Sorocaba. A lei prevê punição para agentes públicos que agirem com intenção de lesar a administração pública. A modificação aprovada, por um lado, é entendida como forma de dar eficiência à administração pública. Por outro, ativistas e instituições públicas de combate à corrupção dizem que a mudança afrouxa a norma e ajuda quem comete crimes na gestão pública.

Os deputados Capitão Derrite (Progressista), Guiga Peixoto (PSL) -- que votaram contra a mudança -- e Vitor Lippi (PSDB), que foi a favor, comentaram a tramitação da norma na segunda-feira (30) e defenderam seus respectivos votos. Jefferson Campos (PSD), que também votou a favor, não se manifestou.

“O PLP, que altera alguns trechos da Lei da Ficha Limpa, é uma afronta para o cidadão de bem do Brasil”, afirma Guiga Peixoto. “É impossível nós pensarmos numa política séria e justa, com pessoas que não têm condições morais, nem administrativas de participar de um pleito eleitoral. O combate incessante à corrupção deveria ser um exemplo dentro da Câmara dos Deputados é impossível nós termos um país sério e justo com verdadeiros bandidos travestidos de políticos”, disse. “E essa aprovação, essa legitimação da PLP, é uma afronta a todos”, conclui.

“Votei contrariamente ao PLP 9/21, por ser contrário à qualquer medida que, de alguma forma, prejudique o combate à corrupção”, diz o federal Capitão Derrite. “Sem dúvidas, é uma forma de afrouxamento, ainda que sorrateira. Qualquer medida que procure blindar ímprobos e corruptos é prejudicial à nossa sistemática, já tão benevolente com a prática de irregularidades e nunca contará com voto meu para isso”, diz.

Vitor Lippi, entretanto, nega que a medida traga prejuízo. “Eu entendo que não, isso não afrouxa a questão da corrupção, porque quem é corrupto, desonesto, enfim, enriqueceu ilicitamente, não vai ter, obviamente, esse benefício”, acredita o parlamentar. “Nós queremos aumentar a pena dos desonestos, mas dar um tratamento justo para os honestos. Muitas vezes, a questão da prestação de conta, não é o prefeito que faz, é a equipe da prefeitura. Muitas vezes, a questão do gasto, da educação, é a Secretaria da Educação, não é o prefeito, no entanto, qualquer coisa que aconteça, acaba sendo responsabilidade dele, mesmo que ele não tenha dolo, não tenha má fé, não tenha intencionalidade”, justifica.

“Mesmo que a falha não tenha sido dele, mesmo que ele não tenha atuado diretamente, muitos bom gestores, gestores de boa fé, acabam sendo impedidos de disputar a eleição. Então, isso só vai servir para penalidades muito leves, como a questão de multas, que, eventualmente, acabam impedindo o gestor de ser novamente elegível. Portanto, eu entendo que é dar um peso adequado as coisas, quer dizer, é usar o bom senso, é usar a um critério”, justifica. “Acho que isso é uma questão de razoabilidade, nós não estamos flexibilizando para os desonestos.”

O deputado federal Jefferson Campos (PSD), não respondeu aos questionamentos do Cruzeiro do Sul até o fechamento desta edição.

O que muda

De acordo com o projeto, o agente público será punido se agir com intenção de cometer crime, não bastando a voluntariedade do agente. O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas ou a interpretação da lei sem comprovação de ato doloso com fim ilícito também afastam a responsabilidade do autor.

O projeto prevê ainda que o juiz terá liberdade para estipular as punições. As penas, após trânsito em julgado, de perda dos direitos políticos foram majoradas, aumentando o prazo máximo. Não há mais previsão de pena mínima.

A iniciativa atualiza a definição de algumas condutas consideradas improbidade; determina legitimidade privativa do Ministério Público para a propositura da ação de improbidade; inclui o rito do novo Código de Processo Civil na lei; e a previsão de celebração de acordo de não persecução cível. O PLP aprovado na Câmara dos Deputados segue, agora, para análise do Senado Federal.

Um dos idealizadores da lei e entidade criticam a alteração

O Observatório Social do Brasil, em Sorocaba, organização social que monitora a gestão pública, afirmou “que tem se posicionado contrariamente ao afrouxamento nas normas que punem atos de improbidade administrativa, como é o caso do Projeto de Lei Complementar, aprovado pela Câmara Federal. “O Brasil é conhecido como um país com alto índice de corrupção e com baixíssimo índice de punição de gestores corruptos. Isso é muito ruim, não apenas para a imagem do Brasil, mas porque dificulta a transparência e punibilidade”, diz nota da entidade, assinada pelo presidente João Francisco dos Santos.

Márlon Reis, advogado, ex-juiz e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa vê a mudança como um grande retrocesso. “A Lei da Ficha Limpa incomodou muito os setores atrasados, tanto na política, como também no mundo do Direito. Esses setores no campo do Direito são extremamente minoritários, mas no campo político estão agora com uma força muito grande e as propostas que estão em andamento, envolvem campos extremamente sensíveis da Lei da Ficha Limpa. Primeiro, favorecem o ingresso nas disputas eleitorais de pessoas que tiveram contas rejeitadas, depois de agirem intencionalmente em atos que caracterizam improbidades, como diz a Lei da Ficha Limpa, e as isentam por terem recebido, ‘apenas multa’. Quando na verdade o que está discutindo é o ato que praticaram e não a pena que receberam”, explica.

“O ato que praticaram, um ato doloso, portanto, intencional, e que corresponde a uma das improbidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Esse foi o primeiro ponto em que tentam afrouxar a lei. O segundo é em relação às condenações criminais, que atinge justamente as condutas mais graves, aquelas relacionadas a crimes contra a vida, contra a saúde”, lembra o ex-juíz. “E também ainda citando exemplos como atos de terrorismo, racismo e até crimes contra a liberdade sexual, como estupro. É justamente nesse campo que estão tentando diminuir o tamanho da inelegibilidade”, acrescenta.

“Por fim, eu deixo o aspecto que é ainda mais sério, no meu ver, que é o de exigir como um dos critérios para verificação de abuso de poder nas eleições, seja de abuso de poder político ou econômico, que haja uma ponderação com base nos votos obtidos. Se exige que haja uma busca de correspondência entre o abuso praticado e o número de votos alcançados em relação ao adversário. Isso é muito sério. Quando se faz esse tipo de exigência, se deixa de levar em conta que nós estamos tratando daquilo que a ministra Ellen Gleice (no STF até 2011) certa vez chamou de teoria do pico do iceberg. Quem foi surpreendido, distribuindo cestas básicas para uma parcela de uma comunidade, estava praticando isso contra todos e foi descoberto uma fração da conduta”, diz.

“É a conduta que deve ser levada em conta e não o resultado. Da forma como a lei está hoje, muito bem posta, até quem perdeu a eleição pode ficar inelegível, desde que tenha agido contra a lei na forma de obter votos. E até isso está sendo mudado. Então, tudo isso é muito sério, muito grave”, conclui Márlon Reis. (Marcel Scinocca)