Narcóticos Anônimos se adequam à pandemia com reuniões virtuais
Irmandade possui dez endereços em Sorocaba, mas eles estão fechados desde março por orientação das autoridades de saúde. Crédito da foto: Erick Pinheiro / Arquivo JCS (2/7/2018)
A necessidade de isolamento social em função da pandemia do novo coronavírus fez com que as reuniões de apoio aos narcóticos anônimos fossem transferidas para a internet. Em Sorocaba, a Irmandade Narcóticos Anônimos (NA) possui dez endereços, mas todos os pontos de reuniões presenciais estão fechados desde meados de março, seguindo as orientações das autoridades de saúde.
Para prosseguir com o objetivo de ajudar a manter o vínculo e a recuperação da dependência de drogas, incluindo o álcool, a organização sem fins lucrativos tem realizado encontros virtuais em todo o país. De acordo com um membro do comitê de relações públicas, a mudança imposta pela pandemia de Covid-19 foi bem aceita pela maioria dos frequentadores de Sorocaba.
“Dos membros regulares a gente acredita que 75% continuaram nas reuniões virtuais. Os 25% se devem à dificuldade com a tecnologia ou porque não se familizariou com a ferramenta”, afirma.
No último trimestre antes da pandemia, o NA em Sorocaba contabilizou 489 reuniões presenciais, em seus dez endereços, com a participação de 5.501 membros, com uma média de 12 membros por reunião. No mesmo período ainda foram contabilizados 120 recém-chegados, como são chamados os novos membros.
Para atender Sorocaba e região, desde o dia 21 de março são oferecidas 24 reuniões semanais. As reuniões têm sido realizadas nas plataformas Zoom -- um aplicativo de teleconferência que se popularizou com o advento da pandemia -- e Zello Walkie Talkie, que há seis anos foi adotada para dar suporte ao Sistema de Recuperação a Distância (RAD) dos Narcóticos Anônimos, voltado aos dependentes que moram em cidades onde não há grupos com reuniões presenciais. “A ferramenta (de audioconferência) já existia como um apoio e passou a ser ainda mais usada na pandemia”, assinala o membro.
Apesar da novidade, um membro garante que os encontros virtuais seguem exatamente os mesmos princípios das reuniões presenciais da organização fundada em 1953 nos Estados Unidos. “O abraço, que nos damos nas reuniões presenciais, é físico, mas na empatia ele também é espiritual. Então a gente consegue, numa reunião virtual, sentir e praticar a empatia, a identificação com o outro”, comenta.
Uma das bases do processo que leva os membros do NA a se manter longe das drogas é o apoio mútuo. A identificação entre eles dentro do trabalho de recuperação ajuda a perceber que não estão sozinhos e funciona como um componente terapêutico, afirma uma membro. “E esse senso de comunidade ganha ainda mais força agora, quando nos vemos que não estamos sozinhos. Estamos literalmente conectados com pessoas do Brasil todo e até de outras partes do mundo”, comenta.
Em todo o Brasil, 1,6 mil grupos de Narcóticos Anônimos tiveram as atividades suspensas as temporariamente por causa da pandemia de Covid-19. Atualmente, segundo a irmandade, são 1.737 reuniões virtuais no País, com cerca de vinte membros por reunião.
Além das reuniões abertas a amigos, familiares e população em geral, existem reuniões fechadas, nas quais são necessários ID e chave de segurança para ingressar. Para participar das reuniões é necessário ligar na Linha de Ajuda, pelos telefones (15) 98125-1628 ou 0800 888-6262.
Bebidas são ‘fuga’ no isolamento
Uma pesquisa de comportamento realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), UFMG e Unicamp mostra que 18% dos entrevistados (homens e mulheres) relataram aumento no uso de bebidas alcoólicas durante a pandemia do novo coronavírus. O maior aumento (26%) no uso de bebidas alcoólicas ocorreu entre as pessoas de 30 a 39 anos de idade, e o menor (11%), entre os idosos.
O maior consumo de álcool também está associado aos sentimentos de tristeza e depressão e foi relatado por 24% das pessoas nesse estado. São fatores psicológicos que tendem, também, a favorecer recaída dos dependentes, apesar de não haver pesquisas relacionando o consumo de drogas ilícitas durante a pandemia. A pesquisa ouviu 44.062 pessoas no País e também procurou identificar a relação da quarentena com fatores como estado de ânimo e hábitos não saudáveis, como má alimentação, tabagismo e sedentarismo.
Psicólogo clínico que atende on-line e também trabalha no atendimento de dependentes químicos, Lucas Sanches Santos comenta que um grupo de apoio pode ser essencial para que o indivíduo que está sofrendo pela dependência não se sinta sozinho. “Essa sensação de apoio, pertencimento e não julgamento é essencial para que recursos de superação sejam possíveis”, diz.
Segundo ele, a eficácia de atendimentos on-line pode ser a igual à presencial, mudando apenas pelo fato do distanciamento físico e a possibilidade de interrupções tanto de queda de energia, conexão de internet ou situações adversas no ambiente doméstico de cada participante. “Nesse ponto, se for possível um ambiente seguro e confortável para todos será muito produtivo”, conclui. (Felipe Shikama)