O ruído nas principais vias da cidade aumentou muito com aumento das entregas. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (27/7/2020)

A emissão excessiva de ruído provocado por escapamentos de motocicletas tem sido motivo recorrente de perturbação entre habitantes de Sorocaba. Moradores de diferentes regiões da cidade reclamam da poluição sonora e afirmam que o problema, que pode causar danos à saúde, como surdez, dores de cabeça, cansaço, estresse, irritação e insônia, se agravou durante o período de isolamento social por conta da pandemia de Covid-19, quando houve crescimento significativo do serviço delivery.

A Polícia Militar afirma que tem intensificado as ações para coibir esse tipo de infração. Já a Urbes diz que as blitzes suspensas desde março por causa da pandemia foram retomadas neste mês. Além de cobrar mais rigor na fiscalização por parte das autoridades, moradores sugerem que as empresas que vendem os produtos no sistema delivery assumam responsabilidade solidária dos transtornos provocados por esses entregadores e passem a exigir que as motocicletas usadas por seus funcionários ou prestadores de serviços estejam em acordo com as especificações originais.

Com o isolamento social decorrente da pandemia, as vendas por delivery cresceram quase 100% entre janeiro e maio deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo pesquisa divulgada recentemente pela startup Mobills. Além de refeições, dispararam a entrega em domicílio de itens de farmácia, padaria e confeitaria, quitanda e até pet shop. Na ponta desse sistema, que oferece comodidade para quem não quer sair de casa tem e ajudado os varejistas a movimentar seus caixas durante a quarentena, estão os motoboys. No entanto, a emissão de ruídos sonoros produzido pelas motocicletas de parcela desses profissionais tem sido motivo recorrente de reclamação da perturbação entre moradores de Sorocaba.

O engenheiro químico Denilson Aparecido Oliveira, que mora no Jardim Santa Bárbara, na zona oeste, relata que o ruído, ensurdecedor até para quem está dentro de casa, é emitido por motos com escapes adulterados. “Infelizmente esse problema não é novidade. Desde que começou essa prática de adulterar os escapes de moto, nós sofremos”. Segundo ele, o barulho passou a ser ainda mais recorrente durante a pandemia. “É o dia todo, mas se concentra mais no período noturno, quando cresce o número de entregas. Não vou dizer que o barulho é do inferno, porque o inferno ninguém conhece, mas é uma situação dramática”, relata.

Conforme o artigo 230 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), conduzir uma moto com “silenciador de motor de explosão defeituoso, deficiente ou inoperante” é infração grave e o condutor está sujeito a multa de R$ 195,13 e perda de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A infração também prevê como medida administrativa a retenção do veículo para regularização. Em Sorocaba, o ruído excessivo proveniente de escapamento veicular ainda pode resultar em multa ambiental, no valor de R$ 2.489,85, conforme a lei municipal nº 11.367, de 12 de julho de 2016, que dispõe sobre o controle e a fiscalização das atividades que gerem poluição sonora.

Muita gente defende que empregadores deveriam exigir motos silenciosas. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (27/7/2020)

Embora proibida, a prática de trafegar sem o equipamento é realizada há anos. Um motoboy que não quis se identificar e atua no ramo há dez anos e atualmente presta serviço de delivery para uma lanchonete, afirma que mantém sua motocicleta com todas as especificações originais, mas admite que muitos colegas removem a peça para justamente amplificar o barulho com intuito de que aproximação da moto seja percebida pelos motoristas a fim de diminuir os riscos de acidentes.

Morador do Parque Campolim, o psicólogo e engenheiro José Osmir Fiorelli observa que com a pandemia as ruas ficaram mais vazias -- de carros e ônibus -- e era de se esperar que o ruído diminuísse. No entanto, a perturbação persiste com tráfego das motocicletas, com os escapamentos adulterados que, segundo ele, vão na contramão da evolução da indústria mecânica. “Em qualquer avenida movimentada, não se tem um minuto sem que um desses motociclistas, em geral, entregadores, passe distribuindo mal estar acústico”, relata.

Ele pondera que o motivo da reclamação não está no uso do veículo que, segundo ele, é econômico, ágil e “imprescindível para entregas rápidas”, e sim no comportamento de alguns proprietários que acabam alterando o escape. “Esse comportamento é indecoroso. Do ponto de vista psicológico, tem uma questão preocupante que é o seguinte: se a pessoa acostuma com esse ambiente (de transgressão das normas e regras), ele vai replicar em outras situações. A pessoa que tem um comportamento educado e civilizado no trânsito é educada e civilizada tem em qualquer lugar. Se ela é mal educada no trânsito, o oposto também acontece e além de incomodar os outros, ela está prejudicando ela mesma”, afirma.

O advogado José Carlos Alves Coelho, que mora no Jardim Iguatemi, na zona leste, relata que também sofre com o ruído excessivo das motocicletas. “À noite, principalmente, o barulho é infernal. A maioria é de entrega, porque eles passam com aquela mochila, que parece uma caixa, nas costas”, assinala. Coelho afirma que compreende a necessidade dos motoboys em trabalhar à noite e que ele, inclusive, se beneficia dos serviços delivery, mas pondera que a emissão excessiva de ruído prejudica a qualidade de vida de todo mundo. “Ao contratar (o motoboy), o empregador tem condições de exigir as adequações necessárias para que não faça tanto barulho”, assinala.

Das pizzarias aos aplicativos

O sistema de entregas, que no início dos anos 2000 era adotado quase que exclusivamente por pizzarias, ganhou a adesão de vários outros setores do varejo nos últimos anos, especialmente com o advento dos aplicativos de delivery. As empresas iFood, Uber Eats e Rappi, líderes deste segmento no Brasil, foram questionadas se possuem critérios técnicos ou orientações aos seus entregadores para evitar a produção de ruído excessivo bem como se realizam campanhas ou fiscalização para evitar esse tipo de prática, mas não responderam até o fechamento desta edição. Uma assessora de imprensa da Uber Eats retornou e por telefone disse que a empresa só poderia se manifestar em “casos concretos” de reclamação envolvendo seu prestador de serviço, mas que, até o momento, não havia registro de queixa em relação a ruído excessivo das motocicletas. No caso das três empresas procuradas, esse tipo de reclamação pode ser feito pelo usuário no próprio aplicativo.

Há multa prevista no Código de Trânsito e legislação específica da Prefeitura de Sorocaba para motos com escape adulterado. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (27/7/2020)

Fiorelli assinala que além tentar conscientizar os motociclistas que insistem em produzir ruído excessivo, que segundo ele gira entorno de 100 decibéis, enquanto que o aceitável gira entre 60 e 65 decibéis, as autoridades precisam intensificar a fiscalização e aplicar multas em caso de descumprimento da legislação. “O efeito demonstração é muito importante. Existem duas maneiras de mudar o comportamento: ou pela conscientização, que é mais complexa, mas que dá mais certo, e a outra que é pelo medo. E esse medo pode ser pelo exemplo, se o rapaz vê que um outro colega foi multado ele vai ficar com medo (de também ser multado) e mudar o comportamento”, defende.

A Polícia Militar, por meio do 7º Batalhão de Policia Militar do Interior (7º BMP-I) informa que durante as operações realizadas aos finais de semana que visam coibir atos criminosos nos bairros tem intensificado a fiscalização em infrações de trânsito incluindo, especialmente as previstas no artigo 230 do CTB. Segundo a corporação, somente no final de semana de 23 a 26 de julho de 2020, foram fiscalizadas 163 motocicletas e confeccionados 173 autos de infrações de trânsito por motivos diversos, sendo recolhidas 31 motocicletas.

Já a Urbes - Trânsito e Transporte informa que neste ano as ações fiscalizatórias, para tentar coibir esse tipo de infração, que estavam suspensas desde março devido à pandemia da Covid-19, retornaram neste mês. De acordo com a empresa pública, neste ano foram aplicadas 34 multas foram aplicadas por agentes da Urbes da Guarda Civil Municipal. A Prefeitura de Sorocaba informa que 32 autuações foram feitas pela Sema, com base na lei municipal de poluição sonora. As medições feitas por técnicos da Sema são realizadas por meio de um aparelho chamado sonômetro, que nada mais é do que um medidor de som.

Em janeiro deste ano, a Urbes lançou uma pesquisa online com intuito de identificar quais as principais ruas e avenidas da cidade com maior incidência de ruído causado pelo escapamento de motocicletas. A pesquisa on-line, segundo a Prefeitura, não tem previsão de término e continua disponível no site da Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Sema): http://meioambiente.sorocaba.sp.gov.br/. Até o momento, segundo a pasta, foram recebidas 3.360 respostas. Os locais mais apontados na pesquisa são passados às autoridades de segurança para o planejamento da próxima ação, com o objetivo de realizar um trabalho mais efetivo de fiscalização e de educação ambiental na cidade. (Felipe Shikama)