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Golpistas praticam a venda de terrenos na região do Parque São Bento

08 de Junho de 2019 às 08:00

Estelionatários praticam golpes para venda de terrenos na região do Parque São Bento Os falsários levantam dados dos proprietários e apresentam documentos falsos para dar credibilidade ao negócio. Crédito da foto: Fábio Rogério

Imagine uma pessoa que perde o emprego, junta a indenização trabalhista e algumas economias, dá a entrada de R$ 25 mil na compra de um terreno, paga uma primeira prestação de R$ 500 e, para não ficar com dívida, quita o saldo remanescente de R$ 34.500 com a entrega ao vendedor de um carro nesse valor -- num total de R$ 60 mil. Pouco depois, essa pessoa descobre que caiu num golpe e foi enganada. Continua desempregada e agora, sem dinheiro e sem o carro, amarga um prejuízo que não sabe se vai recuperar.

Essa pessoa -- que prefere não se identificar -- é uma mulher de 59 anos que mora em São Paulo e comprou o terreno no Parque São Bento, zona norte de Sorocaba. A negociação foi feita no fim do ano passado e em maio deste ano ela teve ciência de que caiu num golpe. E esse não é um caso isolado. O 1º Cartório de Registro de Imóveis de Sorocaba identificou ao menos 40 vítimas do mesmo golpe entre as pessoas que compraram terrenos e se dirigiram à repartição em busca de confirmação da verdadeira identidade dos proprietários. Somente nos últimos 10 dias três novas vítimas foram registradas.

A repartição divulgou o caso com exclusividade ao Cruzeiro do Sul como forma de alertar a população e evitar que novas vítimas caiam no golpe dos estelionatários que se fazem passar por proprietários e usam documentos falsos para vender os terrenos. A história foi confirmada em entrevista dada pelo oficial do 1º Cartório, Carlos André Ordonio Ribeiro, que lamentou: “As vítimas, em sua grande maioria, são pessoas humildes, de poucos recursos financeiros, que entregaram suas economias conseguidas com grande sacrifício aos golpistas e agora, têm mínimas chances de recuperar esse prejuízo”.

Segundo o 1º Cartório, os golpes começaram em 2009, foram acionados por uma quadrilha de estelionatários que usa métodos sofisticados de falsificação de documentos e tem como alvo especialmente os terrenos vazios, sem construção, muitos dos quais pertencem a proprietários que moram na Grande São Paulo. Além de casos no Parque São Bento, foram encontrados casos semelhantes também no Residencial Renassance, no Jardim Estrela e na Vila Azul, e a repartição alerta que o mesmo crime pode ocorrer em qualquer lugar da cidade.

No esquema de funcionamento do golpe, o estelionatário seleciona o terreno, levanta o nome do verdadeiro proprietário e em seguida se faz passar por ele com o uso de métodos fraudulentos. Nos primeiros tempos dos golpes, elaboravam contratos falsos de compra e venda nos quais reutilizavam selos de outros documentos para dar veracidade ao contrato falso. “Tem muita gente que deve estar com o contrato falso e nem sabe”, disse uma funcionária do 1º Cartório referindo-se a possíveis vítimas que nem foram à repartição para registrar o documento.

Uso de “laranja”

Depois que o 1º Cartório começou a identificar a fraude na medida em que as vítimas procuravam a repartição com contratos falsos, os estelionatários criaram um novo modo de ação que tinha início na aquisição de um documento de identidade falso em nome do proprietário do terreno. Recorriam a um tabelionato de notas ou de registro civil, um “laranja” entrava na história como portador da nova identidade e em nome dele era aberto um cartão de assinaturas.

Essa era uma sofisticação do processo criminoso, que facilitava a conferência de autenticidade do documento. Nesse caso, na hora em que o documento dava entrada no 1º Cartório, o selo era o original. Mas o proprietário era só um “laranja” no esquema. Numa terceira modalidade de ação, o 1º Cartório também suspeita que os estelionatários elaboram contratos a partir do uso de assinaturas verdadeiras dos proprietários de terrenos. Nesse caso, a suposição é de que digitalizam as assinaturas para utilizá-las em contratos de compra e venda.

Cadastro na Prefeitura

Estelionatários praticam golpes para venda de terrenos na região do Parque São Bento Carlos André Ordonio Ribeiro, oficial do 1º Cartório, quer evitar novas vítimas. Crédito da foto: Fábio Rogério

Também como ação dentro do golpe para moldar a aparência de validade dos contratos, os estelionatários conseguem alterar dados cadastrais em seus nomes na Prefeitura, nos casos em que os terrenos ainda estão no nome da loteadora. Nesse caso, quando o comprador vai à Prefeitura conferir o nome do proprietário, confirma que os dados do imóvel batem com o do vendedor e admitem essa conferência como prova de verdade. “Qualquer um está sujeito a isso, basta ter inocência e acreditar”, diz uma funcionária do 1º Cartório.

No ano passado, o 1º Cartório enviou à Prefeitura ofício com relato dessas ocorrências e solicitou medida de segurança para que somente seja alterado o cadastro mediante a apresentação da certidão imobiliária que comprove o atual proprietário do imóvel. No ofício, a repartição anexou prova de contrato falso a partir do qual a Prefeitura fez alteração de cadastro e informou a existência de processo judicial da vítima nesse caso.

A mulher que teve o prejuízo de R$ 60 mil desabafa: “Eu me sinto lesada, enganada, não sei nem o que falar. É uma coisa que me causa muito sofrimento, é um dinheiro muito suado que a gente consegue trabalhando a vida inteira. Tenho fé em Deus que eu vou recuperar o carro e o dinheiro também”.

Gaeco e Polícia Civil investigam possível organização criminosa

A promotora de Justiça Maria Aparecida Castanho, que integra o Grupo de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), informou que o órgão vai analisar a possibilidade de existência de uma organização criminosa em torno das denúncias de ação de estelionatários na venda de terrenos no Parque São Bento. O Gaeco recebeu ofício do 1º Cartório de Registro de Imóveis que comunica o fato.

O delegado de polícia Acácio Aparecido Leite, titular do 8º Distrito Policial, também informou que há alguns inquéritos e outras investigações sobre o caso. “A polícia já tem vários indícios de autoria e suspeitos identificados”, disse o delegado. A condenação por estelionato determina pena de 1 a 5 anos de reclusão.

A Prefeitura de Sorocaba informou que, por meio da Divisão de Fiscalização Tributária Imobiliária (DFTI), tem conhecimento dos fatos relatados. Confirmou ter recebido ofícios 1º Cartório e da Polícia Civil com informes sobre as ocorrências. “Não efetuamos alterações de propriedade sem a escritura de registro atualizado”, informou a Prefeitura.

A empresa GSP, de São Paulo, representante do empreendimento Parque São Bento, também identificou fraudes em vendas de terrenos e tomou medidas por meio de registros de boletins de ocorrência na Polícia Civil em Sorocaba. Segundo a empresa, os fraudadores chegaram até a falsificar a assinatura de um diretor no Cartório do 2º Tabelionato de Notas de São Paulo.

O 1º Cartório orienta que para evitar cair em golpes não basta conferir o cadastro do imóvel na Prefeitura: é preciso ir à repartição, que fica no Alto da Boa Vista, e confirmar a situação do imóvel envolvido em negociação de venda. (Carlos Araújo)

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