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Eleições 2020: no Brasil, candidatos negros são maioria

12 de Novembro de 2020 às 08:50

Crédito da foto: José Cruz/Agência Brasil

Pela primeira vez na história eleitoral brasileira, as eleições contarão com mais candidatos negros do que brancos. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), referentes a 2020, apontam que 49,9% dos candidatos para estas próximas eleições se autodeclararam pretos ou pardos, uma situação que pode ser considerada ligeiramente mais condizente com o perfil demográfico do brasileiro do que o cenário percebido em eleições anteriores.

Por outro lado, as mudanças nas autodeclarações em relação às últimas eleições (2016), especialmente no caso dos candidatos que mudaram suas declarações de brancos para pardos ou pretos, também geraram alguma polêmica — a Folha de S. Paulo, por exemplo, divulgou em setembro de 2020 uma movimentação por parte de entidades do movimento negro que defendem a fiscalização nesses casos.

Compreendendo a repartição equitativa

Recentemente, em 2019, a partir de uma consulta conduzida pela deputada federal Benedita da Silva (atual candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro), o TSE decidiu pela repartição equitativa das verbas dos fundos de financiamento das campanhas à candidatura de pessoas negras, o que significa que, na prática e já nestas eleições, os recursos do fundo eleitoral — segundo o TSE, um fundo público destinado a financiar as campanhas eleitorais dos candidatos — foram destinados proporcionalmente aos candidatos negros e brancos. O mesmo valeu para o tempo de propaganda eleitoral.

Conforme explica a professora mestra Greiciane de Oliveira Sanches, docente no curso de Direito da Universidade de Sorocaba (Uniso), incluindo a disciplina Direito Eleitoral, esse é um reconhecimento, por parte do TSE, da existência do racismo estrutural no Brasil. “Essa decisão de repartição equitativa às candidaturas de pessoas negras tem por fundamento o princípio constitucional da isonomia, que, em seu aspecto material, consagra o ideal Aristotélico de justiça: ‘tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades’. Com base nesse princípio, o Estado deve adotar ‘ações afirmativas’, que nada mais são do que políticas e práticas que buscam reequilibrar as oportunidades disponíveis entre os segmentos sociais para a promoção da igualdade de oportunidades. Ao garantir representatividade no pleito eleitoral, considerando-se o contexto de racismo estrutural em que vivemos, aplica-se na prática o que a Constituição prevê na teoria”, ela explica.

Ela lembra, no entanto, que a decisão não significou a criação de uma cota racial propriamente dita, já que não há a reserva de um percentual mínimo obrigatório de vagas no Legislativo para pessoas negras ou pardas. Essa pode ser uma confusão comum diante das notícias publicadas.

Expectativas positivas

A advogada Tamires Sampaio, atual candidata a vereadora no município de São Paulo, é militante do movimento negro pela Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen) e ressalta a importância da decisão tomada pelo TSE como um passo à frente para que haja diversidade de fato, não só na política, mas também em outros setores. Ela faz uso do exemplo da atual legislatura de São Paulo: dos 55 vereadores municipais, não há nenhuma mulher negra exercendo o cargo e apenas 10 vereadores são homens negros (dois declarados pretos e oito declarados pardos). Ela ressalta, também, que apenas duas vereadoras negras chegaram a ser eleitas em edições passadas. “Nós sabemos que um dos principais desafios das candidaturas está relacionado ao poder econômico e à visibilidade, então, com essa decisão de garantir a proporcionalidade, existe mais oportunidade”, ela defende.

Mas ela entende, também, que há espaço para fraudes. “A questão racial está sendo discutida bastante, então houve um aumento na consciência sobre a importância da autodeclaração. Mas, no que se refere às candidaturas em específico, pode haver tentativas de fraude. Eu acho importante, sim, que haja fiscalização por parte do movimento negro, para averiguar se não há fraude.”

A razão da polêmica

Sanches conta que a razão da polêmica se deu a partir da quantidade de candidatos que alteraram suas declarações — mais de um quarto dos candidatos, sendo que a maior parte das mudanças foi de branco para pardo. Quanto a essas mudanças, ela explica que não há necessariamente uma irregularidade: “A autodeclaração possui fundamento legal e relação com questões que extrapolam o Direito, como a exteriorização do sentimento de pertencimento a uma determinada raça ou cor.” O aumento, assim, poderia estar relacionado simplesmente (e positivamente) a uma valorização da percepção do que é ser negro na sociedade brasileira.

A autodeclaração, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não é o único método de identificação racial. Outro método é a heteroatribuição, quando outras pessoas definem a classificação do indivíduo com base em características fenotípicas, e também existe a possibilidade de identificação genética.

“Não há dúvidas de que, embora haja presunção de veracidade na autodeclaração do candidato, deve ser desenvolvido um sistema de fiscalização junto ao TSE para evitar que fraudes ocorram. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em outras circunstâncias, já se manifestou sobre a legitimidade do procedimento de heteroidentificação, desde que seja respeitada a dignidade da pessoa humana e garantida a possibilidade de defesa. Embora também seja polêmico, esse procedimento se apresenta hoje em dia como um parâmetro já existente em nossa lei para confirmação da autodeclaração de raça ou cor, com vista a impedir a atuação de pessoas de má fé”, ela conta. Essa é uma questão que ainda segue pendente de regulamentação.

Necessidade de debates

O estudante de Direito Gean Soares é um dos atuais candidatos a vereador em Mairinque — onde, dos 255 candidatos, apenas 85 são declarados pretos ou pardos — e acredita na necessidade de compreender os próprios privilégios para não usufruir indevidamente de certas situações para benefício próprio. Ele declara ser descendente de negros por sua família paterna, e conta que até chegou a cogitar a possibilidade de declarar-se como pardo, mas que descartou fazê-lo por conta de seus fenótipos de origem branca, herança genética da família da mãe.

“Eu sou bolsista pelo ProUni e usufruo das cotas de baixa renda, pois me enquadro nesse grupo, mas não é o caso na questão racial. Eu nunca sofri nenhum tipo de discriminação pela minha aparência”, afirma. Para ele, debates acerca das questões raciais são muito importantes: “Eu vim entender melhor sobre meus privilégios ao entrar na faculdade. Parece-me que, no Ensino Superior, as coisas ficam mais claras, mas infelizmente não são todos que têm esse contato.”

Situação em Sorocaba

Dos 615 candidatos a vereador em Sorocaba, 154 se autodeclaram como pretos (61) ou pardos (93). O número equivale a 25% do total de candidatos. Os outros 461, ou 75%, declaram-se brancos. Já em relação aos candidatos à prefeitura, todos são autodeclarados brancos. No caso dos candidatos a vice-prefeito, apenas um se declara preto. Os dados são do “Divulga Contas”, do TSE. (Beatriz da Silva Jarins - Agência FOCS/Jornalismo Uniso)