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Cota para doação de medula mobiliza Ministério Público

23 de Agosto de 2018 às 23:18
Marcel Scinocca [email protected]

medula Doação da medula começa com o exame da tipagem para verificar a compatibilidade. Crédito da foto: Erick Pinheiro / Arquivo JCS

As campanhas, em especial nos meios de comunicação, geralmente dizem que qualquer pessoa entre 18 e 55 anos, com boa saúde, poderá doar medula óssea. Via de regra, não é bem assim. Além do problema da compatibilidade entre as células do doador e do receptor, quem precisa de um transplante de medula óssea esbarra em uma série de percalços, que vão desde os locais onde os procedimentos podem ser realizados até a falta de leitos e equipes para a cirurgia. Há ainda outro fantasma: a controversa cota para a chamada tipagem utilizada para verificação da compatibilidade de doadores. Essa cota também afeta Sorocaba e o fato levou o Ministério Público local a atuar em favor dos pacientes.

A norma foi definida em uma portaria do Ministério da Saúde de 2012. Essa cota estabelece atualmente 72.110 novos doadores por ano no Estado de São Paulo. No Hemonúcleo de Sorocaba, por exemplo, são cadastrados 2.400 doadores por ano, uma cota de 200 doadores mensais. O custeio também é realizado pelo Ministério da Saúde, mediante produção de cada serviço. Atualmente, considerando a tabela do Ministério da Saúde para o procedimento, em Sorocaba são gastos mensalmente R$ 75 mil -- tabela de 2012 -- com todos os procedimentos. São 10 cadastro por dia.

Quem precisa de um transplante de medula óssea esbarra em uma série de percalços

O que diz a portaria

A polêmica portaria do ministério foi assinada em 2012 pelo então ministro Alexandre Padilha. Entre as mudanças, estava a determinação de que o cadastramento de novos doadores voluntários de medula óssea respeitaria um número máximo de cadastro de doadores, por ano, para cada Estado. Outra determinação é que campanhas para cadastramento de doadores voluntários deverão ser previamente autorizadas pelo Ministério da Saúde. A norma ainda determina que essas campanhas deverão visar os grupos genéticos considerados minoria na representação do Registro Brasileiro de Doadores de Medula Óssea (Redome).

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O pretexto para a mudança era a garantia adequada de representatividade da diversidade genética da população brasileira nesses registros, e de assegurar a utilização adequada dos recursos financeiros disponíveis. A cota para todas as cidades do Estado, inclusive para Sorocaba, foi aprovada pela Coordenadoria Estadual de Planejamento (CPS) em fevereiro deste ano. O órgão é ligado à Secretaria Estadual de Saúde.

O Ministério da Saúde não informou até o fechamento desta edição qual o valor atualizado de cada procedimento, se há possibilidade de aumento na cota de nova doadores para Sorocaba e se é o valor do procedimento o principal motivo para a existência dessa cota. A Secretaria Estadual de Saúde se recusou a informar qual a capacidade diária de coletas em Sorocaba.

Número de novos doadores cai

Atualmente, o Redome tem 4.658.028 doadores cadastrados. Em São Paulo, estão cadastrados 1.206.934. No Brasil, o número de doadores cadastrados caiu de mais de 342 mil, em 2015, para 332 mil, em 2016. No ano passado, caiu novamente para 284 mil novos doadores. Este ano, foram 159 mil até julho, o que indica que o número deve cair novamente.

Na fila de espera, são 850 pessoas que precisam de transplantes. Não há dados por cidade.

Drama sorocabano

Em Sorocaba, o drama vivido pelo gerente comercial Thiago Marini Wilfer, de 34 anos, ajudou a reacender o debate em torno da cota determinada pelo Ministério da Saúde. Amigos organizaram uma campanha para a doação, mas foram barrados pela cota na segunda-feira (20). “Fizemos uma campanha muito grande. As pessoas abraçaram a causa, mas quando chegaram lá, foram informadas que não poderiam mais se cadastrar, que já tinha dado a cota”, diz a esposa Marina Escames Marini Wilfer.

thiago Thiago espera transplante. Crédito da foto: Acervo pessoal

A campanha para doação de medula seria para todos que estão na fila. Cerca de 40 pessoas compareceram ao local e não puderam se cadastrar. “Precisamos que eles liberem, pelo menos este mês”, pede uma pessoa próxima ao paciente. “Uma dessas pessoas poderia salvar a vida dele”, lamenta.

Devido aos problemas com a cota em Sorocaba, uma campanha para a coleta de doadores deve ocorrer em São Paulo. A ação está programada para esta sexta-feira (24). A ação envolvendo os amigos de Thiago leva em conta, além do problema com a cota, o fato, segundo eles, de o resultado do exame entrar no sistema num período mais curto, favorecendo a possibilidade de se localizar mais rápido um doador compatível.

Asa Morena

Nerli Peres, da ong Asa Morena, que atua na questão da medula óssea, conhece muito bem o problema. “É um abuso não se permitir campanhas específicas”, diz. “É preciso ser um pouco mais maleável, porque essa é uma postura muito rígida”, afirma. A ong atua principalmente no esclarecimento às famílias de receptores e até na assistência jurídica e na busca de medicamentos para pacientes. Conforme Nerli, na impossibilidade de campanhas em Sorocaba, houve parceria para o cadastramento de possíveis novos doadores na cidade de Jaú.

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Ação

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) chegou a ingressar na Justiça com uma ação civil pública pelo aumento no número de procedimento em Sorocaba. A promotora Cristina Palma foi autora do pedido. Para fundamentar a questão, ela alegou, por exemplo, que o caso tratava de garantia ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, no caso o direito à vida e à saúde. O juiz Leonardo Guilherme Widmann negou o pedido, por entender que não há ilegalidade na distribuição de cotas para cadastro de novos doadores voluntários. “Fiquei muito decepcionada com o indeferimento. Não esperava por isso”, afirma a promotora ao comentar a decisão. Ela afirmou que recorreria do ato, ainda nesta quinta-feira (23).

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