Avenida do Contorno não saiu do papel
O Aeroporto de Sorocaba é considerado o mais importante centro de manutenção de aviões executivos da América do Sul. Crédito da foto: Vinícius Camargo (11/9/2020)
A Prefeitura de Sorocaba tinha planos para fazer uma avenida ligando as vias Adão Pereira de Camargo -- continuação da avenida General Osório -- e a avenida Ipanema, cortando vários bairros e passando por praticamente toda a “lateral oeste” da pista do Aeroporto de Sorocaba. Seriam cerca de dois quilômetros da nova via. Seriam, porque o projeto ficou somente no papel. É mais um problema para o desenvolvimento do aeroporto que serve ao maior centro de manutenção de aviões executivos da América do Sul.
O início da nova avenida seria bem próximo da cabeceira 36 da pista principal, na zona oeste de Sorocaba. A via cruzaria as ruas Saturno, Júpiter, Nelo Viana, Vitorino Pereira, Joaquim de Oliveira e outras 13 vias da região, em especial da Vila Helena. A via terminaria na João Camargo, perto da Casa do Cidadão da avenida Ipanema, já na zona norte da cidade.
O projeto original, de 3 de junho de 2008, previa ao menos 80 desapropriações. Algumas áreas já aparecem nesse projeto como desapropriadas. O processo trata, inclusive, da “futura ampliação da pista de pouso do aeroporto”, que foi feita em 2013 e até hoje não é reconhecida pelas autoridades aeronáuticas, conforme mostrou no domingo passado o Cruzeiro do Sul.
Os acessos atuais, inclusive, apesar de modificações pontuais, geram tráfego maior que as vias podem suportar. Prova disso é o trânsito intenso registrado diariamente no bairro. E não se trata tão somente de resolver a questão do acesso às empresas que atuam no Aeroporto de Sorocaba, incluindo a Embraer, gigante na frabricação de aeronaves executivas. É uma necessidade que envolve a mobilidade no bairro e uma forma de aliviar o fluxo da avenida Ipanema e de outras vias. Se por um lado os moradores da Vila Helena, Jardim Rodrigo e Lopes de Oliveira terão mais sossego para chegar e sair de suas residências, é fato que a principal ligação de Sorocaba com Iperó e Porto Feliz terá trânsito mais livre, já que atualmente a Ipanema registra gargalos nos horários de pico.
O projeto da Avenida do Contorno não saiu do papel. Além de melhorar o acesso ao aeroporto, seria uma ligação importante para a região. Crédito da foto: Fábio Rogério (21/9/2020)
Pior que saber que a avenida são saiu da papel é ter a informação de que não há previsão de que isso ocorra. O problema é financeiro. A Secretaria de Planejamento (Seplan) informou no início do mês que o projeto não foi descartado. A pasta lembrou que ele está no mapa 3 do Plano Diretor do sistema viário, na lei 11.022 de 2014, que, inclusive disponível no site da Prefeitura de Sorocaba.
Ainda de acordo com a Seplan, existe estudo funcional pré-definido envolvendo a desapropriação de alguns imóveis que, até o momento, não foi efetivada. “Além disso, trata-se de uma obra com custo consideravelmente alto e que envolveria alguma modalidade de financiamento externo, visto que a municipalidade não dispõe de reservas para investimento desta ordem, no momento atual”, lembra a pasta. À época do planejamento, o custo estimado girava em torno de R$ 16 milhões. Hoje, acredita-se que o custo estaria entre R$ 18 milhões e R$ 20 milhões.
Faltou dinheiro
O ex-prefeito Antonio Carlos Pannunzio (PSDB), em cujo mandato o projeto mais avançou, comentou a questão na sexta-feira (25). Segundo ele, a ideia de fazer uma avenida contornando o Aeroporto de Sorocaba é antiga, mas ganhou formalização em seu governo. Pannunzio falou sobre o que fez com que o projeto ficasse apenas no papel. “A gente tinha negociações avançadas. A Prefeitura de Sorocaba faria a doação de áreas para o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) e o Daesp faria a obra. Mas aí veio a crise de 2014, 2015. A Prefeitura não tinha dinheiro e o Estado também não. Ficou pendente”, comenta. “Houve um acordo e não um contrato firmado. Caberia à nova administração levar o projeto adiante”, lembra. Pannunzio também enfatizou que no seu governo foram feitos melhorias no local, como o acesso atual para a empresa Embraer.
“É um parque industrial bastante respeitável e de alta tecnologia. Além disso, é um polo importante para a economia de Sorocaba. A cidade tem atuação destacável nisso. E continua sendo importante melhorar os acessos ao entorno do sítio aeroportuário. E essa avenida não seria só importante para o aeroporto, mas para o bairro, para a região e para a cidade, de uma maneira geral”, comenta. “Além da valorização, haverá uma alternativa nova para o trânsito”, acrescenta.
Outro problema do entorno
Crédito da foto: Fábio Rogério (21/9/2020)
O trânsito no entorno do aeroporto não é o único problema existente naquele local. Apesar de obras recentes feitas pelo Daesp nos muros do aeroporto, ainda é possível o acesso ao aeroporto pelas laterais, junto a áreas residenciais. A reportagem do Cruzeiro do Sul percorreu praticamente toda extensão, entre as duas cabeceiras. São vários os pontos em que se pode acessar o aeroporto graças às ações de vândalos. Em pelo menos três partes do muro há buracos, características de que foram feitos para se escalar a barreira. Em vários pontos o arame farpado instalado no local foi cortado, permitindo ou facilitando o acesso.
Os problemas não estão somente no solo. O próprio site do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), ligado ao governo federal, informa que há obstáculo na área do aeródromo. O problema, pelas coordenadas do aviso do Decea, estaria em um prédio no entorno do aeroporto próximo da cabeceira 36, no sentido General Osório. Possivelmente, o topo do prédio não estaria iluminado.
Segundo o Daesp, a responsabilidade pela situação é do próprio Decea, que informou o problema. Ninguém do Decea foi localizado para comentar a questão até o fechamento desta edição.
Sobre os problemas no muro, o Daesp afirmou que investiu na segurança do Aeroporto de Sorocaba e instalou câmeras de segurança com monitoramento 24 horas. “Além disso, o Departamento construiu um muro de 1,2 quilômetro de extensão e implantou barreira entre a área pública e a área privada. De acordo com o departamento, após todos estes investimentos feitos no ano passado, não houve nenhum registro de invasão no aeroporto”, alega.
Entidade reage a declaração de secretário
Paulo Oliveira. Crédito da foto: Fábio Rogério (25/9/2020)
A Associação dos Proprietários de Hangares Particulares do Aeroporto de Sorocaba (Aprohapas) reagiu na última sexta-feira (25) às afirmações do secretário de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, João Octaviano Machado Neto. Ele esteve em Sorocaba na manhã da quarta-feira (23). No Aeroporto de Sorocaba, após visita técnica, ele afirmou que o processo de internacionalização depende da regularização de uma área privada no sítio aeroportuário que, segundo Octaviano, não é controlada.
Paulo Oliveira, presidente da Aprohapas, negou que a presença dos hangares privados que operam no local sejam empecilhos no processo de internacionalização. “A área privada não está atrapalhando a internacionalização do aeroporto. Isso é mentira”, afirma. De acordo com ele, após as declarações, publicadas na edição de quarta-feira (24) do Cruzeiro do Sul, ficou a impressão de que a atividade do local está em área não regularizada e sem qualquer controle. “Ninguém entra nos nossos hangares sem ser identificado. É o contrário do que acontece na área controlada pelo Daesp”, diz.
Foi instalada uma cancela para o acesso aos hangares privados. Crédito da foto: Divulgação
Outro ponto citado por ele tem relação com o processo de inspeção para de passageiros e de aeronaves nos processos de pousos e decolagens. “Ninguém vai partir para uma viagem sem passar pelo Terminal do Aeroporto. É lá que será feito o controle. As aeronaves ficam abertas no pátio do Daesp. A Polícia Federal e a Receita Federal podem entrar e fazer todo e qualquer tipo de inspeção. Depois ocorre o voo. A aeronave não volta mais para o hangar”, argumenta.
Ele também destacou o caráter de contribuição dos empresários do local para o desenvolvimento do aeroporto. As operações com os hangares iniciaram após aquisições de terrenos que pertenciam à Construtora Nacional de Aviões Ltda (Conal), que ainda atua no local, sendo uma das maiores empregadoras do setor. Os investimentos começaram na década de 1960, quando o aeroporto ainda era tratado como campo de aviação. “Foi aqui que começou tudo. Foi isso que fomentou o Aeroporto de Sorocaba”, desabafa.
Interferências
Paulo Oliveira, que é piloto desde 1985, afirmou ainda que a situação presente é mais uma forma de interferência do órgão na atividade privada que ocorre no aeroporto antes de o órgão estadual se tornar “dono” do local. Em 2018, segundo relatos do empresário, houve três tentativas, sendo que uma delas está vigor.
O operador alega que no início de 2019 houve o pedido da entidade para que as empresas que operam no local privado pagassem, juntas, R$ 240 mil por mês para a manutenção das atividades. A cobrança foi derrubada na Justiça. O pagamento condicionaria o acesso ao local. Posteriormente, segundo ele, houve, por decreto, a implantação de uma espécie de pedágio para as aeronaves que acessavam os hangares, “Tinha taxa de pouso, taxa de comunicação e taxa de navegação. Queriam cobrar mais uma taxa, a de passagem”, comenta. Mais uma vez a medida foi derrubada na Justiça.
Por fim, de acordo com ele, houve a colocação de uma cancela para as aeronaves que acessam os hangares privados. “Cancela para aeronaves. É um absurdo. Pista de taxi não pode ter obstáculo fixo”, diz. Essa cancela está em funcionamento e o caso está sendo discutido na Justiça.
Ainda de acordo com ele, no final dos anos de 1990 já houve uma tentativa de interferência. Naquela época, ocorreu pressão para o encerramento das atividades, já que o órgão estadual teria afirmado que área não poderia existir. Vale lembrar que o Aeroporto de São Carlos, que já foi internacionalizado, também possui áreas particulares em seu entorno. Há outros exemplos em aeroportos pelo Brasil com essa situação.
Atualmente, a Aprohapas atua na defesa de 26 hangares, envolvendo 36 empresas e 16 empresários. São 100 mil metros de área privada e mais de 600 empregos diretos gerados.
Voos comerciais dependem do mercado
O Aeroporto Estadual de Sorocaba - Bertram Luiz Leupolz está aberto para voos comerciais, mas nesse momento não é atrativo para o mercado. Essa é a análise do secretário João Octaviano, titular da pasta de Logística e Transportes de São Paulo. “É uma questão de atratividade. Por alguma razão, o mercado entende que eu estou muito perto de Viracopos. Amanhã, com a questão de internacionalização, pode ser que se tenha a atratividade desses voos”, diz. “Amanhã você pode ter aqui a rota Sorocaba/Guarujá, para os voos de turismo, voos de negócios. É uma questão de mercado.”
Secretário João Octaviano. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (24/9/2020)
“Os voos com as aeronaves compatíveis com esse aeroporto já estão liberadas. Quem define isso é o mercado. Se amanhã, uma operadora -- Azul, Gol, Latam, resolver fazer um voo de Sorocaba para o Rio de Janeiro, é colocar uma aeronave que tenha condições de fazer pouso e decolagem dessa pista e a operação do terminal. Sem problema nenhum. Está aberto. Nós fizemos isso ano passado, a liberação desses voos. Araraquara, São Carlos, Tupã, Dracena. Tem uma malha, mas quem define isso é o mercado”, comentou.
Além disso, o secretário afirmou que está em andamento um processo de atualização do plano planialtimétrico do local. Ainda durante a visita, ele afirmou que as melhorias no Aeroporto de Sorocaba, necessárias para o processo de internacionalização, deverão ser concluídas até dezembro deste ano. Ao menos R$ 380 mil foram anunciados para a sinalização da pista do aeroporto. O assunto foi um dos temas da reportagem do Cruzeiro do Sul, no domingo (20), a segunda da série. (Marcel Scinocca)
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