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Associação Protetora dos Insanos de Sorocaba completa 100 anos

30 de Setembro de 2018 às 13:25

Associação Protetora dos Insanos faz 100 anos O Hospital Jardim das Acácias fechou há cinco anos e a priorizou as residências terapêuticas. Crédito da foto: Erick Pinheiro / Arquivo JCS (14/9/2012)

A Associação Protetora dos Insanos de Sorocaba (Apis), entidade vinculada à Loja Maçônica Perseverança III, completa 100 anos amanhã (1º de outubro) com histórico de ações que revolucionaram o tratamento de pacientes no campo da psiquiatria, garantindo-lhes dignidade e oportunidades de reinserção no convívio social.

Na década de 90, a Apis foi pioneira no Brasil na criação do modelo de residência terapêutica, oficializado em 2000, pelo Ministério da Saúde. A iniciativa transformou o atendimento -- antes focado na internação -- em projeto terapêutico com níveis de atenção aperfeiçoados.

O 1º tesoureiro da Apis, o médico Antonio Carlos Ribeiro, conta que as manifestações de reconhecimento dos projetos executados consagraram a história da Apis. Em 2003, a revista “Veja”, em edição especial, relacionou a Associação Protetora dos Insanos entre as 430 melhores entidades entre todas as instituições filantrópicas do Brasil. Durante 19 anos, de 1993 a 2012, funcionou no Hospital Jardim das Acácias, da Apis, a Escola de Enfermagem Jardim das Acácias, que formou 3.446 auxiliares e técnicos de enfermagem.

Associação Protetora dos Insanos faz 100 anos Antonio Carlos Ribeiro destaca as ações desenvolvidas pela diretoria da Apis em prol dos pacientes. Crédito da foto: Aldo V. Silva / Arquivo JCS (17/9/2012)

Hospital-escola

Por várias décadas a estrutura hospitalar da Apis foi o hospital-escola para a Faculdade de Medicina de Sorocaba na cadeira de Psiquiatria e Psicologia Médica. A unidade também manteve convênios com a Universidade de Ribeirão Preto (Unaesp) nos cursos de Medicina do Trabalho e Administração Hospitalar, formando várias turmas. E manteve a Casa Azul, departamento especializado em evitar doenças psiquiátricas e que funcionou de 2001 a 2004. Também criou um centro psicossocial só para jovens. O conjunto de atividades transformou o Jardim das Acácias num complexo psiquiátrico de grande referência no Brasil.

A Apis também recebeu em São Paulo o Prêmio Beneficiente, cedido pela organização Kanitz e Associados, que premiou as 50 melhores organizações filantrópicas do Brasil que em 2002 comprovaram proeminência nos quesitos: qualidade na prestação de serviços à comunidade, e administração financeira e transparência nas informações. A Kanitz ainda recomendou ao público que essas instituições eram dignas de receber investimentos de setores da sociedade interessados em apoiá-las.

Ações pioneiras

A Apis atendia há muitos anos os pacientes no Hospital Jardim das Acácias, na avenida General Carneiro. A transformação ocorreu quando, em 1993, a equipe chefiada pelo médico Hans Ly H. Rochel instituiu novo projeto terapêutico. O hospital tinha cerca de 400 pacientes, sendo 320 sem famílias, sem nomes, sem documentos. Havia os que eram identificados por números ou apenas pré-nomes. Todos eram internados em quatro pavilhões, um para cada grupo distribuído em adulto (feminino e masculino) e infantil (feminino e masculino).

A equipe médica liderada por Rochel dividiu os pacientes em dois grupos: doentes mentais, caracterizados por esquizofrenia, depressão, bipolaridade, personalidade psicopática; e os deficientes mentais, que eram os portadores de retardos sem condições de evolução. Para o primeiro grupo foi instituído o tratamento preconizado pelas associações mentais psiquiátricas.

Os deficientes mentais (320 pacientes) foram divididos em quatro grupos. O grupo 1 era formado pelos pacientes mais dependentes. Os outros três grupos foram compostos de pacientes dotados de qualidades mais satisfatórias para as atividades da vida diária.

Por esse critério, o grupo 4 apresentou as melhores qualificações para futuramente viver fora do hospital e com esse perfil a instituição formou a primeira residência terapêutica do Brasil. Foi uma conquista que levou quatro anos para ser concretizada. Foi a consolidação do novo modelo de tratamento com pacientes crônicos de psiquiatria, que até então eram isolados do mundo e viviam confinados entre muros e alambrados. O novo conceito estimulava o equilíbrio e a harmonia na convivência em sociedade.

E teve início uma programação de visitas e passeios dos internos aos shoppings, lojas, supermercados, praias, além de atividades esportivas. Houve casos de pacientes que passaram a trabalhar em supermercados e lava-rápidos.

Revoluções terapêuticas

O hospital também detectou falta de funcionários específicos para cuidarem de pacientes que tinham comportamentos mais prejudicados pelas deficiências mentais. Para suprir essa carência, o hospital criou um curso de formação. De 60 participantes, só ficaram 4 que se habilitaram ao trabalho e eram todos mulheres.

Nada era fácil, pois muitos pacientes não se alimentavam sozinhos, não queriam tomar banho nem usar roupas. O hospital teve que adaptar a cozinha para eles. “Tivemos que desenvolver cozinha especializada para esse tipo de paciente para que tivessem o mínimo de conforto”, diz Ribeiro.

Com a ajuda da Polícia Civil, o hospital fez a identificação formal de todos os pacientes. Entre eles, havia os que acumulavam problemas físicos, ao ponto de serem contados 80 cadeirantes. Uma cadeirante era cega, surda e tetraplégica, além dos problemas mentais. Viveu 26 anos no hospital até a sua morte. “Era tratada com todo o carinho do mundo”, recorda Ribeiro. Pelo menos 45 pacientes frequentavam uma academia como forma de promover atendimentos de fisioterapia.

Residências Terapêuticas

O hospital fechou há cinco anos, por força de política do governo federal para o setor psiquiátrico que priorizou as residências terapêuticas. Atualmente a Apis tem sob os seus cuidados nove residências terapêuticas, uma oficina terapêutica com 80 pacientes em atividades diversas e duas unidades de Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) com 3.500 atendimentos/mês, sendo um para questões de álcool e drogas e o outro para doenças psicóticas. O Caps Alegria de Viver fica no Jardim Europa; o Caps Roda Viva na rua Padre José de Anchieta, no Centro.

A oficina terapêutica atende deficientes mentais internos e externos. Eles se ocupam, por exemplo, de atividades como fabricação de fraldas e absorventes e varrição de ruas. Todo o lucro proveniente dos serviços prestados é revertido aos próprios pacientes para que aprendam os valores do trabalho e do dinheiro. De 1996 até 2003, os pacientes produziram o jornal Folha das Acácias, com edições bimestrais e tiragens de 3.500 exemplares.

Com base nesse conjunto de ações, Ribeiro conclui que “todo projeto terapêutico só dá certo se existem alguns pontos: diretoria com projetos, a família e a sociedade”. Se esse tripé não absorver a causa proposta, na sua análise, os objetivos não serão alcançados.

Amanhã, Ribeiro fará palestra contando a história da Apis como complexo psiquiátrico e patrimônio de Sorocaba. A palestra integra a programação “Perseverança Rumo aos 150 Anos”, que serão completados em 31 de julho de 2019.

1ª diretoria da Apis foi formada por mulheres

Associação Protetora dos Insanos faz 100 anos O médico Marcos Alencar é o atual presidente da Apis. Crédito da foto: Bruno Cecim / Arquivo JCS (23/9/2009)

A Apis foi criada em 1º de outubro de 1918 como Instituto de Higiene Mental Dr. Luís Vergueiro. Os fundadores foram o prefeito da cidade na época, capitão Augusto César do Nascimento Filho, o delegado de polícia Bráulio de Mendonça Filho, o engenheiro Júlio Bierrembach Lima e o professor Joaquim Silva, do Grupo Escolar Porto Seguro. E a primeira diretoria executiva do Instituto foi composta de cinco mulheres, iniciativa pioneira na época: a presidente Ana Sucupira Kenworthy, a vice-presidente Júlia de Sá Bierrembach, a 1ª secretária Júlia Penteado de Barros, a 2ª secretária Márcia Mercedes de Mendonça e a tesoureira Amélia César do Nascimento.

Os acontecimentos que deram origem à Apis datam de 1869, época de fundação da Loja Maçônica Perseverança III. Na ocasião, a cidade recebia grande número de leprosos e variolosos. O primeiro venerável da Loja Maçônica, Vicente Eufrásio da Silva Abreu, iniciou o projeto de criação de um manicômio para auxiliar esses pacientes. Dentro do projeto, a construção de um hospital começou em 1873 e em 1876 foi concluída a obra do Hospital Santa Rita de Cássia. Essa unidade foi transformada no primeiro manicômio de Sorocaba.

Nesse período, os hansenianos (leprosos) estavam sendo transferidos para o Hospital do Pirapitingui, em Itu, o que deixou o Santa Rita de Cássia ocioso e as vagas passaram a ser ocupadas por pacientes com problemas mentais. A nova realidade culminou com a criação do Instituto de Higiene Mental Dr. Luís Vergueiro em 1º de outubro de 1918.

O Instituto teve como sede o prédio construído na avenida General Carneiro. Nos primeiros anos a nova entidade não tinha estrutura hospitalar. O prédio abrigava pacientes com doenças mentais crônicas que não demandavam assistência médica contínua, e os casos agudos eram encaminhados ao Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha.

Em 1944, na administração de Joubert Wey, o Instituto passou a contar com a visita regular de médico da Secretaria de Saúde do Estado. Em 1969 foi extinta a denominação como Instituto de Higiene Mental e em seu lugar surgiu o Hospital Psiquiátrico Jardim das Acácias, que se mantinha por meio de convênios com o SUS e toda a sua diretoria era composta por voluntários. Atualmente o presidente da Apis é Marcos Alencar.

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