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Arquitetos avaliam marcos urbanos de Sorocaba e apontam carências

24 de Maio de 2020 às 00:01

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade Fachada da Estação Ferroviária de Sorocaba. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (23/5/2020)

Torre Eifel, Estátua da Liberdade, London Bridge, Cristo Redentor são alguns exemplos de marcos da paisagem urbana de metrópoles pelo mundo afora. Mais do que “cartões postais” -- como ainda são chamadas essas edificações, que num passado não muito distante costumavam estampar cartas de papelão endereçadas pelo correio --, os ícones arquitetônicos são traços que ajudam a dar feição às cidades.

A esta altura, você já deve ter se perguntado qual ícone urbano melhor representa Sorocaba. Essa questão foi o ponto de partida de conversas da reportagem com renomados arquitetos da cidade que, de diferentes perspectivas, concordam que o município é carente de marcos referenciais contemporâneos.

O assunto veio à tona na Redação após uma reportagem sobre o “Arco da Inovação”, nome dado à ponte estaiada de São José dos Campos, cidade com o mesmo porte de Sorocaba. Moderna e imponente, a obra orçada em R$ 48,5 milhões foi liberada para o tráfego no mês passado, mas ainda na fase de conclusão do seu entorno, sustenta em seus estais a incômoda -- talvez invejosa -- pergunta: Por que Sorocaba não tem uma obra pública semelhante?

A resposta, é claro, passa pelo campo das escolhas políticas, de questões orçamentárias e de viabilidade técnica, mas a questão também incentiva reflexões acerca de como é e como pode ser o espaço urbano onde vivemos.

Conjunto de marcos

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade Fernando Poles: cidade tem conjunto de marcos. Crédito da foto: Divulgação

O arquiteto e urbanista Fernando Poles, do escritório Poles Arquitetura, defende que Sorocaba possui um conjunto de marcos arquitetônicos, porém “não tão óbvios” como uma estátua monumental ou uma ponte estaiada de São José dos Campos. “Na minha visão, as fábricas da Cianê [Companhia Nacional de Estamparia] são marcos arquitetônicos que referenciam a cidade”, considera.

Segundo ele, além de servirem como referência geográfica, esses prédios guardam resquícios de período de franco progresso que deu a Sorocaba o título de “Manchester Paulista”, em alusão à cidade inglesa, e ajudam a manter viva parte da história local que, por sua vez, tece a identidade cultural dos sorocabanos.

Marcas do tempo

O cenário de belezas urbanas, no entanto, se mostra mais deserto em Sorocaba, se considerado somente os marcos arquitetônicos com funções utilitárias, como, por exemplo, pontes, viadutos ou mesmo os abrigos para ponto de ônibus. O arquiteto José Gustavo Crespo Barreiros aponta que, para uma cidade que conta com três cursos superiores de Arquitetura, “Sorocaba é bem pobre nesse sentido”.

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade José Barreiros: obras transformam a realidade. Crédito da foto: Divulgação

Profissional com 30 anos de carreira e com dezenas viagens para o exterior, onde pôde conferir beleza e a importância de ícones urbanos, Barreiros assinala que os marcos arquitetônicos, se bem pensados e localizados, têm a capacidade de valorizar e transformar a realidade do seu entorno e, em alguns casos, se tornar ponto turístico. “Um cartão postal pode envolver a cidade fazer o morador valorizar mais também”, defende.

A exemplo das edificações históricas citadas por Poles, Barreiros destaca que um marco arquitetônico é sempre uma marca de seu tempo, pois tendem a ser produzidos com as tecnologias mais inovadoras e os melhores materiais disponíveis. “Mas eu sempre digo que bom trabalho de arquitetura, ainda que datado, não perde a referência nunca”, comenta, citando como exemplo a clássica e charmosa Ponte do Brooklyn, de Nova York, inaugurada há 137 anos.

Edificações estão integradas à paisagem sorocabana

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade Aranha do Vergueiro. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (23/5/2020)

Além dos marcos “não óbvios”, como as antigas fábricas do apogeu do período têxtil, Fernando Poles acrescenta que outras edificações se tornaram “marcos por acidente”, como a estação ferroviária e o fórum velho, no Centro, e a antiga usina de energia da Cianê, às margens do Rio Sorocaba.

Por falar em marcos por acidente, é impossível não mencionar a polêmica “Aranha do Vergueiro”, como ficou conhecido o conjunto de vigas de 20 metros de altura que seriam a estrutura de uma igreja, que acabou não avançando. “[A beleza ou feiura] é tema de controvérsia, mas, de qualquer forma, ela é um grande marco urbano da cidade”, acrescenta.

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade Escultura “Bicicletas”. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (23/5/2020)

Fernando Poles cita, ainda, como exemplos marcos as obras de arte contemporânea instaladas em locais públicos, como a escultura “Bicicletas”, do artista plástico Gilberto Salvador, localizada na avenida Dom Aguirre, em frente ao Terminal São Paulo, e a grande estrutura em aço, com formas geométricas, desenvolvida pelo artista Chico Niedzielski, instalada no Parque das Águas.

Mentes criativas

Para José Gustavo Crespo Barreiros, ainda é pouco para uma cidade do porte de Sorocaba, mas o marco arquitetônico com traços que melhor delineiam o “skyline” da cidade é o Palácio dos Tropeiros. A edificação em concreto armado no estilo brutalista inaugurada em 1981 foi projetada pelo arquiteto paulistano Luiz Arthur Guimarães Navarrete, vencedor de um concurso promovido pela prefeitura na época.

O arquiteto destaca que concursos de projetos arquitetônicos para obras públicas, como prédios, pontes e viadutos, são comuns em países europeus e lamenta que essa prática não seja raramente adotada por boa parte das prefeituras brasileiras. Ele destaca que, além de mais justa -- já que é executada com recursos públicos e para toda a população --, esta modalidade de seleção seria a melhor forma de Sorocaba receber projetos de mentes criativas e inovadoras que, se realizadas, ficam como patrimônio para a cidade. “O concurso é a forma mais válida e democrática possível”, diz.

Barreiros assinala que apesar do desafio de uma obra ter de beneficiar toda a cidade ao menor custo possível, a criatividade arquitetônica é capaz ajudar a viabilizá-la sem ser necessariamente feia. “Sempre pode ser mais bonito que o projeto convencional, mas eu nunca vi, na verdade, a prefeitura pensar nisso”, critica, citando que 30 anos de carreira, o único concurso aberto em Sorocaba foi para a Câmara dos Vereadores de Sorocaba.

Sem imponência

Arquitetos avaliam marcos urbanos da cidade Palacete Scarpa. Crédito da foto: Vinícius Fonseca (23/5/2020)

Já Fernando Poles pondera que em virtude da vocação industrial de Sorocaba, projetos arquitetônicos muito imponentes ou monumentais tendem a distanciar do que abraçar a população. “Sou mais favorável a uma cidade com diversos marcos menores, mas todos funcionais, como museus, parques, e espaços para instalações artísticas itinerarem”, sugere.

Apesar de reconhecer que a região central possui um significativo conjunto de ícones referenciais como o Teatro São Rafael, sede da Fundec, a Estação Ferroviária, Palacete Scarpa e o Fórum Velho, que carecem de revitalização, Poles assinala que a região da zona norte, por ser mais nova, se mostra como a maior carente de marcos arquitetônicos. Na avenida Itavuvu, por exemplo, quase sempre, a referência dada é um elemento comercial, como um mercado, uma farmácia, uma loja. “Os marcos urbanos devem estar misturados e espalhados porque eles valorizam a cidade. Se bem posicionados, eles mudam a realidade daquela região. Este é o desafio do urbanista”, complementa. (Felipe Shikama)

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